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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Os Tamoios nunca morrem

Os Tamoios nunca morrem 




Ah, filha, quantos sonhos ficaram ao longo do caminho, pisoteados pelo egoísmo intolerante, pela mistificação enganosa, por crenças que nada crêem, onde os seus altares são os seus próprios umbigos. As palavras vibrantes de entusiasmos mudancistas, o sangue derramado, punhos corajosos altaneiros, são lembranças desfeitas, perdidas ao longo da linha do tempo, tais como folhas murchas de uma Palmeira sobrevivente que sobrevoam um manancial de areias infinitas.

Era ainda criança quando as forças do egoísmo e da intolerância, pisotearam a frágil e esquizofrênica Democracia que nascera após o longo reinado do ditador de São Borgia, tutelado por militares reacionários. A época dos militares irmanados com o povo, os que ajudaram na proclamação da independência, na posterior deposição de D. Pedro I, do Tenentismo popular, tinha cessado. Começara o tempo das espadas juramentadas a serviço dos dos sacerdotes do egoísmo, dos populistas autoritários e do voraz Capital que engole os seus criadores, transformado-os em mercadorias recicladas.

Era uma época sombria onde o medo reinava imperial, e que o manto negro da noite, com seus ruídos sinistros, encobria os gritos lancinante dos torturados e os lamentos dos mortos sem tumba. Tempos de Partidos e de homens partidos, disse profeticamente o poeta Drummond. No entanto, apesar dos sabres e das baionetas ensanguentadas, avançávamos com determinação, fazendo dos nossos medos, um aconchegante estofo para a hermética Caixa de Pandora, onde depositávamos a preciosa esmeralda da esperança. Muitos dos nossos morreram com um sorriso congelado nos lábios ensanguentados, como se os seus últimos pensamentos fossem povoados pelo sonho de um novo amanhã.

Ah, filha, se eles soubessem o que estaria por vir... Mesmo sem crer, rezo todos os dias para que não existam espíritos, e mesmo que eles existam, espero que sejam bafejados pela cegueira, pela surdez, impedindo-os assistir a horrenda tragédia da traição, perpetrada por aqueles que outrora lutaram pela Democracia e pelos grandes ideais da honestidade, decência e dignidade. Os que morreram pela Democracia não merecem ser punidos duas vezes. A primeira, por mãos assassinas, armadas com fuzis, que retiram-lhes o brilho viçoso dos seus olhos; e a segunda, por mãos macias de presteza gatuna, empunhando canetas que transformaram as instituições republicanas em prostíbulos a serviço das grandes empresas da construção civil e prestadoras de serviço estatal, ajudadas por políticos indecentes, encobertos por mantos de vermelho pálido, como se sentissem vergonha das suas pérfidas traições. 

Os nossos bravos e inesquecíveis camaradas morreram, minha filha, pela conquista de um Estado democrático que realizasse os altos ideais de justiça e de fraternidade, onde a dama da Democracia honrasse um governo "do povo e pelo povo", e jamais sonharam, nem no mais tenebroso pesadelo, a possibilidade de existir uma Democracia prostituida pelo aliciamento econômico, onde treze pessoas que juraram proteger a Constituição, são, na realidade, lacaios de luxo de políticos inescrupulosos, populistas enganadores, corruptos e ladrões da esperança popular, todos prestimosos  serviçais de uma poderosa máfia de empresários, que faz da famosa Gamora italiana uma impotente anã.

Se aqui estivessem, minha filha, com seus brios de outrora, mesmo indignados por esse lamaçal fétido da corrupção, eles jamais pediriam o auxílio das baionetas anticomunista e autoritárias, mas sim, o retorno do ideário do Tenentismo popular, uma filosofia que fazia de um soldado, um cidadão responsável pelo destino de toda a coletividade. Eles jamais iriam exigir que os militares se desculpassem pelos perversos erros do passado, pois, afinal, o que são meras palavras? Eles exigiram, isto sim, uma brasileira Revolução dos Cravos, onde soldados e trabalhadores marchassem pelas ruas para a construção de uma verdadeira Democracia, semeando os sonhos e a esperança, pois esse é o verdadeiro pedido de desculpa militar, a redenção  do seu passado inglório.

Ah, filha, os velhos camaradas que foram chacinados pelos militares autoritários são como os Tamoios que vagam desencarnados pelas ruas e campos, locais onde se refugia a Democracia, banida dos palácios institucionais. Vez por outra, eles tentam gritar, soprar o hálito das mudanças para uma multidão que trafega olhando para o chão. Às vezes, uma mulher, um velho, um menino, um maltratado cachorro, param subitamente, como se ouvissem a voz de uma mãe tamoio, tão bem poetizada pelo genial Gonçalves Dias:

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

(...)

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

(...)

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.

Ivan Bezerra de Sant' Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52;  e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/