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sábado, 21 de março de 2020

Quem lucra com a histeria?

Quem lucra com a histeria?

Um conhecido, pessoa que não vou revelar o nome, me telefonou alarmado em decorrência de uma foto acontecido em sua rua. Estava ele dormindo, quando foi acordado por um ruído da estridência de uma solitária panela, proveniente da casa do seu vizinho, o engenheiro Rui Seixas, que, coincidentemente, é um velho amigo de infância.

Preocupado, esse conhecido correu à casa do nosso Rui, imaginando que ele estava em perigo. Um assalto, um mal súbito ou até o agravamento da sua portentosa gota, o que lhe fez ficar conhecido como “pé de bolo”. Ao chegar, se deparou com uma cena inusitada: o Rui estava totalmente nu - pode haver visão mais horripilante? -, com uma panela em uma mão, um vidro sem rótulo de álcool gel na outra, olhos revirados de cobra d’água, cuspido palavras enviesadas, das quais se podia ouvir com muito esforço, “fora, fora”.

O cenário era surrealista! Inúmeras garrafas pet abarrotadas de feijão, arroz, farinha, espalhadas por todos os cantos da sala, e, presumidamente, todos os cômodos deviam seguir a mesma constelação ⎌artística. Olhando para o alto, o nosso conhecido se assustou, porque pensou ter visto muitas e imensas cobras, silvando assustadoramente para ele. De repente, uma vozinha assustada: “são linguiças e carnes defumadas penduradas!”. A pobrezinha que sussurrou era uma moça de mais ou menos 54 anos, possivelmente sua cuidadora, inferência em decorrência a idade avançada do nosso Rui.

Em dado momento, a porta da casa estava cheia de curiosos, e em meio a eles, alguém falava com a preocupações com os ratos, que já rondavam com olhares famintos e gulosos para o eldorado armazém do Rui. “Já não basta o coronavírus e também vamos ter de conviver com a peste bulbônica?”, salivou outro com a cara de saguim.

Não se preocupem, caros leitores! Tudo está sob controle, o Rui foi medicado com tranquilizantes pelo Samu, os agentes de saúde já confiscaram o perigoso estoque regulador, e a casa devidamente arejada e desinfectada com produtos confiáveis, já que o imenso estoque de álcool gel da casa era de procedência duvidosa, o que não é novidade para quem conhece o “mão de vaca” Rui Bolo.

Qual a lição que tiramos desse acontecimento?

O coronavírus é altamente contagiante, mortal para algumas pessoas que se encontram em faixa de risco, no entanto, comportamentos como esse não são eficazes na luta contra a pandemia.

Não é o momento para lutas políticas pelo Poder, uma vez que atitudes dessa natureza são oportunistas, que buscam ganhos políticos com essa terrível crise. Grupos políticos, seja de A ou de B, que fazem da crise uma oportunidade para o seu crescimento, em verdade só demonstram estreiteza de caráter político e um egoísmo imensurado. Criar crises diplomáticas, atos de exemplos irresponsáveis, criar histeria para o consumo visando argutamente provocar o desabastecimento de bens, dentre outros, são atitudes políticas irresponsáveis e criminosa. Para certos grupos políticos, cultivadores da máxima “quanto pior, melhor”, esse momento crítico   é a sopa no mel para seus propósitos, mas para a nação brasileira será uma catástrofe.

O governo está confuso, cometendo erros de avaliação, e as críticas são necessárias, mas as críticas construtivas. Nesse momento, atos de má fé que visam lucrar com a crise, seja de empresários sem escrúpulos ou de políticos ávidos pelo Poder, são levianos, irresponsáveis e criminosos.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

quinta-feira, 19 de março de 2020

O corona e a carona

O corona e a carona.

“Olhe, o Corona tem coroa. Quem tem coroa é rei. Sou coroa, mas não sou corona.  O Corona precisa de carona que é a mulher do Corona. Por trás de um Corona tem uma grande carona. Não dê carona ao corona!”
(Uma certa senhora)

Confesso que não sei se a citação acima é de uma determinada senhora. Os fakes se proliferam com a velocidade que deixariam qualquer vírus coranarius corados de timidez, causando um furioso ataque à lucidez das pessoas. E “haja fakes!”, ou melhor, vírus ideológicos que se encontravam dormindo em berço esplêndido, mas que ressurgem na forma de fake news, teorias de conspirações, paranóias e explosões de racismo e machismo. Entretanto, em meio ao um estilo literário um tanto extravagante, essa senhora tem razão em um ponto: não se pode dar carona ao Corona!

E como estão dando...

Empresários gananciosos - para a maioria dos capitalistas, essa frase é um pleonasmo! -, começam o processo de aumentar abusivamente os preços dos seus produtos, aproveitando-se para lucrar com essa terrível crise de saúde.

