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segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Segunda Pátria

A Segunda Pátria 

Caiu em minhas mãos, o livro do Sr. Miguel Sanches Neto, A Segunda Pátria, um texto despretensioso quanto ao estilo, às construções criativas das frases e parágrafos, entretanto, de uma pretenciosidade ímpar em relação ao seu conteúdo ficcional que envolve, arrebata e produz dissensões provocativas.

Evidentemente, não se trata de uma obra de refinamentos linguísticos, baseada em uma escola do mestre Machado de Assis, ou de rebuscadas construções metafóricas na esteira de um Vladimir Nabokov, por exemplo. É uma obra singela, construída em capítulos curtos, parágrafos pequenos e períodos reduzidos, quase telegráficos. O autor  tenta ser impactante e criativo no metralhar dos períodos reduzidos, mas falta-lhe a o toque genial das alternâncias sincopadas e das variações dialogais entre diversificadas frases, algumas curtas e de impacto emocional, outras, porém, longas e com muita densidade poética. Esse preceito, no entanto, o autor não aplica em seu livro, ao contrário, foi econômico e parece ter usado uma fita métrica para a construção dos parágrafos, períodos e frases.

É uma ficção inquietante e desaconselhada àqueles que cultuam a imagem do Sr. Getulio Vargas. O autor, em sua ficção estonteante,  não é nem um pouquinho benevolente com o Ditador do Estado Novo, pintando-o com as cores dramáticas do nazismo, um político subalterno e obediente ao Estado do Social Nacionalismo alemão. É insofismável que o anão dos pampas era um positivista autoritário, eterno namorado do Estado corporativista fascista, do aparelhamento dos sindicatos pelo Estado e gostava de saber que o Sr. Filinto Muller pendurava os comunista em "paus de arara", isso quando não lhes davam uma passagem de ida sem volta para a "cidade dos pés juntos".  

Entretanto, o seu tamanho físico era desproporcional com sua imensa ambição pelo Poder, impulsionado por um ego inflado por paranóias e manias de tintura psicótica. Assim sendo, o minúsculo Aquiles das plagas rio-grandense jamais seria um subalterno de um Hitler ou de qualquer outro, assemelhando-se com mais realismo ao Generalíssimo Franco ou a Salazar, diferenciando-se, porém, por seu populismo de manhosidade arteira, um pragmatismo astucioso que gerava desconfianças e tensões constante com os militares e aliados. Se o Sr. Vargas não era um nazista sintomático como tenta insinuar o autor, também não era nenhum Pai dos trabalhadores como querem os falsos esquerdistas de agora, pois o seu maior presente aos trabalhadores foi a CLT, uma cópia da Carta di Lavoro do  Estado fascista italiano.

O texto ficcional denuncia - apesar de ser um relato historicamente impossível - a omissão do Sr. Getulio Vargas quanto a tentativa pré-guerra de germanização do Sul do País por grupos ligados ao Nazismo alemão. Os historiadores brasileiros, na sua grande maioria, devem aos brasileiros maiores esclarecimentos sobre essa época dramática, onde os grupos paramilitares nazistas praticavam abertamente o racismo, insultavam e cuspiam negros, chegando a situações extremas com o confinamento e a morte. 

Pode-se afirmar que o livro do Sr. Miguel Sanches é uma denúncia contra o racismo e um alerta para que as pessoas estejam atentas para que todas as sementes de processos de desumanização sejam esterilizadas antes das suas germinações. Uma brincadeira preconceituosa pode ser apenas um pequeno sarro, um inocente divertimento, mas quando inseridas em contextos de grandes crises sociais e econômicas, podem ser fermentos ou referências ideológicas para o desencadeamento das trágicas ideias de intolerância e desumanização das diferenças. As épocas críticas precisam de bodes expiatórios, e desta forma, caça-se bruxas, mata-se negros e comunistas, elevando-se todas as diferenças culturais e sociais no altar da demonização.

