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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Impeachemt na razão jurídica

Impeachemt na razão jurídica. 



Carlos Drummond de Andrade disse certa vez que a única Esquerda competente era a Associação de Canhotos de São Paulo. Era o desabafo do grande Poeta, ex-integrante do PCB, entristecido pelo maniqueísmo analítico, pela simploriedade das análises políticas dos dialéticos plantonistas e por imensas divisões em cadeia de grupos, tais como células troncos que subdividiam-se em um processo alucinado. Brigava-se por tudo, até se uma sigla deveria ter a palavra "do" ou não. O velho e bom PCB nasceu porque a maioria dos militantes acharam que o termo "Brasileiro" era mais nacionalista e menos subserviente ao stalinismo do que o termo "doB". Brigava-se por tudo, mas algumas pelejas eram de de muita importância ideológica, como, por exemplo, se a Democracia tinha um valor universal ou eram conceitos dicotômicos, nominados  como Democracia capitalista e Socialista. Como nunca fui afeito às leituras de manuais "de toda a verdade contida", preferindo os densos escritos de Karl Marx, Lenin, Georg Lukács, Antônio Gramsci, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e outros, percebi que a Democracia era somente uma, ampliada constantemente em um processo dialético  pelas lutas de classe. A gênese da Democracia sempre foi  as ruas das múltiplas demandas e não as construções arquitetônicas que, por mais belas que sejam, enclausuram a razão e a liberdade do pensar. Democracia Socialista deveria ser o máximo de liberdade e nunca o ambíguo conceito de Ditadura do Proletariado com suas prisões, fuzilamentos e desterros siberianos. No entanto, como pensávamos dessa maneira, éramos tachados como traidores da classe operária, pequenos burgueses, termos que se equivalem atualmente ao mimoso "coxinha".


No entanto, jamais imaginei, por um momento sequer, que esses grupos políticos incluiria a corrupção, a formação de quadrilhas mafiosas, nos seus ideários ideológicos, mesmo como instrumentos pragmáticos, pois nem todos os meios são justificados pelos fins. Poderíamos ser autoritários, pragmáticos, mas ladrões e corruptos jamais! Poderia entender certas atitudes autoritárias e pragmáticas, mesmo que elas alvejassem o conceito de democracia que acredito, entretanto, nunca em defesa de comportamentos criminosos, considerados nefastos por qualquer ideologia que prima por um mínimo ético.

"O uso do cachimbo deixa a boca torta", diz o ditado popular, e por isso nunca levei a sério as juras democráticas de certos Partidos políticos que, em um passado recente, faziam oferendas à ditadura do proletariado. Ora, não me causou perplexidade a ação impetrada ao STF por parte do PCdoB - aplaudida por inúmeros juristas "democráticos" -, porque para os vermelhos de outrora, a Democracia é um valor puramente instrumental, e a lei pode ser uma luva ou uma navalha, assim  "a mão que esmurra Chico, acaricia Francisco". 

Em meio ao cipoal  de frases vociferadas por juristas irresponsáveis e interessados, alguns outros juristas são bafejados pela brisa amena da lucidez, entre os quais destaco o Sr. Ayres de Brito. Já se disse com uma fina ironia que o referido jurista era um poeta do Direito, um tecelão de frases de impacto emocional, o que em parte é verdade. Entretanto, poucos possuem esse poder de síntese, o rabisco de palavras que tocam o emocional, sem perder a densidade e o apelo à racionalidade. O ex-ministro do STF que já se declarou contrário ao impeachemt por não perceber "uma grave violação à Constituição", no entanto, encontra-se firmemente encastelado nas muralhas protetoras da Democracia. Se no passado sua caneta infringiu alguns limites da separação dos poderes, traçando  riscos em papéis defesos, porém, normatizar sobre inocentes relações homoafetivas não causam tantos danos à Democracia. Agora é diferente e o Sr. Carlos Brito está plenamente consciente da gravidade da situação. Usurpar os poderes da instituição parlamentar é o mesmo que subtrair e negar a vontade popular, com possíveis trágicas consequências. Treze homens não podem golpear a Democracia, reescreverem a Constituição, destruírem a ficção verossímil representativa do Parlamento, sem que as terríveis consequências da ingovernabilidade apareçam. Ao fazerem isso, condenaram a instituição judicial à perda de credibilidade e legitimidade institucional. O impeachemt que queriam evitar foi impiedosamente deferido na Razão jurídica e na Democracia.