Políticos que se voltam de costas para população,
promovem o alarmismo, decretando medidas contraditórias, com o único objetivo de lucrar politicamente com a crise, do tipo, “lençol curto só cobre a cabeça ou os pés”. Como vamos entender as inúmeras limitações, como, por exemplo, a suspensão das aulas, se é permitido que as pessoas possam encher as praias, os shopppings, etc.? É aquela história do lençol, tira uma pessoa de uma sala de aula, permitindo que ela se misture com milhares de banhistas. Isso é lógico? Ora, na Itália onde a crise é grave, o governo ao impor severas limitações, proibiu às pessoas de irem às ruas. Entretanto, uma indagação: pelos dados atuais da disseminação do vírus, no Brasil será necessária medidas tão profundas?

Causou comoção na mídia, o fato do presidente da república sair do Palácio Alvorada para cumprimentar pessoas que protestavam contra o STF e o Congresso Nacional, fato esse, defendido por uns - como foi o caso das declarações do Ministro Barroso do STF -, e ojerizado por outros. Um ato de coragem ou de irresponsabilidade? O julgamento é do leitor, pois em ambas as hipóteses existem argumentos razoáveis e ponderáveis.

O mais preocupante, no entanto, é a sabedoria ladina de alguns políticos que, devido ao esquecimento motivado pela hegemonia noticiosa do Coronavírus, se preparam para a aprovação de leis controvertidas e lesionárias ao interesse dos trabalhadores e daqueles que são genuinamente patriotas.

O cardápio é imenso, desde de reformas finais da aposentadoria, retirada de direitos trabalhistas e vendas das estatais. Nesse contexto, o cinismo interesseiro do Sr. Paulo Guedes torna-se cristalino. O senhor Ipiranga afirma que para combater as consequências do terrível vírus, torna-se necessário a venda das estatais, acrescentando que vai irrigar dinheiro para as empresas, principalmente para as empresas médicas privadas. Ou seja: quem vai pagar a conta é a população, como sempre, porque o erário público é construído com o nosso precioso dinheiro.

Se o nosso cínico ministro da economia está acometido pelo vírus ideológico do individualismo possessivo, o mesmo não se dá com os seus colegas europeus, com exemplos expressivos da Itália, França e Espanha, uma vez que esses países já decretaram a possibilidade de estatizar empresas privadas e a intervenção no sistema de saúde privado. Esses ministros da economia são terríveis e maldosos socialistas que estão se aproveitando desse terrível momento? Não!!! Com exceção da Espanha que é governada por socialistas, são ministros que professam o liberalismo econômico, mas que perceberam que somente um Estado forte que induza à solidariedade pode enfrentar razoavelmente esse momento terrível que seus países enfrentam. Não um Estado máximo para os capitalistas e mínimos para o restante da população, mas um Estado que represente a população, forte na mediação dos conflitos, gerenciador dos nossos recursos estratégicos, hegemônico principalmente nas áreas da saúde e educação, uma vez a busca pelo lucro não combina com atividades sociais que é direito essencial de todos.

Se essa crise virótica está isolando as pessoas, mantendo-as confinadas em suas residências, por uma razão astuciosa da dialética, vetoriza a uma reflexão sobre a igualdade, a empatia e a solidariedade. É o terrível vírus dialectus, aquele bichinho  incrustado na cabeça das pessoas, desde o primórdio da humanidade, também comumente conhecido como o vírus do pensar. “Pensa eu, pensa tu, pensa voce..., pensamos nós”. Verbo que te quero verbo. O princípio é o verbo, diz a Bíblia. O verbo denota o ato de fazer, um fazer do ser humano que se somente individualista como querem os defensores do neoliberalismo, esse ato se transforma em uma guerra de todos contra todos, o império da lei do mais forte, um mercado político-econômico que impera a falsa liberdade de uma raposa livre em um galinheiro livre.

Essa crise, se não é a maior que a humanidade passou, é, pelo menos, a mais assustadora e geradora de medos, inseguranças e paranóias. Pela primeira vez, as pessoas estão confinadas, assustadas pelo contato mais próximo com outras pessoas, mesmo que elas sejam do seus círculos amorosos mais estreitos. Talvez, quem sabe, dessa prova dura de confinamentos, elas anseiem pela expansão das suas individualidades, buscando na empatia, o sentimento das dores dos outros, e na solidariedade, o fazer comum e compartilhado em busca de soluções integrativas mais justas e de comum humanidade. Assim é possível que se tornem verdadeiramente cristãs, uma vez que para o Nazareno, o verbo que principia o fazer era conjugado primeira pessoa do plural, um ato coletivo onde o peixe e o pescado é repartido por todos em igualdade.

Talvez comecem a perceber que a busca pela igualdade é o motor dialético das mudanças, sendo a liberdade o instrumento coletivo para consegui-la. Ante a liberdade predadora da ave de rapina do neoliberalismo, o voo livre e harmônico das gaivotas solidárias que primam por uma liberdade guiada pela empatia, pois as dores e prazeres são comum a todas. Um voo globalizado, não somente de mercadorias, mas de direitos conquistados e partilhados, como uma rede global de saúde, educação e distribuição de renda.

Isso é socialismo, comunitarismo? Pouco importa os “ismos”, pois antes de tudo é ser verdadeiramente cristão. Uma nova homilia? Não, apenas o retorno às catacumbas onde ainda ressoavam a voz do Mestre.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna