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sábado, 24 de dezembro de 2011

O menino do mundo

Menino do mundo




Tantos anos se passaram, mas para mim é como se fosse hoje. Na minha idade a lembrança é como o meu cachorrinho Lalau que brinca de se esconder, indo e vindo quando quer, mas, volta e meia ele está ao meu lado com um olhar de político evangélico. É um bom cachorro, mas cheio de vontade, malcriado, igualzinho ao finado meu marido, José. De uns tempo para cá, Lalau tem sido minha única companhia nessas brenhas em que vivo isolada. O lugar é tão danado que colocaram o nome de Rasgo da Vilma em homenagem a uma libertina famosa que viveu e fez fama na região. No entanto, gosto do lugar, das suas cores selvagens, do calor do dia e do frio da noite, não me sinto sozinha, mas abraçada pelas pessoas ausentes, pelos fantasmas que sempre estão presentes. Ah, ia me esquecendo do cavalo Rolete. Etâ, cavalinho marrento! O danado que tem mais idade do que piolhos "bolsistas"que passeiam nas cabeças dos meninos da região, no entanto, ao ver uma égua nova o desgraçado fica todo sibite, relinchando de um lado para o outro. Só vejo tamanha alegria quando ele escuta na feira da cidade as músicas de Amado Batista.

Como estava falando, a minha memória ia ficando rebelde na medida em que cresciam os meus cabelos brancos, porém, o que vou contar, lembro-me como se fosse hoje. José, meu marido, era muito mais velho do que eu, mas, na época, uma menina distinta que estava beirando aos dezessete anos não podia escolher marido. Isso era tarefa dos pais que não abriam mão dessa escolha, consequentemente, determinavam como seria a felicidade das suas inestimáveis filhas. José era um homem tosco, quase analfabeto, mas era um bom homem. Possuía um coração de ouro e tentava me agradar de todas as maneiras, sem falar na sua generosidade reconhecida por com todos os necessitados. Eu possui a sorte de ter um tia solteirona que era professora que me ensinou a arte da boa escrita e passear com muito prazer nos livros emprestados, doados ou surrupiados. No entanto, com tanta cultura, nunca consegui presentear José com um filho que tanto queria. Coisas da natureza.

Fazia três meses que me encontrava hospedada no sítio de uma tia que morava no Sul, pois estava me restabelecendo de uma enfermidade e José achou por bem que viajasse para lá. "O clima vai lhe fazer bem", falou, ordenando-me que partisse. Um dia, bem cedinho, ouvimos um choro insistente de uma criança que descobrimos ser proveniente do estábulo. Era um recém nascido lindo e vermelhinho de tanto chorar. Meu coração raciocinou sem atropelo e voltei para a companhia de José com o rebento no colo. "Mulher você é doida de pedra", me recepcionou, José, com seu rosto de caatinga e sorriso de mel. Logo que desci da marinete, foi a vez dos olhares populares do tipo "foi ter o filho fora", para logo após mudarem para olhares "quem foi o pai", e antes que aparecesse um "mau olhado", disparei: "Foi um milagre; obra do Espírito Santo".

O moleque foi batizado com o nome de Messias de Araújo, nome que José insistiu com muito vigor, apesar de ter preferido um mais charmoso, originado das minhas leituras. Messias cresceu com doçura e firmeza, ajudando a José nos trabalhos do campo e a noite aprendia a ler e escrever ouvindo as minhas histórias. Sempre ouvi o ditado popular que um abandonado sempre abandona as pessoas, no entanto, Messias nunca se sentiu abandonado e nunca abandonou ninguém. Desde de pequeno acreditava ser uma pessoa especial, constatação essa que não o fazia abrir em leque as suas penas e inchar o peito como um pavão, mas ter um crescente peso da responsabilidade para com os outros, como um Guará alfa em relação a sua matilha. Foi essa especialidade que o fez crescer o cabelo, colocar barba, usar uma bolsa de couro à tiracolo, devorar avidamente livros com capas vermelhas e chamar todas as pessoas de camaradas. Mas, nem todas as pessoas gostavam de ser chamadas por esse nome, como, por exemplo, os coronéis da região, o juiz, o promotor, o padre e os políticos importantes da região. Camarada como sinônimo de amigo, eles ainda suportavam, mas quando essa palavra se associava à frase "a terra é para todos", a jagunçada dos poderosos caía de pau, matando até os passarinhos de cabeça vermelha.

Um dia fui à feira com José e encontramos com o juiz e o promotor que estavam comemorando o recebimento de um vultosa quantia, uma tal de verba indenizatória que as más línguas chocalhavam dizendo ser dinheiro surrupiado do povo. Eles estavam com bom humor e quase embriagados, mas não perderam tempo; ameaçaram Messias. José que de manso não tinha nada, disse: "Diga aos coronéis que José não tem medo de nenhum macho vivente". Eles conheciam o passado de José e ficaram em silêncio. Uma semana após, o silêncio foi quebrado por uma saraivada de tiros. Enterramos José na sombra de um Jequitibá, na terra que ele tanto gostava e que sempre afirmava que um dia descansaria abraçado por ela. Meu bom José descansou, pois de uma forma ou de outra, todos descansam.

Messias depois desse trágico acontecimento nunca mais descansou. O pároco da região cansado e assustado pediu para ser removido e o seu lugar foi ocupado por Frei Antônio que gostava de repetir as frases de Cristo e imitá-lo na sua preferência pelos despossuidos. Como as beatas de sacristia eram ligadas às esposas dos homens poderosos, defendiam com muita garra que essas histórias de rico não entrar no reino do céu e o milagre da multiplicação dos pães e peixes só tinham vigência na Galileia. Assim, como moravam em outro local e em outra época, resolveram invadir a sede da Igreja em nome de Deus e expulsaram o padre satanás. A Arquidiocese protestou junto ao Judiciário que prontamente negou o pedido liminar de reintegração e com toda a velocidade de um cágado, começou a instruir o processo. Frei Antônio que estava sem eira nem beira, resolveu que sua casa devia ser intinerante, um dia na casa de um, outro dia na casa de outro, fato esse que elevou o religioso para o patamar de Pastor de todas as almas pobres e viventes. O tiro tinha saído pela culatra, pois a maioria da população se reunia nas missas das catacumbas, enquanto apenas meia dúzia de pessoas iam à sede a Igreja ouvir as lamúrias odiosas das beatas carpideiras.

Messias ajudado por Frei Antônio tornou-se uma liderança incontestável do crescente sindicato rural que, cada dia que passava aumentava seu prestígio na região, tendo sua fama alcançado outras searas e rincões. Os poderosos sabiam que deviam fazer alguma coisa e fizeram. Trabalhadores eram espancados, algumas casas eram queimadas e duas importantes lideranças sindicais foram mortas na calada da noite. Messias vivia se escondendo como um camaleão de caatinga, mas o meu coração de mãe cada dia que passava ficava mais apertado. Não tinha laços sangüíneos com Messias; tínhamos afinidades dos corações e um sabia quando o outro estava deixando de bater.

Em um dia obscuro que a lembrança embaça, o coração do meu menino parou de bater. Juntei o que restava do seu corpo com a intenção de enterrá-lo na sombra do Jeuquitibá, junto com seu pai José. Entretanto, percebi que seu lugar era o Monte Grande, lugar onde deu o último suspiro. Messias não era nosso; era do mundo. Nunca disse a ninguém onde ele estava enterrado porque queria evitar que fosse canonizado pelos crentes desesperados e com isso aparecessem as romarias e o pior: falassem palavras que nunca disse e matassem outras pessoas em seu nome.

Hoje é natal e isso me faz lembrar o menino do estábulo que coloquei nos meus braços. José gostava do Natal e ficava com a cara de Papai Noel do agreste toda vez que dava um presente a Messias que lhe abraçava com entusiasmo. Meus queridos se foram e estou terminado a minha caminhada por esse mundo de Deus. Espero encontrá-los seja lá onde for. mesmo que seja para um breve aceno e um olhar infinito de amor. Já consegui perdoar os seus algozes, pois, no fundo, eram tão pequenos. Eles não sabiam o que faziam em decorrência de terem grandes egos inflados pelo egoísmo e pequena dimensão da comunhão divina. Nesse natal percebi com clareza uma coisa: sempre vai existir um menino da manjedoura que vai lutar pelos humildes e morrer por mãos ávidas pela posse, movidas por corações egoístas. Messias era irmão de coração do menino da manjedoura e ambos eram meninos do mundo.

Boa caminhada, meu filho

Feliz Natal

Ivan Bezerra de Sant Anna


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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Aladim




Aladim




Agora que você se foi, acho que posso alinhar algumas palavras que antes saltitavam devido às emoções que galopavam como cavalos selvagens em uma pradaria. Sei que você não me ouve e quando estava vivo, me escutava ao seu modo, saboreando a melodia, o rítmo e as entonações das palavras, .demonstrando o seu contentamento se lambendo, da mesma maneira que fazia quando lhe mostrava um osso. Acho que foi por isso que duas horas antes de você ir embora, preferi lhe presentear com uma música tocada ao violão, instrumento musical que adorava ouvir e quase sempre, deitava e fechava os olhos. Mas desta vez, você não fechou os olhos, mantendo-os abertos e fixados em mim. o que me provocou uma tristeza infinita.

Sabe por que fiquei triste naquele momento, Aladim? Porque sabia onde ia lhe levar e você nem desconfiava para onde estava indo, nem mesmo quando lhe coloquei naquela mesa que iria se tornar o seu último leito, você pressentiu. Mas era necessário, amigo. Essa doença implacável não tem cura e, infelizmente, está se alastrando como uma praga nos últimos oitos anos governados por políticos demagogos e populistas. Você se lembra daquele dia que estávamos passeando quando apareceu um bando de pessoas com camisas de um vermelho desbotado e que você começou a latir? Foram eles os seus algozes, os que não lhes permitiram ter uma velhice tranquila e exalar o seu último suspiro com o sentimento do dever cumprido. Mas a dor de ter lhe levado para os braços da morte vai estar comigo para sempre.

Acho que apesar de tudo, você teve uma boa vida. Lembra-se como você gostava de correr atrás das lagartixas, ou saltar verticalmente para pegar os cajus que ficavam nos galhos mais baixos? Tenho que me desculpar com você por uma coisa: nunca o levei para navegar no mar, apesar de recentemente fazer planos de levá-lo em um passeio de barco quando você melhorasse, mas, como você piorava a cada dia que passava, percebi que o mar que iria navegar era outro. Enfim, amigo, tudo é oceano.

As pessoas dizem que os cachorros são os melhores amigos do homem, porque são fiéis, dedicados e obedientes. Nunca concordei com isso. pois acho que o melhor amigo do homem deveria ser o próprio homem. Você sempre foi um cachorro diferente, cheio de vontades, desobediente quase sempre, rosnava quando estava insatisfeito e não foram poucas as vezes que me mostrou os dentes agressivos. No entanto, adorava me seguir para onde fosse e quase sempre presenteava-me com aquele olhar demorado e comprido de incontáveis quilômetros de ternura. Acho que foi por essas características que gostava tanto de você. Pensando melhor, amigo, acho que nem o melhor espelho do mundo refletiria melhor a minha imagem!

Estou muito triste, amigão, principalmente, quando vejo sua casa improvisada embaixo do microondas cheia de ossos que roía e guardava. Vou lhe confessar uma coisa: coloquei o seu nome Aladim pensando no gênio da garrafa, no entanto, nunca tive oportunidade de lhe fazer os três pedidos. Para que, não é? Você não iria me escutar e mesmo que isso acontecesse por obra mágica, da maneira que era voluntarioso, nunca teria a certeza que iria ser atendido. No entanto, Aladim, você me deu um dos maiores presentes do mundo, apesar de nunca ter tido plena consciência desse feito. Você me ensinou na prática a importância do Amor Findo, aquele que falava nos seus Sermões, o Pe. Antônio Vieira. Eu sei que não gostava muito dos religiosos e quase sempre rosnava quando pressentia a presença de alguns deles por perto. Se não me falta à memória, lembro-me daquele dia que estávamos passeando na praça da Catedral quando você ficou assustado com as gritarias histéricas oriundas de um palanque improvisado, o que lhe fez latir incessantemente. No entanto, recordo-me de uma senhora idosa que me cumprimentou com a frase "Jesus esteja convosco" e você se lambeu e balançou o rabo de contentamento.. Tive impressão naquele momento que o nome Jesus lhe soava bem, apesar de não suportar as gritarias daqueles que usam o nome dele em vão..

Sabe, Patuka, (gostava de lhe chamar assim, lembra-se?) você me permitiu com sua fragilidade doentia ter uma experiência plena de um Amor que não necessita de reconhecimentos ou de retornos. Porque dando se conquista e não recebe o amor, pois se o contrário fosse, seria apenas um negócio, não é verdade? Vou confessar-lhe uma coisa: todo o trabalho que me deu, como dar seus remédios na hora certa, ter que voltar para casa para não deixa-lo sozinho, não poder viajar, limpar as suas imensas e copiosas mijadas por todo o apartamento, no começo eram fardos muito pesados e sonhava com o dia que pudesse me afastar deles. Ao longo do tempo, descobri que me doar dava-me imenso prazer e nesse momento sinto uma grande falta desses encargos. O que não daria para estar limpando as suas cagadas e mijadas gloriosas...

Acho que isso é o Amor Findo, Patuskão. Tenho que ter eterna gratidão por ter me proporcionado essa experiência que vai me permitir vivenciar um amor diferente e muito mais abrangente em relação às pessoas e ao meu grande amor, minha filha princesinha. Sabe, houve épocas que deveria ter dado a minha filha muito mais que lhe proporcionei, mas o medo das águas oceânicas fez com que uma pequena ilha se parecesse com um continente. Por fim, quero desejar-lhe uma coisa: apesar de não acreditar nessas coisas de retorno ou reencarnações, mas se por ínfima possibilidade acontecer, desejo-lhe que volte como um lobo, não precisa ser o alfa, mas um simples lobo cercado por laços de solidariedade dos seus irmãos lobos e lobas. E se por um desses infindáveis mistérios da existência se deparar comigo, apenas me olhe nos olhos como sempre fez, levante a cabeça para o firmamento azul, me saúde com um uivo dos que são livres e se vá.

Que os deuses dos lobos lhe proteja!

Ivan Bezerra de Sant Anna


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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Por que o povo não acredita?

Por que o povo não acredita?




Não é à toa ou sem propósitos que a maioria da população brasileira não acredita no Poder Judiciário. Teme, mas não confia. Acho que não é por falta de esforços dos senhores juízes que se desdobram para ser juízes, professores, legisladores, supercientistas e filósofos, tudo isso em busca do sentimento de justiça. Quem sabe se não são essas imensas atribuições que solapam a credibilidade e legitimidade? Existem pessoas que afirmam - e não são poucas - que essas inúmeras atribuições dos senhores juízes são usurpadas dos outros Poderes da República, numa clara manifestação do viés autoritário do Poder Judiciário que confunde juiz com um rei filósofo. Para alguns cientistas sociais o Poder Judiciário é paternalista, populista e devido à ampla possibilidade dos juízes emitirem sentenças múltiplas sobre os mesmos fundamentos dos pedidos e sem respeitarem a reserva política do legislador, as possibilidades de corrupções são imensas, assim como, as relações de compadrio e o corporativismo.

Apesar de ter pouca simpatia por essa tese, creio não ser totalmente desprovida de razão. É assustadora a hipótese de que o Poder Judiciário é o órgão que mantém e reproduz a corrupção no Brasil!!! Segundo os defensores dessa terrível tese, o crime, principalmente os de colarinho branco, encontra terra fértil para germinar devido ao grande índice da relação custo/benefício. Quem já viu empresários, políticos poderosos, juízes, administradores públicos no xadrez, com uma condenação definitiva? Para proteger essa imensa, amorfa e difusa rede de corrupção todos os órgãos judiciais fazem as suas partes. O delegado de polícia não deve investigar, mas se o fizer, deve fazê-lo de forma descuidada e superficial. O sr. Promotor público ao receber o inquérito policial, deve tratá-lo com descuido, e se possível, requerer o arquivamento, de acordo com interpretações sobre princípios gerais e abstratos, pois o referido promotor é parte e ao mesmo tempo não é parte: é fiscal da lei! (Um distúrbio de identidade encravado na Constituição Cidadã esquizofrênica) E por fim, se houver denúncia do sr. promotor, o juiz deve deixar o tempo correr, (pois o tempo cura todas as feridas) para finalmente haver o arquivamento, ou, na pior das hipóteses, emitir uma sentença de absolvição por insuficiência de provas.

Será que isso acontece realmente? Acho que essa tese peca pelo exagero, no entanto, vemos constantemente administradores públicos com patrimônios imensos, alguns juízes morando em apartamentos de coberturas, secretários do Estado ostentando sinais exteriores de riqueza, comerciantes falidos que viram Prefeitos e ficam milionários, um porteiro de zoológico que em oito anos virou um dos maiores exportadores de carne, e esses são apenas poucos exemplos da grande constelação de fatos estranhos. Se o cidadão comum observa tudo isso, porque os integrantes dos órgãos judiciais e auxiliares não enxergam? Seria um dos dois tipos de cegueira na quais "a segunda de cegos que vêem uma coisa por outra; a terceira de cegos que vendo o demais, só a sua cegueira não vêem", nas sábias palavras do Pe. Antônio Vieira? .Uma coisa é certa: se os delegados, promotores e juízes estão acometidos pela síndrome da cegueira, a população enxerga muito bem; mais do que devia.

Há quem afirme que a cegueira é uma doença nacional que se alastra em proporções alarmantes. Como não contraí esse vírus ou bactéria, a minha visão mesmo amplificada por um óculos, enxerga muitas coisas. Vou citar apenas alguns exemplos das minhas excursões visuais, pois se citasse todas dariam para encher dez livros de mil páginas. Li com meus envelhecidos olhos que esse mês o sr. Salvatore Alberto Cacciola foi posto em liberdade condicional, apesar de ser condenado por 13 anos de prisão por gestão fraudulenta de uma instituição financeira, e de já ter fugido para o exterior quando teve um Habeas Corpus concedido pela justiça brasileira. Tantas tentativas para extraditar o sr. Cacciola e depois desse enorme trabalho, o malandro consegue ficar livre! É que nossos juízes entendem que a liberdade condicional deve ser dada automaticamente ao cumprir um terço da pena, principalmente se essas pessoas beneficiadas forem ricas e poderosas.

Algum tempo atrás, um juiz que tinha fama de matador, sentou-se no banco dos réus para responder a acusação de ter sido um dos mandantes do assassinato de um promotor de justiça. O juiz foi condenado ao cumprimento de vinte anos de prisão pelo Tribunal do Júri e recorreu da sentença em liberdade. Depois de mais de cinco anos o seu recurso foi julgado e a sentença foi anulada porque foi esquecida uma transcrição para os autos de uma das quesitações. Um simples caso de esquecimento por parte de um funcionário teve o poder de anular uma sentença dada por unanimidade pelo Conselho de Sentença! Até os dias atuais, o que se sabe é que o juiz acusado de pistolagem, sempre que pode vai ao Fórum visitar os colegas, sabedor que o seu novo julgamento jamais será remarcado.

Uma certa vez, um Procurador do Estado resolveu impetrar uma ação judicial contra uma decisão administrava que decidiu acatar um requerimento de um professor sobre acesso vertical, com base em uma lei estadual, reconhecidamente inconstitucional. Ora, o Supremo Tribunal Federal por reiteradas vezes declarou que a ascensão vertical é sumamente proibida, tanto pela Constituição anterior, como na atual. Como a norma questionada encontrava-se repetida na Constituição estadual, a competência deslocou-se para o Tribunal de Justiça. Pipocaram os protestos dos professores, muitos deles que tinham sido beneficiados pela lei inconstitucional, com passeatas, atos de repúdio ao Governador, aos Desembargadores, tudo com um só objetivo: manter em vigência a lei estadual. Na época houve uma fofoca que foi realizada uma reunião ampliada com a presença do Governador, de desembargadores, dos representantes sindicais e de deputados estaduais, todos empenhados na busca de uma solução conciliatória. Mas como conciliar, uma lei inconstitucional pode se tornar constitucional? Pasmem vocês, mas foi isso que decidiu o Tribunal de Justiça! Em uma sessão plena, com apenas um voto contra, o nosso Tribunal de Justiça declarou a constitucionalidade da lei estadual, mesmo contrária à ordem normativa da Constituição Federal. O Procurador responsável pela ação fez o que deveria fazer: impetrou recurso extraordinário para o STF, mas o Procurador Geral avocou o processo e desistiu do recurso constitucional. Será que houve acordão? Não se sabe ao certo, mas com essa artimanha uma lei conseguiu a proeza de ser inconstitucional e constitucional ao mesmo tempo. Um professor de Filosofia, beneficiado pela curiosa decisão, no entanto, sem perder a ironia, disse: "Em nosso Estado se conseguiu, através dos Desembargadores filósofos, uma verdadeira revolução no campo filosófico, resolvendo o intricado problema do Ser e Não-Ser. Sem exclusões ou sucessões, casou os dois."

A história mais recente se deu em um Foro Federal. Aliás, esses juízes federais sediados em Sergipe estão se especializando em emitirem sentenças em um novo tipo de Direito: o Direito que eles gostariam que fossem! Tempos atrás, um juiz federal atendendo a solicitação peticionária de um religioso, declarou com efeito mandamental que a administração realizasse a prova do peticionário em um dia que não fosse no sábado, pois a religião do referido peticionário proibia qualquer atividade nesse dia. Ora, o nosso juiz com uma canetada destruiu a instituição da cidadania (a igualdade entre todos) e criou um Estado religioso com os seus privilégios santificados.

. O problema é que os juízes observam demais o que não devia e de menos o que deveria. Os nossos juízes federais não observam, acometidos por cegueiras do segundo tipo de Vieira, que existem critérios de conveniência e oportunidade administrativa que devem ser respeitados, pois são atos de escolhas valorativas discricionárias, próprias de um Poder eleito. Apesar do cargo de magistrado ser de maior importância para a sociedade, um juiz é um funcionário público com funções relevantes e jamais um agente político, pois, para tanto, precisaria do voto popular. A população espera que o Judiciário cumpra o seu poder arbitral para equalizar os conflitos individuais e sociais, garantir que a Constituição e as leis sejam respeitadas, porém nunca que seja substituto do legislador ou administrador eleito.


Dessa mesma cegueira foi acometido o juiz federal que julgou o caso de uma juíza estadual que foi reprovada na segunda fase de provas para o mestrado oferecido pela UFS. Mesmo achando estranho que uma juíza que entrou recentemente no Judiciário fique se preocupando em fazer curso de mestrado que é importante para quem vai se dedicar ao ensino, no entanto, direito é direito, mesmo tendo a consciência que um juiz deveria se dedicar integralmente a magistratura. O fato, entretanto, é que apesar da sua notória vaidade, a senhora juíza foi reprovada segundo critérios estabelecidos pela administração acadêmica do curso e não caberia ao sr. juiz federal mudar os critérios por não achar o mais justo. São critérios de conveniência administrativa/educacional que jamais poderiam ser avaliados pelo Judiciário, a não ser que os mesmos colidam com a lei ou a Constituição, mas nunca com um princípio de justiça vago, impreciso e abstrato. Mas o sr. juiz no caso preferiu vestir a beca acadêmica e como um superprofessor, um cientista em educação, ele mudou os critérios. Uma troca de favores entre juízes ou estamos assistindo mais um capítulo da instauração de República Judicial? Uma coisa é certa: sua excelência federal viu demais!

Isso me lembra de uma frase que ouvi do Sr. Antônio do Mercado, quando perguntei se confiava no Judiciário. Ele com um ar gozador que lhe é peculiar, me disse: " Como posso confiar em pessoas que não seguem o que está escrito? Gosto do preto no branco. Se escrevemos um coisa, o juiz vê outra; se planejamos nossas vidas, nossos negócios segundo o que está escrito na lei, o juiz diz o princípio é mais importante. Sou um homem simples e sem grandes estudos, mas essa história de princípios se reduz a um só: o princípio da picaretagem". Depois dessas ou de outras tantas, como fica a legitimidade do Judiciário, a gloriosa Ciência e a tão aclamada Lógica do Direito? Quem sabe se encontrem em um campo de futebol, exemplificado por um caso acontecido em nosso Capital, relatado por um Desembargador aposentado, ex-professor de Direito e pessoa proeminente das letras jurídicas. Com sua maneira peculiar e talentosa de contar um caso, ele relata que uma certa vez se encontrava no principal campo de futebol da cidade para assistir um clássico entre os principais times do Estado, acompanhado por um amigo que tinha fama de ser uma pessoa irreverente e criativa, sem falar na sua paixão imensurável pelo seu time. Lá para as tantas, em meio a uma acirrada troca de porradas e chutes, o árbitro marcou uma penalidade máxima contra o time do irreverente torcedor. que protestou aos brados: "Juiz ladrão, filho da puta. Fuleiro!" O nosso relator, para aclamar o ânimo do amigo disse que mesmo não estando clara a penalidade, o árbitro deve ter interpretado segundo os princípios reitores do jogo. Inconformado, o torcedor, disse: "Que princípios? Princípio é como mulher-dama que deita com qualquer um. Esse sacana não é mais um juiz; é um desembargador!".

