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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Quinze anos

Quinze anos



Existem momentos em nossa vida que gostaríamos de retornar aos quinzes anos,
momentos verdosos da nossa existência, uma espécie de volta mágica que permitisse a oportunidade de exercer novas escolhas e surfar ondas salinizadas pelos desafios. Nessa idade tudo é possível, afinal, como disse certa vez Machado de Assis, "aos quinze anos, somos imortais", e quem não possui alguma coisa de Dom Casmurro dentro de si? Umas pessoas gostariam de voltar simplesmente à irresponsabilidade juvenil para resgatar uma parcela de tempo que consideraram perdida; algumas, entretanto, afastando qualquer vestígio de saudosismo, fariam qualquer pacto faustiano com o Demo que lhes permitissem em tempos atuais, um rostinho reluzente de um bebê e abaixo do umbigo, uma espada de aço Krupp, sempre afiada. Outras, porém, suspiram longamente baforadas de ar quente que formam uma ponte imaginária com os "quinze pretéritos imperfeitos anos".

Ah, meus quinze anos! Tempo das ruas descalças, das peladas na Praça da Bandeira, das meninas muito vestidas que desapareciam aos primeiros sinais do crepúsculo, reaparecendo outras tantas com menos vestidos e bolsinhas hesitantes; das intermináveis punhetas impulsionadas pela memória fotográfica de algum tornozelo desnudo; das trocas de revistas nas portas dos cinemas onde tudo se fazia, até assistir filmes; das festas natalinas e as respeitosas paqueras tímidas às meninas bem vestidas, onde pontificava o amigo Zé Rollete com seu charmoso pimpão, suas calças de toureiro que terminavam onde começavam suas botas Calhambeques, suas "cantadas" maravilhosas que sempre findavam com uma exclamação: "é uma brasa, mora?".

Ah, meus quinze anos onde nem tudo era flores ou tinha o sabor de manga surrupiada de um quintal alheio, sob a injunção de uma ação de usucapião temporário! Era também o tempo das baionetas caladas que faziam calar e desaparecer pessoas, enquanto o Benito de Paula, maltratando o piano, cantava: "tudo está em seu lugar, graças a Deus, graças a Deus". Era o tempo em que os pobres sabiam o seu lugar, preto só tinha realce em piada branca e sexo para as mulheres distintas só para procriar. Não havia muita violência, embora fosse comum e natural os espancamentos caseiros, o uso das palmatórias escolares, trabalhadores rurais e desafetos políticos sentenciados à pena de morte por "coronéis menestréis" proeminentes e os exercícios militares de tiro ao alvo em comunistas nas ruas das grandes cidades. Como essas coisas podem ser consideradas violentas se eram naturais? Natureza é natureza! Era natural e importante o uso do verbo "apanhar". Todos apanhavam: mulher, filhos, alunos, trabalhadores e políticos ousados. Simples e natural, não?

Amei os meus quinze anos porque foram meus, mas não os quero de volta! Talvez por não ser muito "natureba" e ter uma firme crença na historicidade humana e não na sua natureza. Poderia até me sentir tentado se nos meus quinze anos pudesse ter tablets, tv 3D, uma medicina avançada, vacinas contra a papeira, catapora, internet, mulheres sintonizadas com o mundo, com roupas minimalistas e sexualmente destravadas. E quando o ponteiro desassossegado do meu tesão indicasse o norte dos desejos, mais encontro de peles com mulheres possíveis, menos toques na vara mágica.

Ah, meus quinze anos, lamento dizer, mas o seu lugar é em um cantinho bem aconchegante, no pretérito-mais-que-perfeito, pois você não mais existe, mas é parte integrante do que sou hoje. Mesmo que chegasse glamoroso em dias atuais me prometendo novas chances e oportunidades lhe responderia com um sonoro "Não!". Nunca tive vocação para ser Peter Pan (não confundir com aquele que andava em um triciclo e era amigo de Orlando Padeiro), gosto do crocodilo Tic-Tac e quando vou à Terra do Nunca, sempre volto renovado. Nunca abdicarei da linha do tempo e saber da minha finitude é dar significado a cada momento da minha existência. Você cheira a incenso que queima na pira dos deuses do Olimpo e a ilusão da imortalidade me faria esquecer que devo viver cada segundo, minutos, horas, dias, anos, desse fantástico e milagroso desafio que é a vida.

Ah, quinze anos, você deslocado no tempo é a própria encarnação do Demo! E o que é a "coisa ruim" se não a vontade férrea, a ausência de limites, um individualismo presunçoso e desagregador? Como sou uma multiplicidade de pessoas com inúmeras vontades parciais, declino do seu imaginário convite. Como passar uma borracha sobre as linhas oscilantes da minha vida? Como esquecer as minhas alegrias, os meus sofrimentos, os meus sonhos, as minhas realizações? Aos quinze anos tanto no passado, quanto no momento atual, não teria a cumplicidade companheira da minha guitarra que me acompanhou na linha do tempo, ofertando-me rocks fraseados, um divino Bach e os chorinhos de Vila Lobos. E os meus livros que me mostraram que a Dúvida e a Verdade precisam sempre se manterem vivas? Onde estariam as mulheres que amei? Como poderia esquecer da garotinha ruiva que coloquei nos braços logo após o seu primeiro suspiro de vida, testemunho vivo que o amor resiste a linha do tempo, e que o seu sorriso, suas palavras são poemas que nenhum poeta jamais escreveu? Como poderia saber que um matrimônio pode ir embora, deixando-me de presente uma grande amizade solidária por uma mulher que gerou, agasalhou e protegeu a minha princesinha? Enfim, como poderia ter certeza que a vida leva e trás coisas belas?

É por essas e outras que cheguei a conclusão que adoro a idade que tenho. Ou melhor: acho que não tenho idade, mas sigo a linha do tempo. E meu tempo é "Quando", o tempo das marés que vão e voltam todos os dias. Aprendi que meu tesão deve transitar acima e abaixo da linha do umbigo, uma boa briga entre cabeças teimosas. A teimosia das ondas oceânicas. Acho que o Neruda tinha razão quando poetizou as ondas salinas: "Morro em cada onda cada dia/ Morro cada dia em cada onda./ Mas o dia não morre/ Nunca/ Não morre./ Obrigado."

Gracias a la vida.

Ivan Bezerra de Sant' Anna



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