Não sei se inspirou o autor, mas essa história de um homem negro germanófilo, lembra a trajetória de Tobias Barreto que foi um grande admirador da cultura germânica, chegando a criar um jornal totalmente escrito em alemão, predicados que não impressionaram Eugênia Câmara, dando preferência aos versos pungentes de Castro Alves aos poemas melosos do Sr. Tobias, metrificados, organizados, tal como as homogêneas e ordenadas florestas germânicas.   Há quem afirme que o mulato sergipano era um tímido  e nutria um enorme complexo de inferioridade, apegando-se de forma maníaca à cultura alemã, uma negação inconsciente à sua origem negra, uma tentativa de reconhecimento social em época de grande preconceito racial. Tobias poderia ser um Trajano - personagem chave do romance - se vivesse  na época da efervescência fascista, e possivelmente levaria cusparadas dos nazistas, mesmo sendo um negro culto e idólatra da cultura germânica. 

Cuspir, segundo o autor, era matar simbolicamente o inimigo que mesmo já estando morto, ainda sobrevivia em sua dignidade simbólica. Os alemães cuspiam nos cadáveres para retirar-lhes a dignidade, transformado-os em lixo, numa escória.  Quando Julius Meister, o Cuspidor, lançava sua insidiosa saliva nos negros, matava as suas existências simbólicas, transformando-os em zumbis, mortos-vivos que andavam errantes pelo mundo,  à procura de um sentido inexistente, à espera da morte física libertadora.

O autor alerta aos cuspidores: uma cusparada pode ferir mais que um punhal, pois essa seiva venenosa fere mortalmente a alma, e por ser um ato de desprezo pela diversificada existência humana, ele não mata somente a vida simbólica de uma pessoa, mas escarra veneno no rosto da humanidade.   


   Ivan Bezerra de Sant Anna 


segunda-feira, 9 de maio de 2016

Indignação Suprema

Indignação Suprema

Não me canso de alertar sobre os perigos para a Democracia que esse simulacro de corte constitucional, o STF, propicia através de seus julgados políticos, pragmáticos e com suspeição de parcialidade. Isso não é uma corte constitucional, mas um balcão de negócios e, quase sempre, de transações suspeitas cobertas pelo manto da indignidade inconfessa.

Posso afirmar que o Poder Judiciário é o maior inimigo da Democracia e da moralidade pública, com exceção de uns poucos juízes que trafegam entre erros e acertos, como é o caso do Sr. Sérgio Moro. Não se alveja o Estado Democrático de Direito apenas  com atos comissivos, mas com os omissivos. Não cumprir a lei contra as elites poderosas - uma prática muito comum em nossa triste história - com práticas diversificadas e de manhas matreiras, é um lugar comum onde vicejam os atos de procrastinações malandras, "engavetamentos" e arquivamentos manhosos. O mais grave é que não se pode dizer que os nossos juízes não motivam os seus atos  violadores, pois eles sempre buscam um princípio "disso e daquilo", um preceito abstrato onde tudo cabe, um jogo de palavras vazias a serem preenchidas por conteúdos ideológicos, e, muitas vezes, para o atendimento de demandas encobertas pelas sombras da indignidade, uma escuridão onde pode voar a coruja de Minerva, mas também os morcegos vampiros. Por esse motivo, a Democracia viceja com a luz solar, e o Direito germina e cresce com a luz translúcida das manhãs.

 O Direito e a Democracia precisam das manhãs ensolaradas, da clareza das normas construídas pela vontade popular e não das meditações soturnas dos "Reis filósofos", ansiosos pelo sol platônico das essências puras, mas que não passa de uma luz tênue de uma lua minguante que por sua penumbra protetora, encobre suas vontades individuais, arbitrárias e possessivas. Se os nossos juízes dráculas voam, o fazem porque a nossa "cocha de retalhos" - denominada por ironia hipócrita de Constituição Cidadã - permite e garante esses voos usurpativos. Não se conhece nada parecido em outros Países de Democracia consolidada, uma vez que nesses Estados democráticos é proibido aos juízes censurar, modificar, inovar, uma norma estabelecida pela vontade popular. E mesmo em caso de interpretação de normas constitucionais em processo difuso,  essa tarefa é privativa das Cortes Constitucionais, e o máximo que um juiz pode fazer tendo que julgar um pedido de exceção de inconstitucionalidade é suspender o processo, efetuando remessa necessária dos autos para a Corte Constitucional, como faz o juiz alemão.
 