Ivan Bezerra de Sant Anna




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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Uma prece para Lula

Uma prece para Lula




Fiquei consternado com a notícia divulgada pelos órgãos informativos que está acometido dessa terrível doença que toma emprestado o nome do meu signo astral. Apesar de ser uma doença sumamente democrática, pois ataca impiedosamente ricos, pobres, bons e maus, ninguém merece padecer dela. Você como um democrata que sempre disse ser, entende o que estou escrevendo. Como já afirmei em outros artigos, por mais que me esforce, não consigo crer em entidades sobrenaturais em um outro mundo, que não seja o que vivo, em meio a outros seres humanos. Se tenho alguma crença, essa se baseia na fé inabalável nos filhos de Deus, e apesar das inúmeras imperfeições que carregam, possuem uma virtude que considero primordial: dar significado ao Mundo! As palavras de Santo Agostinho, em momentos mais humanos, fixaram uma bela e reveladora frase da destinação humana. "Deus criou o homem para que o mundo existisse", disse o filósofo.

Sei que é um homem de fé, católico fervoroso e isso talvez explique porque levou para casa o crucifixo que ornava a sala de reunião do Palácio do Planalto, um ato que muitos repudiaram, mas, plenamente justificável sob o aspecto religioso. Quem sabe se não foi uma premonição inconsciente de que seria acometido por essa doença e que o Cristo crucificado poderia lhe trazer esperança? Quem sou eu para julgar, se convivo com a dúvida todos os dias da minha vida? Se em alguns escritos afirmo alguma coisa, muitas vezes o faço para colocar em um papel o que algumas pessoas falam, outras vezes para dar voz as minhas personas, mas, como facilitador, apesar de apreciar umas versões em detrimento de outras, aceito-as, apenas, como verdades provisórias. Uma verdade muito simples: não existe verdade! Ela é sempre histórica, provisória e construída pelo homem para dar significado a si e ao Mundo.

Como já afirmei anteriormente, ninguém merece essa doença e fico muito triste quando leio certos articulistas que dizem receber cartas de milhares de leitores felizes com o seu padecimento, apontando causas como o seu hábito de beber uma cachaçinha, ou pedindo que seja solidário com a população e vá se curar pelo SUS. Mesmo você constantemente ter afirmado que fez tudo pelo social e a saúde, espero que não tenha de fazer uso sistema de saúde pública. Ninguém merece! Essa doença é terrível, Lula. Ela silencia as vozes vivas que deviam ser eternas e ao mesmo tempo permite a entrada no portal da fama de homens violentos, obscuros, mentirosos, que mesmo respirando o alento da vida, já estavam mortos. Ela não poupou Darci Ribeiro, Steve Jobs, Freud, Vianinha, George Harrison, Taiguara, o nosso Isnar Barreto, pessoas que viviam para criar, proteger, semear o conhecimento e a beleza. No entanto, ela deu sobrevida com glamour a um truculento coronel alagoano que se distraia matando trabalhadores rurais e que depois virou um menestrel com direito a uma música criada por um compositor ingênuo. Recentemente, transformou um empresário e político (o seu companheiro na Presidência) que na época da ditadura militar era denunciado como uns dos empresários que financiavam a tortura, em um homem maravilhoso que lutou heroicamente contra seu destino.

É que o câncer, Lula, mata, alivia e comove. Alivia alguns e comove outros. No caso de Hugo Chavez, alivia as velhas elites que sempre exploraram a Venezuela e veste de luto a imensa população de pobres e despossuídos. No seu caso, a quem o câncer vai aliviar ou comover? Será que essa terrível notícia da sua doença, difundida pela mídia, vai comover as pessoas ao ponto de leva-las ao esquecimento quanto às denúncias de corrupção efetuadas por companheiros seus? Se conseguir, já será um alívio, pois você nunca soube de nada, não é? Acredito na sua boa fé, porque, no fundo, sempre o achei ingênuo. Se o julgasse um articulista habilidoso com grande inteligência estratégica seria levado à conclusão que enganou a quase toda a população brasileira, inclusive aos seus companheiros trabalhadores. Só a ingenuidade pode explicar porque você apesar de ter dito constantemente que defende os trabalhadores, não deu um basta nas crescentes despedidas trabalhistas sem motivação - promessa que quando candidato fez aos trabalhadores - e em vez disso, começou a usar o termo neoliberal denominado "empregabilidade". Milhares de pessoas são colocados na rua pelos empregadores, porque até o presente momento o governo não propôs um projeto de lei para regulamentar o Inciso I do art. 7 da Constituição Federal, e o Judiciário só concretiza direitos em normas constitucionais de eficácia limitada, só se for contra o Estado. Quem vai se comover, patrões ou empregados? Para sua sorte, Lula, ambos, pois estamos no Brasil e qualquer esmola já é grande coisa.

Você não merece esse câncer, nem mesmo na sua versão mais benigna e comovente. Vou acreditar nos seus bons propósitos e na sua total cegueira, ao ponto de não ver o seu filho que oito anos atrás era um porteiro do Zoológico em São Paulo, se transformar em um proprietário de oitos grandes fazendas de gado e sócio minoritário da companhia telefônica OI. Como jamais vou acreditar que seu filhinho - como dizem por aí - é apenas proprietário de fachada, pois o verdadeiro dono é você. Sempre achei que haviam mais problemas de saúde do que aquele das cordas vocais que faziam as palavras ficarem trôpegas e embaralhadas. Você tem um problema de cegueira parcial que o impede de ver algumas coisas, certos detalhes. Para esse problema, mesmo não sendo um especialista no assunto, lhe aconselho um psicólogo especializado em fruição de águas, ou se não gostar de um "doutor de cabeça", escolha um médico especializado em trânsitos intermitentes e variáveis.

Desculpe-me pela brincadeira, Lula. É que estou emocionalmente perturbado pela notícia e tento de alguma maneira me sentir relaxado. Penso que o câncer que se instalou em sua laringe não é tão maligno e logo estará falando as suas pérolas filosóficas, mesmo sem aquele entonação "fuêm" que seus eleitores já estavam acostumados. Quer um conselho? Deixe de querer ser vítima, de comover as pessoas e vá colocar um óculos de grau mais potente. Gosto de você, da sua postura de ''pai do povo", mas me preocupa muito a sua cegueira. Como é que não viu a festa do mensalão comandada por José Dirceu? Como não enxergou o que Polocci, Orlando Silva e outros seus ministros estavam fazendo com o dinheiro público? E o pior: com sua ingenuidade você ainda ousou defende-los pela mídia. Como não percebeu que o BNDS estava distribuindo o dinheiro público para as grandes empresas, inclusive financiando a fundo perdido um estádio de futebol para o seu time de coração? Só uma cegueira em alto grau explica não ter visto que o dinheiro público destinado à educação pública está sendo desviado para o setor privado da educação através do PROUNI, enquanto as Universidades Federais estão sucateadas e dessa maneira, não podem oferecer um ensino digno, inclusive para os seus quotistas.

Lamento dizer isso, mas o seu maior problema de saúde não está localizado na laringe, ou em outro órgão físico. Acho que sofre de uma estranha histeria causada por traumas no passado quando era um garoto muito pobre, um ódio de classe que nunca foi superado por uma autêntica consciência de classe social, por isso mesmo, nos dias atuais, você sinta tanto orgulho do Lulinha, o grande proprietário de terras. Esse possível trauma talvez explique suas cegueiras constantes, seus lapsos de memória, suas explosões emocionais e sua extrema dificuldade em articular e pronunciar as palavras. Como você esqueceu dessa belíssima frase de Fagner que diz: "...e sem o seu trabalho/ o homem não tem honra/ e sem a sua honra/ se morre, se mata"? Felizmente, o nosso pacato brasileiro não mata; se contenta em receber uma bolsa "disso e daquilo", sem trabalho e sem honra. Afinal, a honra existe para quem dignifica o trabalho e não para quem quer viver de renda, mesmo que insignificante. Mas esse não é o grande sonho de quase todos os seus eleitores?

Lula, o seu maior lapso de memória mais atroz foi ter esquecido a sua contribuição para a politização da sociedade. Mesmo em momentos mais difíceis, a sua voz se fazia ouvir, assim como de outros líderes políticos, propiciando uma dialética pedagógica contra a alienação e o analfabetismo político. Nunca em nenhum momento da história desse País, inclusive nos anos de chumbo, se observou um marasmo, uma desmobilização política, como a que está havendo atualmente. Os sindicatos estão silenciados politicamente; as Ongs corrompidas por dotações financeiras estatais; os DCEs e a UNE só falam em ecologia, mesmo assim em algumas áreas permitidas; os intelectuais que formavam consciências tempo atrás, hoje, quando não são calados através de cargos ou financiamentos para os seus projetos, usam o silêncio para esconder suas vergonhas, suas desilusões e para não ter que pedir desculpas a quem acreditou neles. Os órgãos financiadores de produções culturais que outrora propiciaram o renascimento do cinema brasileiro, em dias atuais só financiam comédias sobre o cotidiano, mesmo assim sem quaisquer resíduos de indagações políticas. Claro que para agradar a grupos de vanguardas "intelectuais" que aderem a essa nova proposta de organização de sociedade, a eles são concedidas algumas liberdades políticas, mesmo porque seus públicos não passam de meia dúzia de pessoas "entendidas". Falta de memória ou cegueira, Lula?

Você vai se curar do câncer, Lula, e disso eu tenho certeza. Mas da sua falta de memória e sua cegueira, acho muito difícil a cura. No entanto, se isso acontecer, da sua ingenuidade não vai se curar jamais. É necessário ser muito ingênuo para não perceber que os elogios constantemente oferecidos por empresários, líderes políticos e jornalistas de países de economias centrais são, no mínimo, muitos suspeitos, principalmente quando são oriundos da terra do Tio Sam. Algo cheira a podre, mas parece que você também perdeu o olfato. Engraçado é que líderes de países que ousam desafiar a poderosa águia americana, quando não são destruídos, são difamados com uma variada coleção de adjetivos desqualificadores. Existe quem diga que eles lhe elogiam porque você é muito bonzinho e atendeu a todos os seus pedidos. Pode até ser verdade, mas se você fez isso foi por pura ingenuidade, típica daqueles que acreditam que uma raposa livre pode conviver harmoniosamente dentro de um galinheiro livre. Acho que é por essa razão que você anda desfilando de mãos dadas com empresários de duas maiores construtoras do País, dando palestras e fazendo pedidos para vários chefes de governos contratarem os serviços dessas poderosas empresas de construção civil.

Você vai se curar do câncer, mas por via das dúvidas, faça uma promessa solene aos pés daquele crucifixo usucapido do Planalto. Prometa ao Cristo (sem cruzar os dedos) que se você se curar dessa maldita doença vai abandonar definitivamente a política, aproveitando o seu tempo para viajar com sua amada Marisa e de vez em quando para matar a saudade do campo, passe uns tempos nas imensas propriedades do Lulinha, onde pastam os bois servis. Mas tenha muito cuidado com as pessoas que moram nessas regiões. Elas podem lhe influenciar e como você sofre de ingenuidade crônica e momentaneamente pode perder a memória, corre o risco de pensar que é um antigo coronel e sair grilando terras.

Saúde para você, Lula

Ivan Bezerra de Sant' Anna


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Maçã

A Maçã




Elas são vermelhas, algumas verdes, mas nunca, pretas. Elas jamais vestem o preto da dor, o luto de cor ausente, a negritude da noite alta. Jamais deixariam de ser a cor da vida, mesmo morrendo ilustres protegidos como John Lenon, George Harrison e, presentemente, Steve Jobs. Eram maçãs diferentes; uma verde, com gosto e cheiro de música; outra de vermelha cor, mordida timidamente em um dos lados, evocando o prazer da primeira mordida. Virgens ou levemente tocadas; vermelhas ou verdes; nomes soados por línguas diferentes, pouco importam: elas representam o desafio permanente do ser humano em busca da beleza, dos diálogos das cores, das notas harmonizadas, das transgressões criativas, dos concertos das palavras.