Por que tanta celeuma por poucas dúvidas e muitos interesses, ao ponto de juristas de renome arriscarem suas credibilidades doutrinárias? A Lei 1079/50 foi recepcionada pela atual Constituição? Se ela foi recepcionada para o processo de impeachemt contra Color, deveria ser para o processo contra Dilma, até porque, apesar de algumas imprecisões conceituais, a lei normatiza um procedimento que avalia se houve   infrações políticas ou administrativas, cominando-as com a específica pena administrativa da perda do cargo e o afastamento provisório de funções políticas. O Instituto que tem feição política, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgados segundo critérios políticos (BROSSARD, 1992, p 75). É nítido o espelhamento do nosso instituto com o similar norte-americano que tem como alvo as infrações políticas e a devida punição de caráter político. "O fim principal do julgamento político nos Estados Unidos é retirar o poder das mãos do que fez mau uso dele, e de impedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder no futuro. Como se vê, é um ato administrativo ao qual se deu a solenidade de uma sentença.” (A. Tocqueville)

É de clareza cristalina que a nossa Carta Maior estabelece o impeachemt como avaliação e julgamento de infrações funcionais políticas, de competência exclusiva do Parlamento, tendo a Câmara de Deputados a exclusiva competência para exercer o juízo de admissibilidade, e ao Senado Federal a competência exclusiva para julgar. Por que a Câmara possui exclusiva competência para exercer o juízo de admissibilidade? Ora, porque os constituintes assim o quiseram! Mas para quem deseja uma explicação sob o prisma da filosofia política, é fácil perceber que sendo a Câmara a caixa de ressonância plural do sociedade, composta por representantes eleitos pelo cidadãos, e sendo o órgão supremo da República, somente ela tem a legitimidade abrangente para exercer o juízo de admissibilidade. Retirar essa prerrogativa exclusiva da Câmara de Deputados  é uma violação literal à Constituição, bem como uma subtração do Poder original do cidadão.

É proibido ao STF a intromissão em um processo de impeachemt, por ser de exclusiva competência do Parlamento, salvo em casos especialíssimos de violações dos ritos procedimentais estabelecidos na Constituição e na lei normatizadora. Cabe exclusivamente  ao Parlamento a avaliação se houve as infrações políticas estipuladas em lei, efetuar o balizamento das provas e proferir a decisão. Todo esse processo sem a interferência do Poder Judiciário, pois ao contrário, o procedimento político seria maculado por mãos oligárquicas.

Resta-nos uma necessária e cruel indagação: havendo uma grave violação constitucional, uma usurpação do Poder popular por parte do STF, o que fazer? Estando a Nação submetida a um estado de inconstitucionalidade, uma tensão de ingovernabilidade permanente, e não existindo a solução do recall jurídico, qual seria a solução que resolvesse esse impasse inconstitucional e ao mesmo tempo preservasse as instituições republicanas? É importante ressaltar que a expulsão da Democracia do espaço simbólico-normativo de uma Nação, pode fazê-la voltar exclusivamente para as ruas, o local onde mora a pluralidade dilacerante das antinomias, com consequências imprevisíveis para as garantias liberais, pois em uma situação puramente fática, a Democracia para se afirmar através das inúmeras e parciais vontades populares, o uso da violência e a supressão da liberdade podem ser inexoráveis.