De certa forma, a maçã levemente mordida e Steve Jobs se confundiam, não se sabendo precisamente onde começava um ou terminava a outra. Uma marca, um talento que , queiram ou não os seus detratores, pontuaram pela singularidade e inovação, e não foram poucos que tentaram imita-los. Podia-se dizer, com alguma razão, que Jobs e a maçã eram cultuadores do "sonho americano", do individualismo possessivo, da monopolização tecnológica. Mas havia limites! Àqueles que os críticos denominavam de "falhas", ausências, e tendência à monopolização, também poderiam ser interpretados como limitações autoimpostas em busca da originalidade criativa, assim como um poeta enfrentando as regras limitadoras, procura a palavra certa, o ritmo adequado e a musicalidade conformadora. Steve Jobs tocava um piano limitado por oitenta e oito notas, no entanto, sua música ressoava em notas infinitas, para o desgosto dos inovadores apressados e com talentos duvidosos. Apesar do seu intenso ritmo criativo, em certos momentos era pacientemente devagar quando burilava a imagem virtual dos vários macs, como um artesão iraniano pintando uma bela iluminária com um pincel de pelo de gato persa, em um pergaminho de couro de ovelha. Talvez por isso os neerds, os fabricadores de vírus, não lhe incomodassem tanto, apesar de seus sonhos grandiloqüentes e outros tantos pecados.

Em vida, poderia se defender das inúmeras acusações dos seus detratores, usando a bela frase poética de Hopkins: "O que eu faço sou eu; foi por isso que vim". No entanto, sua resposta era a imagem qualitativa oriunda das suas criações tecnológicas, como se instintivamente acreditasse que o conceito, mesmo socorrido pelas metáforas, precisa da imagem para se fazer entender. Se por isso ele veio, por razão nenhuma se foi, mansamente, em paz. A doença, as dores, foram as pedras no caminho; e pedras são apenas pedras...

Fico imaginando Steve Jobs ante o limite maior, encarando a enigmática finitude. Me compraz imaginar que ele nesse momento via o mar, as ondas nascendo, crescendo e formando arrebentação espumosa. Ondas que colidem derrubando esculturas na areia dos falsos iconoclastas, mas que constroem belas esculturas nas rochas, fendas por onde assobia o vento, produzindo um som de uma flauta magica que, entre um som e outro, quer apenas dizer: "Calma, homem. Elas vão e voltam. Afinal, tudo é oceano".

Não sou um homem religioso, portanto, não lhe vejo adentrando o Portal do Paraíso eterno, mesmo porque esse lugar de tranqüilidade e rezas não se adequaria ao seu gênio irrequieto e criativo. Prefiro imagina-lo caminhando como um devoto da criação, um peregrino da imagem, um cultuador da beleza. E quem sabe se um sorriso de uma criança que brinca com um iPad não seja mais divino, umas das metáforas de Deus, do que mil rezas hipócritas e temerosas?

Essa é a minha prece, a minha homenagem a você.

Ivan Bezerra de Sant Anna




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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Quinze anos

Quinze anos



Existem momentos em nossa vida que gostaríamos de retornar aos quinzes anos,
momentos verdosos da nossa existência, uma espécie de volta mágica que permitisse a oportunidade de exercer novas escolhas e surfar ondas salinizadas pelos desafios. Nessa idade tudo é possível, afinal, como disse certa vez Machado de Assis, "aos quinze anos, somos imortais", e quem não possui alguma coisa de Dom Casmurro dentro de si? Umas pessoas gostariam de voltar simplesmente à irresponsabilidade juvenil para resgatar uma parcela de tempo que consideraram perdida; algumas, entretanto, afastando qualquer vestígio de saudosismo, fariam qualquer pacto faustiano com o Demo que lhes permitissem em tempos atuais, um rostinho reluzente de um bebê e abaixo do umbigo, uma espada de aço Krupp, sempre afiada. Outras, porém, suspiram longamente baforadas de ar quente que formam uma ponte imaginária com os "quinze pretéritos imperfeitos anos".

Ah, meus quinze anos! Tempo das ruas descalças, das peladas na Praça da Bandeira, das meninas muito vestidas que desapareciam aos primeiros sinais do crepúsculo, reaparecendo outras tantas com menos vestidos e bolsinhas hesitantes; das intermináveis punhetas impulsionadas pela memória fotográfica de algum tornozelo desnudo; das trocas de revistas nas portas dos cinemas onde tudo se fazia, até assistir filmes; das festas natalinas e as respeitosas paqueras tímidas às meninas bem vestidas, onde pontificava o amigo Zé Rollete com seu charmoso pimpão, suas calças de toureiro que terminavam onde começavam suas botas Calhambeques, suas "cantadas" maravilhosas que sempre findavam com uma exclamação: "é uma brasa, mora?".

Ah, meus quinze anos onde nem tudo era flores ou tinha o sabor de manga surrupiada de um quintal alheio, sob a injunção de uma ação de usucapião temporário! Era também o tempo das baionetas caladas que faziam calar e desaparecer pessoas, enquanto o Benito de Paula, maltratando o piano, cantava: "tudo está em seu lugar, graças a Deus, graças a Deus". Era o tempo em que os pobres sabiam o seu lugar, preto só tinha realce em piada branca e sexo para as mulheres distintas só para procriar. Não havia muita violência, embora fosse comum e natural os espancamentos caseiros, o uso das palmatórias escolares, trabalhadores rurais e desafetos políticos sentenciados à pena de morte por "coronéis menestréis" proeminentes e os exercícios militares de tiro ao alvo em comunistas nas ruas das grandes cidades. Como essas coisas podem ser consideradas violentas se eram naturais? Natureza é natureza! Era natural e importante o uso do verbo "apanhar". Todos apanhavam: mulher, filhos, alunos, trabalhadores e políticos ousados. Simples e natural, não?

Amei os meus quinze anos porque foram meus, mas não os quero de volta! Talvez por não ser muito "natureba" e ter uma firme crença na historicidade humana e não na sua natureza. Poderia até me sentir tentado se nos meus quinze anos pudesse ter tablets, tv 3D, uma medicina avançada, vacinas contra a papeira, catapora, internet, mulheres sintonizadas com o mundo, com roupas minimalistas e sexualmente destravadas. E quando o ponteiro desassossegado do meu tesão indicasse o norte dos desejos, mais encontro de peles com mulheres possíveis, menos toques na vara mágica.

Ah, meus quinze anos, lamento dizer, mas o seu lugar é em um cantinho bem aconchegante, no pretérito-mais-que-perfeito, pois você não mais existe, mas é parte integrante do que sou hoje. Mesmo que chegasse glamoroso em dias atuais me prometendo novas chances e oportunidades lhe responderia com um sonoro "Não!". Nunca tive vocação para ser Peter Pan (não confundir com aquele que andava em um triciclo e era amigo de Orlando Padeiro), gosto do crocodilo Tic-Tac e quando vou à Terra do Nunca, sempre volto renovado. Nunca abdicarei da linha do tempo e saber da minha finitude é dar significado a cada momento da minha existência. Você cheira a incenso que queima na pira dos deuses do Olimpo e a ilusão da imortalidade me faria esquecer que devo viver cada segundo, minutos, horas, dias, anos, desse fantástico e milagroso desafio que é a vida.

Ah, quinze anos, você deslocado no tempo é a própria encarnação do Demo! E o que é a "coisa ruim" se não a vontade férrea, a ausência de limites, um individualismo presunçoso e desagregador? Como sou uma multiplicidade de pessoas com inúmeras vontades parciais, declino do seu imaginário convite. Como passar uma borracha sobre as linhas oscilantes da minha vida? Como esquecer as minhas alegrias, os meus sofrimentos, os meus sonhos, as minhas realizações? Aos quinze anos tanto no passado, quanto no momento atual, não teria a cumplicidade companheira da minha guitarra que me acompanhou na linha do tempo, ofertando-me rocks fraseados, um divino Bach e os chorinhos de Vila Lobos. E os meus livros que me mostraram que a Dúvida e a Verdade precisam sempre se manterem vivas? Onde estariam as mulheres que amei? Como poderia esquecer da garotinha ruiva que coloquei nos braços logo após o seu primeiro suspiro de vida, testemunho vivo que o amor resiste a linha do tempo, e que o seu sorriso, suas palavras são poemas que nenhum poeta jamais escreveu? Como poderia saber que um matrimônio pode ir embora, deixando-me de presente uma grande amizade solidária por uma mulher que gerou, agasalhou e protegeu a minha princesinha? Enfim, como poderia ter certeza que a vida leva e trás coisas belas?

É por essas e outras que cheguei a conclusão que adoro a idade que tenho. Ou melhor: acho que não tenho idade, mas sigo a linha do tempo. E meu tempo é "Quando", o tempo das marés que vão e voltam todos os dias. Aprendi que meu tesão deve transitar acima e abaixo da linha do umbigo, uma boa briga entre cabeças teimosas. A teimosia das ondas oceânicas. Acho que o Neruda tinha razão quando poetizou as ondas salinas: "Morro em cada onda cada dia/ Morro cada dia em cada onda./ Mas o dia não morre/ Nunca/ Não morre./ Obrigado."

Gracias a la vida.

Ivan Bezerra de Sant' Anna



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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aracaju em trânsito

Aracaju em trânsito






As mudanças em nosso trânsito são constantes, inovadoras, impacientes e muito criativas. De fato, o SMTT de Aracaju é o órgão disciplinador mais criativo do mundo! Em nome da verdade e da justiça não poderíamos deixar de reconhecer essa característica que o diferencia dos demais órgãos gestores existentes no Brasil, e quem sabe, no mundo. Com tantas inovações, impossível não haver uma remessa necessária a uma indagação: como vai indo a saúde do nosso trânsito? Deveria estar muito boa, pois não faltaram especialistas para tratá-la com muito carinho e zelo. Tivemos durante muito tempo um psicólogo especializado em saúde mental na direção desse importante órgão e em tempos recentes, um médico com especialidade em saúde publica, o Dr. Samarone.

Coincidência ou não, os dois homens da saúde são professores da UFS, nunca (ou quase nunca) passaram por perto de uma clínica e sempre apreciaram o termo Saúde como uma palavra metafórica, longa e extensiva, como a saudosa rodovia Transamazônica. Isso é uma critica? Não, longe disso! No caso do Dr. Samarone, nunca é pouco afirmar que é uma pessoa premiada pela inteligência, sagacidade e um argumentador felino e feroz. Satírico, mestre da ironia, o reverenciado filho da cidade de Itabaiana sempre foi implacável com seus adversários e desconhece-se quem saiu ileso de uma disputa com o Protágora serrano. O escrevente jura com a mão na Bíblia que foi testemunha visual e auditiva do desempenho impactante do camarada Samarone, quando o mesmo era integrante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão.

No entanto, mesmo com altas e criativas doses dos remédios administrados pelo Dr. Samarone, focos de infecções aparecem em algumas artérias importantes de nossa cidade, levando-nos à preocupação quanto a uma possível generalização infeciosa. As causas são inúmeras, no entanto, algumas são de maior importância, dentre elas, o traçado urbanístico e arterial da cidade, a proliferação de leucócitos automotores, o péssimo transporte público, o fraco desempenho da Policia de Trânsito, a falta de profissionalização dos analistas de trânsito e a quase ausência de normas disciplinadoras que desmotivem comportamentos individualistas e predatórios.

Quanto ao traçado urbanístico e arterial da cidade, muito pouco o Dr. Samarone pode fazer. A cidade " quadradinha" foi projetada para o trafego das carruagens dos poucos "bem sucedidos" e das carroças dos "bem fudidos", e para dar alguma curvatura nos quadrados na atualidade, somente um esforço concentrado de toda administração municipal com construções de novas artérias e viadutos. Mas pelo andar das carroças "companheiras", muito pouco se pode esperar.

Já a proliferação dos leucócitos automotores (a paixão dos brasileiros), a questão é grave e complexa. Se os brasileiros em geral adoram esse "bichinhos" que são também objetos de fetiche e de status, associados com o individualismo competitivo, imaginem a situação, quando um Presidente populista alarga irresponsavelmente o crédito financeiro para os compradores. Nos países desenvolvidos, os governos estão restringindo o crédito na tentativa de conter o crescimento exagerado dos automotores, mas no Brasil dos bolsistas, o importante é o sorriso de alegria estampado nos rostos dos potenciais eleitores, e com mais vivacidade alargada, nos rostos gentis dos donos das financeiras e montadoras de "bichinhos". Mas, o que o Dr. Samarone pode fazer? Criticar o "pai do povo"? Se o fizesse seria um ato inútil e perigoso para sua carreira política. Em verdade, o meu antigo colega do Partidão vem tentando desobstruir algumas artérias com medidas eficazes, como é o caso da proibição de estacionamento duplo, no entanto, encontrando pela frente fortes protestos dos usuários egocêntricos que se pudessem se casariam e dormiriam com seus amadas "criaturas". O que já fez é muito, levando-se em conta às imensas barreiras que encontra pela frente; entretanto é muito pouco para o combate eficaz do problema. É necessário desobstruir as artérias, mesmo que o remédio seja amargo, dolorido e arriscado. Acabar com estacionamentos nas ruas das artérias de grande fluxo é um deles.

Nenhuma regra ou fiscalização vai dar resultado se o transporte urbano não for uma real alternativa para a população. Enquanto não acabar a férrea predominância do Sindicato dos Transportes Urbanos sobre os interesses da coletividade, não teremos um transporte publico que seja alternativa para os automóveis. Esses senhores proprietários das empresas de transportes financiam as campanhas políticas de alguns vereadores (custo acreditar nessa maledicência popular) e em decorrência dessa contribuição, fazem o que querem, inclusive não cumprindo os contratos administrativos. Querem uma prova? É só contar o número de ônibus em operação diária (velhos e caindo aos pedaços) e verificar no contrato quantos teriam de operar. E a SMTT? Tanto os fiscais, como o Dr. Samarone nada sabem, e se sabem, nada dizem. Afinal, quem exerce o verdadeiro comando? O sr. Adrielson, o sr. Laurinho ou o Dr. Samarone? Claro que é o velho companheiro de lutas, o Dr. Samarone! Pelo menos é nisso que tento acreditar com todas as minhas forças para honrar o passado que vivenciamos juntos. No entanto, sempre me indago: por que o velho companheiro nunca propôs a criação de uma empresa municipal de transporte urbano, para competir e servir de cunha estratégica, elevando a qualidade dos Serviços de Transportes para a população? Em vez da SMTT utilizar o fundo financeiro para renovação da frota dando dinheiro para as empresas, o o BANESE financiar compra de ônibus a "fundo perdidíssimo", deveria canalizar esses recursos financeiros para a criação da Empresa Municipal de Transporte Urbano. Fico a me perguntar: onde estão os verdadeiros neo-liberais?

Os engarrafamentos no trânsito estão crescendo constantemente, afirmação facilmente comprovada, sem maiores esforços. Será que o crescimento exponencial da frota de veículos é o causador desse fenômeno? O que dizem os técnicos e analistas do SMTT? Qual o remédio imediato para essa crescente infecção que ameaça se alastrar, Dr. Samarone? Vou reformular a pergunta. Existem profissionais competentes e sérios que possam estudar e projetar melhorias no trânsito, ou existem meia dúzia de engenheiros civis que se "escondem" em busca de "sombra e água fresca"? Se existe um corpo técnico especializado, como se explica o milagre da proliferação de semáforos (aqui e ali) aumentando os pontos de estrangulamento? Semáforos onde não deviam existir são contraproducentes, como é o caso da "nova e criativa" saída do Shopping Riomar, sem falar nos implantados nas Rótulas, que tantas confusões causam. Existem alguns que fogem de qualquer raciocínio técnico e somente encontrando explicações para suas existências, no campo dos interesses bem pessoais dos ricos, poderosos e amigos. Que tal suavizar a "quadratura" da cidade, dando maior fluência ao trânsito da Av. Beira Mar, Av. Contorno e outras que circulam a cidade, em vez de encher as referidas artérias de semáforos de três tempos, visando tão somente atender interesses de construtores, shoppings, supermercados e escolas? Comodidades para alguns, sofrimento para a maioria.
Essa semana, entrevistado por um Radio da nossa capital, o Dr. Samarone com frases irônicas que lhe é peculiar, declarou que os pedestres não poderiam estar reclamando, pois a culpa das péssimas calçadas era dos proprietários das residências que construíam de forma irregular e não iria construir passarelas porque os velhinhos, os deficientes e as gestantes não poderiam usar. Confesso que estou desconhecendo o velho Samarone! Que falta de coragem! Deveria ter dito, até para honrar o seu bravo passado, que a culpa é da EMURB e da Secretaria de Obras que não fiscalizam as construções das calçadas, em vez de forma oblíqua transferir a culpa para os pedestres. Que coisa! Nunca pensei que iria viver para ouvir o Dr. Samarone falar uma asneira como essa! Imitar o Lula tem limites e não fica bem em um homem com uma inteligência privilegiada. Segundo o Dr. Samarone, Aracaju é a única cidade no Brasil e no mundo que não pode ter passarelas, pois a maioria da população é formada de velhos, grávidas e deficientes! É possível que o número de mulheres grávidas tenha aumentado devido ao implemento da bolsa família, no entanto, convém não exagerar. Quanto aos deficientes, o Dr. Samarone com sua ironia de caminhoneiro foi longe demais. Claro que para um bom entendedor, o Doutor não estava somente se referindo aos deficientes físicos, mas a um novo tipo de deficiente: a maioria da população aracajuana que se cansou da incompetência petista, "pcdobista" e de seus aliados, como por exemplo, do PDT do Dr. Samarone.




Se conheço bem o Dr. Samarone, possivelmente vai assumir uma postura galhofeira, e com sua farta inteligência vai tentar desconhecer ou ridicularizar esse escrito. Em resumo: vai tentar dizer com palavras virulentas, colocadas com talento, que estou falando besteira, pois nada entendo do assunto. Mas, ao que parece, nascemos para ser companheiros em decorrência da nossa militância no Partidão glorioso. Companheiros, sempre companheiros. Como especialistas em Trânsito, empatamos em 0x0. Em nossa mania delirante, ele faz besteiras e eu falo outras tantas.


Ivan Bezerra de Sant Anna - advogado dos anônimos usuários do Transporte Púbico. (ONG virtual que não usa dinheiro público)



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domingo, 7 de agosto de 2011

Casamento ou divórcio?

Casamento ou divórcio?





Os nossos ministros do Supremo Tribunal Federal estão virando estrelas que se rivalizam com outros astros do mundo futebolístico. A mídia está aí para ajudar e já existe o programa televisivo que transmite o "show Judice" ao vivo e a cores para todo território nacional. Poderia ser novelas ou seriados, mas os rostos nada joviais dos nossos ministros não ajudam muito, apesar do bom desempenho dramático de alguns deles. Um jogo de futebol é o show que mais se assemelha com o que é diariamente apresentado por nossos ministros, precisando acrescentar alguns importantes detalhes, como por exemplo, um narrador do tipo Galvão Bueno para distribuir graciosos apelidos às estrelas, distinguindo-as por seus talentos individuais. Resta saber quem vai ser "o fenômeno", "o imperador", "o fabuloso", etc.

Como o Brasil só é Brasil calçando as chuteiras e como a seleção anda mal das pernas, os nossos ministros para preservar a República brasileira resolveram assumir a importante operação de salvamento nacional intitulada "A Pátria de chuteiras". Há quem afirme que estou errado, pois os nossos ministros mais se assemelham aos os políticos que aos jogadores de futebol. Mesmo possivelmente em minoria, continuo achando maior semelhança dos ministros com jogadores de futebol pela simples razão que os políticos são representantes eleitos dos cidadãos, usando a mídia para prestar contas aos eleitores. E os nossos ministros com que finalidade usam a mídia televisiva? Para prestar contas é impossível, pois os cidadãos não podem retirá-los dos cargos. Em busca de legitimidade? Bom, nesse caso torna-se necessário repensar a questão, pois o Judiciário ostentou o ultimo lugar na última pesquisa divulgada pelos órgãos de pesquisas de opinião pública.

Por falar em pesquisa de opinião, o Ibope acaba de publicar uma, muito interessante. Segundo essa empresa de pesquisa de opinião pública, a maioria dos brasileiros e brasileiras desaprovam a união de casais do mesmo sexo, aprovada pelo STF. Que fazer se os doutos ministros são vitalícios e não são eleitos? Parece que os mirabolantes dribles, as jogadas de efeitos interpretativos não foram bem recebidas pela população brasileira. Não será um bom momento para os nossos Gansos, Patos da arte Jurídica descalçarem suas chuteiras para assumirem uma postura humilde e sacerdotal, como fazem os juízes dos tribunais constitucionais do continente europeu, defendendo a Constituição em vez de patrocinarem um de festival deformação e mutilação constitucional?

Eles se defendem declarando que apenas utilizam os princípios constitucionais que albergam direitos das minorias esquecidas. Os senhores ministros confundem alho com bugalho! O espaço representativos das minorias ou qualquer segmento social é o Parlamento eleito e não um órgão técnico composto por membros vitalícios. O cidadão não precisa de um órgão composto de "sábios juízes platônicos" para conquistar e assegurar seus direitos. Essa conquista se dá com organização, tenacidade e muita luta, tanto no seio da sociedade civil, através de entidades civis, como na sociedade política, implementada pelos representantes eleitos. Em uma Democracia os direitos são conquistados e não ofertados por uma elite burocrática, que, exercitando o livre arbítrio, também pode negá-los. Em uma cesta de palavras genéricas ou de búzios, tudo pode ser visto. Os cartomantes possuem as cartas ou búzios; os senhores ministros, os princípios programáticos.

Devo deixar bem claro que não sou contra o casamento entre as pessoas do mesmo sexo. Acho que a sexualidade, a união entre as pessoas é uma questão de escolha e na medida do possível deve ser garantida a fruição desse direito pelo ordenamento jurídico, sem, é claro, lesar e violar a Constituição Federal.

Nesse triste episódio, uma insofismável constatação: os nossos sapientes ministros do STF foram longe demais! Eles derrogaram (ou ampliaram) o Art. 226 da Constituição Federal através de uma mirabolante interpretação de princípios constitucionais abstratos, vagos e imprecisos. Princípios derrogarem uma norma constitucional clara e determinada? Acho que nem o Otto Bachof, em seus escritos revolucionários, aconselha. No entanto, os nossos craques do Direito acham que podem. Pasmem! Veja o que eles fizeram! O Art. 226, § 3, originalmente diz:

"Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Vejam a criação legislativa dos senhores ministros:

"Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher; homem com homem; mulher com mulher; como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Agora, pergunto: isso é interpretar ou legislar? Se derrogar ou censurar uma lei tendo como base princípios vagos, é um atentado ao principio da legalidade, à separação dos poderes, o que dizer da subrogação dos senhores ministros em deputados constituintes? A palavra usurpação não traduz bem esse ato indigno contra o Estado Democrático de Direito. Talvez seja o caso de usar uma frase carnavalesca, risível e subversiva: os ministros calçaram as chuteiras!

Mesmo se não existisse o claro e cristalino artigo 226, a questão deveria ser resolvida pelos representantes eleitos, pois a eles foi dada a missão constituicional de criar direitos através de uma ampla prognose, embasados no principio democrático da maioria. Aliás, toda vez que esse grande princípio reitor da democracia foi subvertido, a invenção, a farsa transformaram-se em tragédia. Nunca é demais lembrar da "democracia" corporativista fascista.

É lamentável que colegas juristas tenham aplaudido essa usurpação dos poderes eleitos efetuado pelos ministros do STF. A questão não reside na justiça ou não da decisão colegiada, mas se eles tinham poderes constitucionais para fazê-lo. Sem essa reflexão crítica, possivelmente, de passo em passo, esses senhores de toga estarão administrando a Nação e, como advertiu Rui Barbosa, "a pior ditadura é a do judiciário". Se é que chegarão a tanto! É bem possível, como já se registrou na história, que no meio do caminho as elites dominantes, antevendo ou verificando uma crise de governabilidade, resolvam substituir esse colegiado delirante e vaidoso por algo mais determinado e eficiente. Assim, podemos repetir uma frase bem conhecida na Alemanha nazista: "Da ineficiência dos políticos corruptos e da confusa concepção de legalidade dos juízes, germinou a espada do Führer"

Por enquanto, no país do carnaval e do futebol, os nossos ministros "batem as suas bolinhas", ensaiando umas "embaixadas", umas jogadas de efeito, sob as luzes intensas dos holofotes e por câmaras de vídeo angulares. Lá fora o povo, sem entender "bulufas de nada", sente-se divorciado daqueles honorários "santos casamenteiros", que "volta e meia", pisam na bola.


Ivan Bezerra de Sant' Anna - Advogado minoritário.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Nêga Maluca

Nêga Maluca




Algumas pessoas contam e juram que é verdade que uma determinada senhora da nossa sociedade, em um determinado estabelecimento doceiro muito freqüentado pelos apreciadores de guloseimas adocicadas, fez um estranho pedido: "Por favor, quero um bolo afrodescendente com distúrbios psiquiátricos". A atendente, para lá de perplexa e tentando conter o riso moleque que teimava sair, disse: "Senhora, não temos tal bolo". "Que é aquilo, menina? Quer brincar comigo?", exclamou com indignação a jovem senhora, apontando para um bolo pretinho na prateleira. "Senhora, aquele bolo é conhecido como Nêga Maluca e não sabia que sua origem era africana".

Engraçado, já comi esse bolo e nunca soube da sua origem africana, bem como, jamais me senti ofendendo alguém que possuísse uma pele mais escura que a minha. Sempre escutei a música "Upa Neguinho" principalmente com a belíssima interpretação da Elis Regina que, em outra música, fraseava com talento: "Nêga do cabelo duro/qual é o pente que te penteia...". Nunca percebi nenhuma ênfase racista na divina interpretação da Pimentinha e por gostarmos dessas musicas nem eu, nem a talentosa artista, estaríamos enquadrados no rol dos racistas pecaminosos. Pelo menos naquela época....

Como naquela época era quase unanimidade que o escritor Monteiro Lobato estava entre os maiores escritores de literatura infantil do mundo e nenhum critico literário via nas referencias descritivas de Tia Nastácia, frases racistas, com intenções difamatórias à raça negra. Muito ao contrário, seus livros eram tidos como subversivos, com fortes conotações de sociabilidade, e impregnados de apelos à solidariedade que, segundo a Direita fascista, "eram livros que pregavam o comunismo para as indefesas crianças brasileiras". Coitado! Era sua sina ser perseguido pelas hostes fascistas, queimadoras de livros e protetoras das nossas criancinhas que, com o passar do tempo e com a influência do nosso brasileiríssimo camaleão, transmudaram-se de "camisas pardas" para "peles pardas".

E como aconteceu essa mágica transformação? De repente, o grande escritor revolucionário se transformou em um pecaminoso racista, tendo seus livros proibidos nas escolas publicas, segundo parecer expedido pelo Conselho Nacional de Educação, acolhendo uma reclamação do ministro da Secretaria de Igualdade Racial que considerou o conteúdo da obra de Lobato, "racista e perverso". E como um passe de mágica - e tudo é mágico nesse país - apareceram "sociólogos apardeados", "companheiros pesquisadores", todos raivosos, marchando, hasteando bandeiras e com feixes de lenha nas mãos para alimentar a grande fogueira da Inquisição Parda.

O que foi que desencadeou essa fúria "fogueiral" das elites pardas companheiras? Ao que parece, umas cartas pessoais de Lobato que contém algumas referencias racistas. Ora, e daí? Não se deve esquecer a grande lição de Otto Maria Carpeaux que, recorrendo ao auxilio prestimoso de Karl Marx, dizia que nunca se devia confundir a personalidade empírica, com a personalidade artística e criadora de um musico, escritor, pintor ou qualquer criador de artes. Deveríamos proibir a leitura das obras de Aristoteles, por ser ele defensor da escravidão? Lançar os grandes romances de Honoré de Balzac às fogueiras purificadoras, porque o referido escritor era um defensor da monarquia deposta e decadente? Proibir as apresentações públicas das óperas de Wagner, porque o mesmo era racista e sua obra foi usada na propaganda nazista? Proibir que sejam tocadas as brasileiríssimas musicas de Heitor Villa-Lobos, em decorrência do compositor ter sido propagandista da Ditadura Vargas? Riscar do mapa literário o livro Casa Grande e Senzala, do sociólogo Gilberto Freire, pela referencia de uma suposta conciliação das raças, danosa à consciência negra? Lançar no Índex dos livros proibidos, as poesias do poeta americano Ezra Pound; os romances magistrais do francês Louis-Ferdinand Céline, porque ambos eram defensores da idéias da supremacia racial branca? A lista desses artistas "reacionários e racistas" é longa e sempre vai existir algum critico "apardeado" que vai ler, escutar ou imaginar frases "racistas e perversas" nas obras desses ilustres artistas, influenciado por suas existências empíricas, ou, na maioria das vezes, pressionado por seu "ódio de classe", por seu complexo de "branquidade", como dizia o saudoso Darci Ribeiro. Consciência de classe e étnica é outra coisa, camaradas!

Não se combate o preconceito racial com marchas raivosas dos "peles pardas"; com fogueiras purificadoras; dando a medalha Marchado de Assis ao semi-analfabeto Ronaldinho Gaúcho; colocando Lázaro Ramos como galã de novelas; criando "bolsas raciais", pois tudo isso não passa de variadas mentiras populistas, tão ao gosto de nossas elites desonestas e reacionárias. O Sr. Lázaro Ramos não é galã nem aqui, nem na África, assim como o fabuloso ator branco, Procópio Ferreira, nunca o foi. O Sr. Lázaro é feio e não é a Rede Globo que vai tentar criar uma beleza "politicamente correta". Aliás, esse termo me provoca arrepios. O que é uma coisa politicamente correta? Na Alemanha nazista era tudo aquilo que o Partido Nazista não proibia, sendo a desobediência penalizada com a internação nos campos de concentração. No Brasil dos companheiros é tudo aquilo "que é e não é"; é o eufemismo em lugar do conceito; é a mentira velada, mascarada e deslavada.

Assim, em vez de pardo, moreno, mulato, temos que dizer "afrodescendente". Ué, não somos todos afrodescendentes? Existe algum brasileiro que não seja afrodescendente? E se somos, como criar um diferenciador para fins de indentificação e aplicar critérios para fazer jus às cotas raciais, por exemplo? Afrodescendente ("branquinho", "escurinho", "mulatinho")? E quando formos comprar feijão, aquele mais escuro que chamávamos inocentemente de mulatinho, vamos ter que pedir feijão afrodescendente? E o conceito da física ótica que diz que o negro não é cor, mas a ausência de todas as cores, deve perder a validade cientifica porque não é politicamente correto e se constitui numa afirmação "racista e perversa" à dignidade negra?

Perdoem-me a ironia, mas esse País é uma piada grotesca. Uma República de mentira. Nunca ouvimos os sons da Marselhesa, mas os sons marciais das fanfarras, misturados com os batuques dos tambores dos terreiros. Uma Republica que nasceu de uma cavalgada, sob o rufar dos tambores marciais e se mantém estribada em pilares autoritários, disfarçados num populismo nefasto. Enquanto o CNE proíbe que os livros do maior escritor de literatura infantil do Brasil sejam distribuídos nas escolas públicas, o Governo compra milhares de exemplares da Nova Gramática Companheira, obra escrita por companheiros cor-de-rosa, ensinando para as crianças brasileiras que escrever "nóis vai" é a melhor maneira de desenvolver uma nova língua democrática. E que democracia!! A democracia da liberdade de opinião vigiada, ora pelo Judiciário, ora pelas hostes fascistas dos "peles pardas", encastelados nos órgãos governamentais. Uma democracia que os governantes não respeitam os tratados que assinam, deixando em liberdade um assassino que atentou contra o Estado Democrático de Direto Italiano e os senhores ministros do STF lavaram as mãos, emitindo um acórdão conivente: "Isso não é conosco". Entretanto, quando se tratou de gerar despesas estatais para para custear os casamentos homossexuais, os nossos ministros legislaram e desrespeitaram a Constituição Federal, afrontando o principio da separação dos poderes. Que coisa!! Que República!!

Enquanto isso, aquela senhora politicamente correta que fez o estranho pedido na casa de doces, já com seu bolo afrodescendente nas mãos, dirige-se para o seu belo e luxuoso apartamento. Ao chegar, a senhora que ostenta um discreto broche do Partido Cor-de-rosa, entrega seu precioso bolo pretinho para sua empregada afrodescendente que prontamente se dirige para o elevador de serviço. A regra do condomínio que proíbe a empregada afrodescendente fazer uso do elevador social, bem como o uso da piscina, não ofende à dignidade da raça negra, pois é uma simples questão de classe social - cada um em seu lugar. O problema racial não está em um salário irrisório, nas restrições impostas por regras condominiais, ou na atenção exagerada que a policia dedica a esses servidores pardos, morenos ou pretos. O problema se encontra no Sítio do Picapau Amarelo com Tia Nastácia e seu vocabulário debochado; no Saci Pererê andando em uma só perna; na engraçada boneca Emília e na Tia Benta. Mas não se preocupem: os "peles pardas" em constante marcha cívica vão jogar todos esses personagens na fogueira da Santa Inquisição, protegendo, dessa maneira, os nossos indefesos Pedrinhos e Narizinhos. No entanto, quem os protegerá das Cucas se os personagens do Lobato virarem carvão? Olha que as Cucas não moram somente no campo da ficção do Sítio do Picapau Amarelo. Eles são demasiadamente reais e de vez em quando atendem pelos nomes de Antonio Gomes da Costa Neto, Eloi Ferreira de Araújo e outros que integram o Conselho Nacional de Educação.

Ivan Bezerra de Sant' Anna - Afrodescendente branco.





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quarta-feira, 22 de junho de 2011

A linguagem do amor

A linguagem do amor


Um amigo, uma pessoa muito afável, aparentemente muito comedido, quando deparou comigo no Shopping, desabafou: "Estou arrasado. A minha mulher me deixou". Perguntando-lhe as razões de tal infortúnio, acrescentou: "Sei lá. Tivemos várias conversas com o objetivo de acertarmos as coisas. Vejo, porém, que foram inúteis. Para quem queria conversar racionalmente, insistindo que devíamos ser adultos, o seu comportamento final foi totalmente irracional. Que loucura!".

Se o conheço bem e se o que me contava do seu relacionamento tinha razoável veracidade, acho que seu sofrimento é honesto e pungente. Vinte anos de relacionamento e de repente, sem mais nem menos, acabou! Pelo que sei ele é "um dos amantes à moda antiga que ainda manda flores"; gosta de advinhar os desejos da amada e estar sempre pronto para satisfaze-los. Pode-se dizer: um homem quase perfeito.

No entanto, conhecendo-o bem e me atrevendo dizer que conheço um pouquinho as divinas cabeças femininas, acho que meu amigo está longe de ser um homem quase perfeito. O problema é que o amigão é engenheiro e tentou estabelecer limites às funções derivadas, com finalidade de calcular com razoável precisão os anseios e comportamentos da amada, esquecendo-se que as fantasias e anseios secretos estouram quaisquer limites impostos e tendem ao infinito. Para piorar a situação, meu pobre amigo era totalmente previsível aos olhos da sua amada. Como uma pessoa previsível pode mexer, incitar, provocar desejos e fantasias em outra? Uma amiga me disse certa vez que ao sentir que um homem está totalmente em suas mãos, ela perde o tesão por ele. Isso é uma regra geral? Pode não ser, mas convém ficar atento. Por que os homens se sentem fascinados pela "outra"? Uma das minhas personas me diz: é porque a "outra" é imprevisível, livre, sem escritura de propriedade, o que provoca nos homens a irresistível vontade de conquista-la. E quando acontece a posse definitiva e permanente, desaparece a "outra", com todo o seu fascínio. Se essa observação possui algum indicio de verdade, ela vale também para as mulheres. Tenho uma pequena desconfiança que os casais deviam rasgar todos os pactos de domínio, ficando, no máximo, com o de posse precária, alertando, porém, que a melhor posse é nenhuma, para não ficar com cara de manga pêca, igualzinha a do amigão, quando lhe perguntei como estavam as fantasias e o tesão.

Entretanto, o que me causou interesse e curiosidade não foram as causas que implementaram o infortúnio do amigão, mas, um simples detalhe, uma particularidade que, para muitas pessoas não passaria de algo de pequena monta, insignificante e irrelevante. Uma frase. Uma pequena frase usada, abusada e quase sempre, banalizada. Se uma outra palavra é inserida por emoções desesperadas, inesperada se torna sua musicalidade, pincelada com as cores fortes do crepúsculo. E na noite irrevogável, o vôo branco, o pio estridente da coruja traz presságios, nem sempre tão bons.

Quando uma mulher deseja falar sobre o relacionamento do casal, disparando, "fulano, vamos conversar racionalmente?", o fim se avizinha, mesmo que venha em módicas prestações. Se o "fulano" tivesse um pouco de sensibilidade auditiva, nesse momento, já ouviria os sinos dobrando para uma morte anunciada, restando-lhe preparar os procedimentos fúnebres, condições necessárias para uma possível ressurreição.

Falar racionalmente sobre o amor, isso existe? Vamos imaginar uma pessoa profundamente impressionada por outra que em um determinado momento resolve despejar seus sentimentos guardados. Será que ele vai dizer, "fulana vamos conversar racionalmente sobre o nosso possível namoro"? Vai elencar uma serie de pontos a serem discutidos sob o prisma da boa lógica formal ou com uma serie de argumentos quase-lógicos? Vocês imaginam essa cena? Pode ser, mas em uma comedia muito divertida, tendo um panaca como principal personagem! Em verdade, o que ele vai fazer para conseguir um possível êxito comunicativo? Vai usar uma linguagem diferente. Uma linguagem indireta com fraseados visuais, auditivos e sensitivos, pontuada pela poética, por ritmos e musicalidades, usando os artifícios, os instrumentos e os valores culturais que aprendeu. No mínimo, vai estufar o peito, abrir suas asas, eriçar as penas, como fazem algumas aves para o deleite da fêmea, com cara manhosa e disfarçadamente diminuta.

O mesmo deveria acontecer entre os casais quando o assunto for o relacionamento afetivo, sexual e amoroso. A linguagem persuasiva, poética, norteando o futuro, cheia de promessas, de sonhos, de fantasias, é a verdadeira linguagem do amor. Se comunica melhor do que a fria linguagem racional, pois as densas informações que traz em seu bojo são fraseadas por ritmos e musicalidade que tocam o coração, sem impedir que a razão se faça presente como um moderador democrático e facilitador. Alias, um tônico para uma nova razão: uma razão ampliada, com limites que tendem processualmente ao infinito.

Vamos imaginar um cenário onde um homem cego que pretende namorar uma determinada mulher. Ele pode dizer: "sou cego de nascença e pretendo namorar você para ser feliz" ou, alternativamente, pode dizer: "você é como a primavera que não posso ver; mas fico feliz com a brisa suave que emana de ti". Qual das duas tem mais informações? Quais delas levariam uma mulher a refletir?

Uma mulher se prepara para ir ao Shopping e se depara com o marido fantasiado com a camisa do Flamengo. Contrariada, ela diz: "não vou sair com você parecendo um mendigo, um urubu". Possivelmente, ele já tungado por umas cervejinhas, dirá: "vou como quero, sua porra". No entanto, ela pode dizer: "amor, que bom que não está usando aquela camisa azul celeste que você tem. Você fica lindo demais com ela e eu fico com ciúmes". Nesse caso, com certeza, o nosso Zicão pensará demoradamente no assunto, principalmente se for torcedor do Confiança.


O mais importante é que a linguagem do amor se adapta com qualquer vocabulário, tanto expressando-se na língua culta, como no catinguês, de acordo com a Nova Gramática Companheiro. O importante é poetizar com as palavras, frases e parágrafos. Vamos imaginar um dialogo entre uma mulher inculta chamada Mariza e o seu marido Luiz, homem arredio à riqueza das palavras, mas muito apaixonado pela riqueza dos pastos bovinos. Ela em estado de carência, como a maior parte das mulheres casadas, pode dizer: "oxente, home. Não me procura mais? Fica só tomando cachaça e falando com vereador. Tô mesmo que lagatixa". Ele, provavelmente, responderá: "se queta, muier. Que muier veia mais sibite. Vá tomar banho de agua fria". Ao passo que se nossa hipotética Mariza resolver deixar que suas pobres palavras tomem o rumo na trilha da fantasia poética, poderá dizer: "meu touro, tô com saudade de ti. Sua vaquinha está doidinha pra ser coberta. Naum existe boi reprodutor igual a vosmece". Com essa mentira piedosa na última frase é bem provável que o nosso Luiz comece a pensar em enrijecer o seu desejo.

Um alerta se torna necessário. Nunca confundir a linguagem do amor com a linguagem irônica, indireta e sarcástica. Ambas utilizam metáforas, alusões, metomínias e quase sempre são provocativas. A primeira é uma provocação convidativa, um chamamento ao diálogo desejoso às fantasias que unem e congregam. A segunda é um convite às dissonâncias destrutivas e desagregadoras, como, por exemplo, se observa nesse diálogo: "amor, vamos brincar de médico e paciente?", diz a mulher, provocando-o suavemente. "Isso é brincadeira de criança. Na minha infância brinquei muito com as meninas vizinhas. Somos adultos agora e isso não tem graça", responde o marido. Aí, ela tasca a ironia: "você devia ter sido médico do SUDS; a fila de meninas crescia e você nada fazia".

O leitor poderá estar pensando que a linguagem do amor é um instrumento estratégico que se utiliza de frases bem construídas poeticamente, mexendo com as emoções das pessoas, visando retirar delas o que se deseja. Uma espécie de peça publicitaria, objetivando levar as pessoas irrefletidamente ao consumo de bens e serviços. Longe disso! A linguagem do amor é uma forma de escrever ou de falar que se utiliza de palavras, frases e parágrafos construídos com métrica poética, com melodia e ritmo, dando prazer as pessoas no saboreio das belas frases, provocando emoções e levando-as à reflexão. Um exemplo é um livro bem escrito. Por acaso as pessoas que se deixam levar pelo prazer das frases poéticas e melódicas, esquecem de refletir sobre o seu conteúdo? Uma poesia de grande beleza estética, com ritmos e melodias evocativos, perde sua expressão significativa e sua grandeza imaginativa?

A linguagem do amor é a poética da vida em andamento. Se manejada com maestria, criatividade e de maneira multilateral pode inserir os amantes num dialogo poderoso de emoções, devastando os preconceitos, dando voz as personas reprimidas que existem em nosso psiquismo, abolindo pecados e ampliando o prazer. Entretanto, se "as cartas forem para a mesa", em uma atitude racionalista centrada em valores sedimentados, então será inevitável o aparecimento do grande fosso que os separa. Pode-se manter o relacionamento, o acordo de convivência territorial, mas o castelo protegido pelo fosso estará sempre sitiado. No máximo, restará uma amizade ressentida; uma nostálgica lembrança evocada por uma pálida fotografia; uma pontada de tristeza de que tudo podia ter sido diferente.

Ivan Bezerra de Sant Anna



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domingo, 12 de junho de 2011

Luz, Câmara e Ação

Luz, câmera e ação!


As luzes são ajustadas, cada ponto medido por fotômetros sensíveis que analisam a luz incidente e refletida. Os operadores de câmeras se posicionam em locais estratégicos para as capturas de melhores imagens, orientados por um diretor de vídeo que se prepara para a comutação e cortes precisos, pontuados por ritmos e musicalidade das frases visuais. Enquanto se dá essa preparação técnica, maquiadores preparam cuidadosamente os rostos dos personagens principais, corrigindo imperfeições, retocando-os de maneira personalizada e criativa.

A ópera Tristão e Isolda será transmitida ao vivo? Um debate político entre candidatos majoritários? Faustão e seus convidados se preparam para o começo do programa televisivo? Tiririca e seus "assessores educacionais" na preparação do cômico show diário? O Sr. Rogério Carvalho, Zequinha da Silva (o lulinha), o eminente ex-ministro da Casa Civil e mais alguns mensalícios ilustres, festejando entre as câmeras televisivas o lançamento do livro de autoria coletiva intitulado "Como enriquecer em oito anos sem fazer esforço", prefaciado por Lula se expressando no autêntico dialeto catinguês?

Acho que todos os leitores, ou a maioria deles, se derem possibilidade à imaginação reflexiva só encontrarão uma resposta: Uma sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal transmitida ao vivo! Esse sim, um verdadeiro show de vaidades e com conotações populistas transmitida para todo o Brasil. Tem de tudo: olhares lânguidos insinuantes, posses cuidadosamente estudadas, frases empoladas, vozes impostadas, frases poéticas de efeito, e, algumas vezes, essa harmonia já intitulada de "show judice" é quebrada por ásperas dissonâncias de qualidade discutível. As línguas afiadas e ferinas são implacáveis quando alardeiam que nesse "show judice" tem de tudo, menos o bom Direito e o respeito pela separação dos poderes da Republica. Será?

Apesar de ter absorvido o paradigma construtivista da Suprema Corte dos EUA, esta jamais permitiu televisionamento das suas sessões de julgamento, bem como outros tribunais superiores dos países europeus desenvolvidos e com grande história de cultura Juridica. Dessa afirmação não pode decorrer a idéia que as democracias desse países sejam inferiores ao da nossa Pátria amada. Ao contrário, a Câmara dos Lordes, por exemplo, jamais permitiu televisionamento das suas sessões e nem por isso perdeu a legitimidade, mantendo-se constantemente em primeiro lugar nas pesquisas de opinião publica. Já o nosso Judiciário com televisionamento, briga acirradamente pelo último lugar com a instituição policial. Interessante, não?

Uma certa vez indaguei a um amigo advogado sobre esse fato e ele me deu uma resposta inteligente e curiosa. "Quer saber a verdade", disse-me ele, "não se pode confundir publicidade de atos judiciais, direito à audiência publica, com shows televisivos, pois esses são apropriados para os políticos eleitos que devem prestar contas e serem fiscalizados em suas atividades pelas pessoas que representam". Finalizando, arrematou com uma analogia interessante: "Um bom juiz é como um bom árbitro de futebol; quanto menos ele aparece, melhor é o jogo". Pensando bem, acho que o colega tem razão. Se um árbitro aplica a regra sem invenções construtivistas, sem recorrer a princípios norteadores abstratos e vagos, como, por exemplo, o do "gol justo", o da "infração razoável ou proporcional", possivelmente suas decisões legitimadas pelas regras não serão notadas e o jogo fluirá sem maiores problemas. Mas se o referido árbitro resolver que deve fazer parte do espetáculo de maneira proeminente, rivalizando-se com os jogadores em busca de aplausos, ou em alguns casos, interpretando as normas para atender interesses de um determinado clube, quase sempre a discórdia ruidosa acontecerá, vaias serão ouvidas e sua notoriedade se instaurará com aclamações não muito dignas, tais como, "juiz ladrão", "filho da puta", dentre outras mais picantes.

Os nossos juízes precisam entender de uma vez por todas, que os astros de um jogo democrático são os representantes políticos que são escolhidos e fiscalizados pelo povo que possuiu a verdadeira soberania popular. As câmeras, as luzes devem estar apontadas para eles e não para os juízes que possuem a grandiosa missão de zelar pela legalidade e pela ordem democrática com isenção e imparcialidade. Infelizmente, essa Constituição contraditória, esquizofrênica produzida por um "congresso constituinte" espúrio, sem legitimidade, dá sustentáculo ao esquecimento desse importante principio. Mesmo assim, se os magistrados observassem com zelo o Art. 1º, parágrafo único da "Colcha de retalhos cidadã", veriam a diferença entre o verdadeiro poder, conceituado nesse parágrafo e o poder formal instrumental, disposto no Art. 2º. Claro se não existisse a vaidade, a vontade de usurpação, o desejo inconsciente de ser político, a vivência de valores platônicos centrada na supremacia dos reis filósofos governantes, o nosso Supremo Tribunal Federal já teria declarado a supremacia dos poderes eleitos, como assim fez a Câmara dos Lordes em pleno território da commom law, por influencia de Blackstone e recentemente reafirmada por Lord Bingham no julgamento do caso Jackson versus Procuradoria (2005).

Ė antiga essa luta pelo poder por parte dos juristas em todo o mundo e em vários momentos históricos. O referencial sempre é o judicial review, instrumento de criação jurisprudencial da Suprema corte do EUA, influenciada pela doutrina jusnaturalista de Sir. Edward Coke. No entanto, mesmo na terra do Tio Sam, essa doutrina da supremacia do Judiciário foi moderada devido a crise constitucional estabelecida no governo Roosevelt, com a afirmação da razoabilidade presumida das leis econômicas e sociais. No Brasil, em vez do comedimento estratégico, do respeito pelo legislador, mesmo sob as vestes da hipocrisia, assistimos uma saraivada de censuras ao legislador, construções de legislações, e, o que é pior: a volta da censura por um difuso órgão censor, encastelado sorrateiramente no judiciário. Se o principal pilar de uma democracia é a liberdade de opinião publica, como entender que num debate político os juízes fiquem censurando e penalizando os debatedores, embasados em critérios vagos e subjetivos? No EUA, terra do construtivismo judicial, a imprensa ou candidatos podem aventar quaisquer hipóteses comportamentais, sem que o judiciário interfira. Aliás, tanto lá, como em outros países desenvolvidos, não existe Justiça Eleitoral. O que ofensivo num debate político, senhores juízes? Será que é a Democracia, a ofensa aos seus anseios oligárquicos?

Os senhores juízes se defenderão alegando que estão lastreados em uma boa doutrina e que devem conhecer a realidade fenomenal, através de exames acurados emitidos por especialistas, confrontando varias opiniões alternativas para efetuar testes na legislação existente, em busca do grau máximo de justiça. Em outras palavras, o que o legislador faz, a ampla prognose investigativa autorizado pela Constituição, os senhores juízes vão refazer para verificarem o seu enquadramento nos seus critérios particulares do justo, razoável e proporcional. Isso é o não é poder moderador? "Não", dizem os ilustres magistrados, "isso é interpretação conforme os princípios constitucionais". Pode parecer piada essa argumentação, mas, infelizmente, não é. Isso e outras coisas fazem parte de um show televisivo intitulado "quero minha ditadura de volta" ou "como era doce o meu general", que alguns órgãos de comunicação se empenham na divulgação ampla e constante. O Parlamento que é o centro de ressonância da sociedade em uma democracia decente, onde se encontram as variadas classes sociais, no Brasil encontra-se em processo de continua desmoralização, motivo de constantes chacotas e piadas, tudo isso por culpa exclusiva dos seus integrantes que não honram a representatividade recebida. Mas será que a culpa é somente dos senhores representantes? Será que podemos esquecer a imensa legião formada por pessoas que votam por um tijolo ou por uma bolsa "disso ou daquilo"?

Enquanto isso, o STF continua com o seu show televisivo demostrando para as pessoas que pode ser um Parlamento concentrado, ou, no mínimo, um poder moderador. As câmeras filmam, os juízes sorriem, argumentam, discursam, fazem gestos eloqüentes, saltitam de alegria. Não é para menos: estão quase governando a nação! Os seus colegas italianos, franceses, portugueses e germânicos devem estar morrendo de inveja. Coitados, não são vitalícios e se limitam muito na arte maravilhosa de governar. Claro que oitos anos de governo de um pingunço analfabeto facilitou muito a escalada de usurpação, ou melhor, de conquista do poder, mas não se pode retirar os méritos dos senhores juízes. Se não fossem eles - com o medo cúmplice dos políticos corruptos - como os juízes de instâncias ordinárias poderiam estar mandando fazer escolas, distribuindo medicamentos - mesmo sem a devida previsão orçamentaria -, perdoando as multas de trânsito, julgando indevidos impostos devidos por contribuintes astutos, anulando inquéritos administrativos de policiais truculentos e corruptos, arquivando ou julgando inocente por insuficiência de provas, os corruptos de colarinho branco?

Só me preocupa uma coisa. Examinando a nossa história política, verifico que foram poucos os anos de democracia, mesmo assim, claudicante. Acham que estou exagerando? É só contar. E durante todo esse tempo, o Judiciário desempenhou um papel lastimável em defesa dos valores democráticos, quase sempre domesticado pelos ditadores, e algumas vezes horrorizando a nação, como foi no caso da extradição de Olga Benario para a Alemanha nazista, ou colocando o Partido Comunista Brasileiro na ilegalidade, em 1948. Durante a longa ditadura militar nunca se viu ou ouviu o protesto do STF contra a ilegitimidade dos ditadores. Não se diga que os princípios de justiça e de direitos civis - que atualmente são usados para censurar a legislação democrática - não existiam na época. Existiam e o medo também. Enquanto as mortes, as torturas, as sedições aconteciam, onde estavam os juízes guardiões das liberdades civis e democráticas? Quem lutava nesse pais contra esse estado terrorista e autoritário? Os políticos! Esses mesmos que os senhores juízes censuram e tentam desmoralizar. Com todos os defeitos são eles que lutam, que tentam mudar o pais. E essa regra vale para o Brasil e para todos os países. A tão elogiada Suprema Corte dos EUA sempre foi um forte obstáculo para as mudanças sociais, passando centenas de anos declarando que a escravidão era um direito natural do proprietário e censurando todas as legislações que ampliavam os direitos dos trabalhadores. Quem efetuou as verdadeiras mudanças em plagas americanas? O Congresso e o Executivo, capitaneado pelos Presidentes LIncoln Roosevelt, os poderes eleitos.

O show televisivo judicial do STF, divulgando suas investidas legislativas, censurando ou sub-rogando o legislador me preocupa muito. Enfraquecer o Poder Legislativo é enfraquecer a democracia, mesmo sob a desculpa de omissão do referido poder. O povo não precisa curadores especiais, nem da proteção paternalista do Poder Judiciário. A Democracia é sempre jovem, mas não é uma menor relativamente incapaz. A história registra que a desmoralização continua do Poder Legislativo desestrutura os pontos de equilíbrio sistêmicos, aumenta as dissonâncias sociais e políticas, causando uma crise de governabilidade e um vácuo de poder. Alguém irá ocupar esse lugar e só não será o Poder Judiciário. Quem sabe, o tacape ou a tapeação; os tanques nas ruas ou os mensalões no Congresso; um militar sisudo com a espada em riste ou ou um populista com uma garrafa de cachaça na mão. Tudo vai depender das circunstâncias.

Ivan Bezerra de Sant Anna







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terça-feira, 31 de maio de 2011

A gente somos inútil


A gente somos inútil...

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A música do Ultraje a Rigor, que gozava das mazelas brasileiras, agora é coisa séria. Os vários erros de concordância que povoam a letra da música "Inútil" não são mais erros, segundo um livro adotado pelo MEC para ser usado pelos alunos da rede pública de ensino. A garotada pobre pode escolher se fala na linguagem culta ou na chula, pois ambas deverão ser consideradas corretas, de acordo com o livro intitulado "Por uma vida melhor". Um belo título!

Esse livro, que pretende revolucionar o ensino da língua portuguesa, foi escrito por muitas pessoas, dentre elas, possivelmente, muitos companheiros e ovacionadores do Luiz Inácio. Evidentemente, não deixa de ser um tributo ao Lula e ao seu repertório de palavras pitorescas, apelidado por alguns de "catinguês" (o dialeto da caatinga), e por outros, a linguagem revolucionária das mudanças. Falam que um certo professor universitário, que usa um chapéu de Tom Jobim, vive de canto-em-canto, trovejando palavras engasgadas, discordantes e quando lhe perguntam se vai a reunião do Partido, ele prontamente, diz: "Nóis vai, companheiro". E os companheiros, emocionados, dizem: "Que intelectual! Ele fala como o povo".

Tudo está pós-moderno em nosso País depois da "marcha para Brasília" dos camisas rosas petistas. As invenções revolucionárias são inúmeras e solenemente proclamadas como redentoras da dignidade do povo brasileiro. Bolsa "disso e daquilo", socialismo terceirizado, desmatamento amazônico ecológico e por fim, "Minha gente: a nova gramática popular". E o que mais causa espanto é a adesão de inúmeros intelectuais ao novo projeto de gramática dos petistas! Alguns dizem que se deve escrever como se fala, pois isso é o máximo de democracia. Outros, porém, são mais rebuscados quando afirmam que os chamados erros de concordâncias, em vez de se constituírem em erros banais são, quase sempre, conceitos filosóficos populares de cunho regionais. Ou seja: para esses intelectuais quando um companheiro do campo fala "nóis vai" está expressando um maior sentimento de solidariedade que a frase "nós vamos" não conseguiria.

Ė bem possível que podem existir erros rurais e urbanos, cada qual apresentando caracteres e abrangências significativas diferenciadas. Por exemplo, a frase "nois vai" é mais comum ser ouvida em zonas rurais onde predomina maiores laços de solidariedade - o plural "nois" em unidade "vai" -, enquanto "a gente vamos" é comumente ouvida em regiões urbanas, pois denota um maior grau de individualidade, com o "vamos" denotando um conjunto de pessoas e não uma unidade. Mas ambas estão erradas! São erros com significações diferenciados, mas erros. Por que soam mal ou são convencionados como erros? Bem, imaginem que alguns Prefeitos interioranos perdessem o medo e resolvessem em conjunto, através de um Prefeito líder, redigirem um documento para responderem às acusações de corrupção e no final do texto colocassem a seguinte frase: "Nois rouba, mas faz". Apesar da dissonância auditiva, possivelmente entenderíamos que aqueles prefeitos "roubam, mas fazem". No entanto, imaginem esse documento ser lido séculos após, ou servindo de peça acusatória para o Ministério Público, com as palavras chaves se digladiando entre si. Seria um banquete interpretativo, bem ao gosto dos pragmáticos. Uns diriam que devido às discordâncias das palavras haveria uma dúvida razoável quanto à autoria dos roubos; outros afirmariam que devido a predominância do singular das palavras "rouba" e "faz", a autoria declarativa dos roubos seria do Prefeito líder e escritor. E tudo isso porque o escrevente Prefeito resolveu colocar o plural e o singular numa rinha de galos!

Vamos ainda imaginar para descargo de consciência que o Prefeito escrivão fosse uma pessoa cultuadora da filosofia Yogue e não se contentasse com as estreitas significações das frases "nós roubamos" ou "a gente rouba" e quisesse uma frase que a pluralidade de prefeitos roubassem em unidade. Nesse caso, o encadeamento da palavra "nós"(pluralidade) com a palavra "rouba"(unidade) daria a significação semântica desejada. Mas para evitar dissonâncias semânticas posteriores deveria fazer como os germânicos fazem, criando uma palavra-conceito com a junção das palavras "nós" e "rouba" que resultaria na palavra "nósrouba", um tanto estranha, no momento, mas plenamente eficaz na sua extensa significação e sem ter que recorrer à gramática proposta por essa nau de gramáticos populistas e insensatos.


Que "vida melhor" essas propostas gramaticais trazem para a população pobre brasileira? A melhoria da inclusão social, como dizem os teóricos petistas quando se referem às bolsas "disso e daquilo", às quotas "unipobres" e o Prouni? Acho melhor analisar cada uma delas para que se possa entender melhor "A Nova Gramática Companheira".

A bolsa "disso e daquilo", instrumento que tinha como meta a inclusão econômica e social da "minha gente", não tem o poder de transformar uma pessoa afastada - à margem (ou marginal) - do sistema produtivo em um cidadão laborativo que produz valores econômicos. Transforma, isso sim, um desvalido num assistido custeado pelo Estado, um viciado em ócio. Essa advertência não é minha, mas de um conterrâneo sertanejo do Lula, que canta: "Ô doutor uma esmola/para um homem que é são/ou lhe mata de vergonha/ou vicia o cidadão".

As quotas "unipobres" produz um estudante de segunda classe, despreparado e humilhado por outros alunos de primeira classe. Sem falar que essas quotas causam uma gradual perda de qualidade no ensino público universitário. Já o Prouni não passa de uma gradual privatização do ensino público, operado de forma oblíqua, transferindo recursos financeiros para o setor privado da educação. Duas pérolas do populismo lulista.

Agora fica fácil entender os verdadeiros propósitos da "Nova Gramática Companheira". Ela, conjuntamente com os outros instrumentos acima citados, objetiva uma estratificação social virtual, no campo do simbólico, passando a falsa idéia para a população de um crescimento econômico, social e cultural. E o pobre coitado, embriagado por um individualismo do tipo "tudo posso", torna-se mais urbanizado, deixando de lado o "nois vai", para assumir o triunfalista "a gente vamos". Vive o carnaval 365 dias por ano, assumindo um personagem deslocado, trôpego, hilariante, um Tiririca entre muitos, sem ter a consciência que é um trágico-cômico personagem cada vez mais distanciado das elites que o manipulam e proprietárias da gramática culta e oficial. Essa é a diferença de "a gente podemos" para "nós podemos".

Quanto a você, Lula, vou lhe mandar uma mensagem com base nas novas regras da "Nova Gramática Companheira":

"Cumpaeiro, nois num deve afanar santo do palácio. Nois pode ir pô inferno. O santo se vinga e faz nois comer bosta com o Coisa Ruim. Diga a D. Mariza pra devolver as pinturas, as facas que ela surupiou da casa feia. Padim Ciço deve tá avexado com vosmiçe. Que é isso, Cumpaeiro!!!

IVAN BEZERRA DE SANT ANNA



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