Ouso discordar do mestre Rui Barbosa quando disse que "a pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer", pois mesmo nos EUA, País que inspirou a Águia de Haia, existe o Recall, instituto de consulta popular para a resolução de conflitos dessa magnitude. Aliás, mesmo tendo nascida com inspiração oligárquica, uma espécie de Poder moderador, não se encontra na Constituição desse País, nenhum dispositivo que afirme a supremacia do Poder Judiciário. Tudo foi realizado por um processo lento de construções jurisprudênciais da Suprema Corte, sob o manto cúmplice  do Congresso, culminando com a crise constitucional do anos 30, resolvida por um procedimento de auto-contenção da Corte Maior. Na Inglaterra, o controle maior cabe à Câmara dos Lordes, órgão integrante do Parlamento inglês. Na França, o controle de constitucionalidade é político e exercido pelo Conselho de Estado, órgão integrante do Parlamento francês. Em grande parte dos Estados europeus, o controle é técnico-político, exercido por Tribunais Constitucionais, órgãos da República, compostos por membros escolhidos temporariamente pelo Parlamento, Executivo e Judiciário. Ressaltando que na Alemanha, conflitos que envolvam os órgãos eletivos e representativos, no pleno uso das suas funções políticas, as decisões possuem somente o caráter declarativo, ou seja: a decisão não é mandamental ou injuncional, é de orientação.

A atual crise demonstra a imperiosa necessidade de mudanças abrangentes na atual Constituição, em decorrência da existência de arquétipos autoritários que perpassam a nossa Carta Magna. A violação da fórmula gênese da Democracia, "um cidadão, um voto"; a censura exercida pelo Judiciário no sagrado direito de opinião, mais de perto, a horrenda censura no processo eleitoral; as constantes violações à separação dos poderes, com decisões que desrespeitam os órgão eleitos, não somente no tocante à produção privativa da legislação, mas também nas prerrogativas de "conveniência e oportunidade" do Poder Executivo.  Entendo, entretanto, que para a efetivação  dessa tarefa grandiosa será  necessária a convocação de uma verdadeira Assembléia Constituinte, livre e soberana.

No entanto, o que fazer nesse momento crítico de estado de inconstitucionalidade? Sou da opinião que só existem duas possibilidades: deixar  a situação como se encontra, em uma típica solução avestruz, propiciando possíveis soluções fáticas  das ruas, ou a corajosa intervenção do Senado Federal, interpretando o Art. 52, II, III, alínea X, no sentido de afirmar a supremacia do Congresso Nacional, através de uma Resolução senatorial. Se a supremacia do STF foi declarada pela limitação interpretativa da alínea X, inciso III do Art. 52, pelo próprio STF, é imperiosa a intervenção do Senado, aclarando o sentido e o alcance da referida norma constitucional, cassando inconstitucionalidades destrutivas produzidas pelo STF. Nesse embate entre um mero poder formal e o Poder substancial, deve prevalecer aquele que honra a cláusula constitucional de que "todo o Poder é exercido pelo povo de forma direta ou através de seus representantes eleitos". 

Essa é a verdadeira solução constitucional democrática que coroa a supremacia do Poder legislativo, a representatividade plural da sociedade. O Senado Federal vem sendo constantemente desmoralizado pelas ações políticas e pragmáticas do STF. Essa nefasta lógica Data Vênia tem quer ser definitivamente afastada das decisões do Poder Judiciário, sob pena de uma total desmoralização das instituições republicanas.

Por fim, a indagação síntese: se as normas são meras frases indicativas para interpretações abrangentes sem nenhum respeito à literalidade ou a núcleos duros insofismáveis, quem tem o poder da última decisão? Treze pessoas de competências duvidosas, escolhidos por critérios inconfessáveis, sem as bênçãos do voto popular, ou milhões de cidadãos que se fazem representar por Deputados e Senadores? Para que lado pende a bela dama da Democracia?
   

Ivan Bezerra de Sant' Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52;  e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/