Se é de necessidade imperiosa uma revisão na Constituição para que o Judiciário seja o grande árbitro democrático, mantendo e garantindo as regras do jogo democrático, o que falar desse simulacro de Corte constitucional, denominada de Supremo Tribunal Federal? Como pode uma Corte constitucional possuir competência para julgar de forma ordinária, matérias que não são constitucionais? Como pode um tribunal que se diz constitucional, atender demandas individuais, suprimindo instâncias judiciais, utilizando-se de um poder arbitrário e ilimitado de cunho avocatório? Nos países de democracia avançada, os tribunais constitucionais são órgãos da República, com os membros escolhidos pelos Poderes republicanos e como mandatos temporais, transformando-os em agentes políticos de segundo grau com especialização técnica, estando, desta maneira, sob o controle indireto dos cidadãos.

Se usarmos de toda a lucidez possível, perceberemos que o STF não passa de um balcão de negócios, um agrupamentos de pessoas de competência duvidosa e ligados por interesses inconfessáveis. As últimas decisões dessa confraria são verdadeiras agressões à Constituição, demonstrando que esses "juízes" constitucionais vestiram sem nenhum pudor a camisa partidária do PT, ou pior: de um grupo de delinquentes que governa o País. Nem se pode dizer que essa "corte" é bolivariana, fazendo-se uma comparação com o Tribunal venezuelano. É muito pior, pois  o tribunal venezuelano aparelhado pelo chavismo, até o presente momento não existe investigações judiciais que apontem que o governo é formado por criminosos, conspiradores insidiosos contra o erário público.

A decisão do Sr. Teori Zavascki e confirmada pelo Pleno, foi leviana, conspiratória, ferindo o Estado Democrático de Direito, pois não se pode afastar liminarmente um Presidente da Câmara de Deputados, mesmo o mesmo estando investigado, sob a frágil e maliciosa desculpa da excepcionalidade, uma vez que investigações sobre corrupção dos parlamentares nada é de excepcional, existindo um grande número de parlamentares investigados, dentre eles, o Senador Renan Calheiros e o Deputado Waldir Maranhão, o último, beneficiado por essa "inocente" decisão. Poder de cautela para a prevenção de atos da Presidência em relação ao processo de impeachment, depois de ter decorrido cinco meses desse pedido ao STF e com os fatos já consumados? Isso não é uma chicana dos conceitos jurídicos e um aviso apavorante que não mais existe segurança jurídica? Não é outra à conclusão do jurista Lenio Luiz Streck, em seu excelente artigo publicado na Conjur. (http://www.conjur.com.br/2016-mai-08/streck-supremo-usar-excepcionalidade-julgar-cunha)

O golpe dado pela "falsa corte" foi finalmente elucidado com a decisão do precário Presidente da Câmara, anulando o processo de impeachment. Alguém de bom senso pode ter dúvidas dessa armação efetuada pelos sicários do Sr. lula? Com exceção dos petistas corruptos e os clínicos que estão comemorando com o bordão "não vai ter golpe", acho que ninguém. A tentativa de golpe é clara e sob os auspícios de um arremedo tenebroso de Tribunal Constitucional. Resta saber se o Congresso Nacional vai se curvar perante esses "capachos de toga" que não possuem nenhuma legitimidade democrática, ou vai dar uma dura resposta, desconhecendo essas decisões que usurpam a vontade popular, advertido-os que podem responder por crime de responsabilidade, com a consequente perda dos seus cargos.

Entretanto, não se tomem como surpresa se o STF, impelido por pressões negociáveis, mantenha o procedimento de impeachment, uma vez que existem outros lances no tabuleiro de xadrez, como, por exemplo, a anulação da eleição da chapa Dilma/Temer pelo TSE. Assim sendo, quem será o Presidente? Ora, como ainda não decorreu o tempo para efetuar a eleição indireta pelo Congresso, o novo Presidente temporário será o Sr. Waldir Maranhão! No entanto, mesmo havendo um acidente de percurso e o Sr. Waldir não assumir, a linha sucessória é muito animadora para o lulismo, pois o Sr. Renan Calheiros  e o Ricardo Lewandowski compõem  um banco de reserva muito confiável. Transcorridos os noventas dias, uma nova eleição presidencial com urnas muito traquinas, vocês não imaginam que será o novo Presidente?

Quanto a mim, não vou mais perder meu precioso tempo argumentado sobre essas questões jurídicas, uma vez que não mais existe Estado Democrático de Direito, mas um convite para a luta nas ruas, um embate fático, local onde a democracia se refugia para ser a mãe da Revolução, da desobediência civil, da irmandade de todos que querem um Brasil melhor, sejam eles civis ou militares.

Não vamos deixar passar a hora de avançar, pois contra o crime, quando falecem as instituições, só existe o recurso da autodefesa. Bandido é bandido, e é assim que devemos tratá-los. 

Vamos à ruas por nossos ideais suprimidos, honrando às nossas lutas pretéritas, por toda a população sofrida do nosso País, e para para quem acredita em Deus, que Ele nos abençoe em nossa luta.



Ivan Bezerra de Sant Anna 


terça-feira, 3 de maio de 2016

Alucinadamente feliz

"Uma das melhores coisas que acontecem com os pais é perceber quanto os filhos são ao mesmo tempo nada parecidos conosco e completamente iguais".

Jenny Lawson

Talvez essa frase traduza o grande dilema não somente dos pais em relação aos filhos, mas de toda humanidade. Somos tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, iguais nos preceitos maiores que nos permitem afirmar com convicção a nossa existência em-si-e-para-si.

A autora, uma bipolar assumida, sofrendo constantemente os influxos de uma ansiedade profunda, assume as suas dores das descidas profundas e as alegrias alucinadas dos voos vertiginosos da mania. Em meio a esse badalar de um pêndulo de polaridades extremas, ela consegue uma lucidez ímpar, típica dos filhos de Lúcifer, o deus dionisíaco dos hebreus, posteriormente alcunhado injustamente como o Senhor das Trevas. 

Poucos se interrogam porque a palavra "lucidez" vem derivada de Lúcifer e fazem uma confusão danada com a palavra "conformismo", quando usualmente dizem: "amigo, vivo no real, sou lúcido, e sonho é para os loucos e sonhadores". Mal sabem eles que viver no Real é uma tarefa para poucos "malucos beleza" que conseguem enxergar a crueza contraditória da vida, a ausência de sentido e de transcendência, o ciclo da vida e a morte, o ato de viver como um milagre, a ser festejado nas festas dionisíacas.

E é isso que a autora faz: festeja as dores da vida com a efusa alegria mundana de Lúcifer, Dionísio e Oxum, três deuses de religiões dualistas ou politeístas que representam o Real. No entanto, essa vivência, mesmo festejada, é um perigoso convite à psicose, o aparecimento de um super-homem amoral, um Gita que é "a vela que acende e o dente do tubarão", um anjo vingador que saboreia as dores dos pequeninos. Talvez por isso é que certas doutrinas, professadas por  líderes salvacionistas, são embasadoras de genocídios grandiosos.

A autora percebe esse perigo e choca, desdenha, ironiza as verdades "normais" das pessoas "saudáveis", brincando com os paradoxos existenciais, cutucado-as com o agulhão da arraia socrática, como se dissesse a elas, "sejam malucas! Somente os loucos vivem a intensidade da vida. Não tenham medo! Ridículas são pessoas com medos ridículos".

A autora consegue captar o verdadeiro humor que provém da alegria e da dor, um riso maduro e pleno, uma fruta que cai ao acolhimento de um generoso solo, e não aquele riso verde, lacônico, enganoso e destrutivo, do qual falou Píndaro: "É precocemente, antes que esteja maduro, que, com o doce fruto do riso, eles despertam o idiota".

Entretanto, na minha modesta opinião, não concordo com a autora quanto a leve aceitação das suas idas e vindas das situações extremamente polares, movimento pendular disparado por gatilhos de condicionamentos inconscientes, como uma situação de cunho predominantemente  orgânico, a ser minimizado por medicamentos que não curam. Como filho de Prometeu, luto contra o determinismo , recusando-me aceitar os caprichos dos deuses, movidos por prepotências lúdicas. 

Estou consciente que algumas pessoas possuam uma sensibilidade muito maior que as demais, portanto estando sujeitas ao enfrentamento do dramatismo do Real. Mas não é somente a elevação  para o cume das alegrias maníacas - uma situação efêmera porque as tensões contraditórias  do Real sempre atrai para as raízes - que vai resolver satisfatoriamente esse ciclo doloroso, pelo qual o corpo sente e ressente.

Ouso dizer que a autora esqueceu de Apolo e seus sonhos. Para os gregos não era possível conviver com Dioníso sem uma  mão estendida para Apolo, pois como dizia Shakespeare, "os sonhos são os estofos da vida". Ante a crueza do Real, a vida precisa de um sentido e ele somente os sonhos performáticos podem dar. Talvez a verdade existencial seja a resultante dialética, sempre provisória, do confronto do Real com as construções performáticas. Assim, aplaudo  a heróica disposição da autora em ser alucinadamente feliz, tentando sair da extrema dor da lucidez depressiva com atitudes corajosas e contundentes das manias exuberantes. No entanto, as mudanças não podem ser somente carnavalescas, mas rotações  profundas de valores, muitos dos quais não foram questionados pela autora, por se encontrarem em sua constelação ideológica do individualismo possessivo e voluntarista.

Cultivo a suspeita que a saúde mental não é manter-se longe dos sonhos e fantasias, mas, ao contrário, vivencia-las com intensidade e prudência, com prazer e cuidado, descendo e subindo os degraus que ligam a impactante lucidez da depressão com os devaneios da mania criativa. Uma grande árvore onde a copa roça as paredes do céu deve possuir raízes profundas, diz, repetidamente em seus escritos, o psicólogo arquétipo James Hillman. Não se deve ter medo da depressão ou da euforia maníaca, pois são ciclos constantes do conhecimento e crescimento existencial. As fantasias sexuais mais contundentes não devem ser percebidas como taras, pecados, impurezas, mas como desejos de alguma persona interna que devem ser avaliadas com sensibilidade e prudência, levando-se em conta o texto e contexto, o desejo e o possível, o arrojo e a prudência, afinal, talvez "no escurinho do cinema" seja mais prazeroso e seguro. 

Em resumo, nos meus devaneios de psicólogo frustrado, tenho a impressão que "não existe pecado do lado do Equador", existe, isto sim, muitos valores arcaicos a serem banidos, muitas culpas sem purgação, pecados sem lastros, e nos casos de bipolaridade sem controle, a ausência central da persona facilitadora, arbitral, prognóstica e performática que é determinante para a manutenção desse determinismo cíclico. Mesmo ela existindo, mas enfraquecida, as associações, os condicionamentos, oriundos de registros passados mal compreendidos serão determinantes para acionar os terríveis gatilhos de uma depressão endógena. 

Resta uma pergunta: mesmo compreendendo tudo isso, como evitar os gatilhos? Que tal um bom psicólogo, que em vez das longas escutas e interpretações dos divãs, seja um dialogador democrático, um facilitar estratégico que não veja apenas um objeto de pesquisa a ser entendido e manipulado, mas uma pessoa falível  e frágil como ele? Tenho uma suspeita que a elaboração de ciclos bipolares controlados, o estímulo das fantasias criativas, com o tempo vão amortecendo os gatilhos inconscientes, da mesma maneira que olhamos nos olhos dos nossos fantasmas, sorrimos, sonhamos, eles acabam progressivamente desaparecendo. O que não mais assusta ou controla, sai de fininho do Pretérito Imperfeito, escorrega macio no Pretérito Perfeito e acaba bem guardadinho no Pretérito-Mais-Que-perfeito. Afinal, no começo tudo não é o Verbo?


Ivan Bezerra de Sant Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/


quarta-feira, 13 de abril de 2016

O que é golpe?

O que é golpe?



A palavra golpe, na sua acepção genérica, é todo movimento de ataque que tenta atingir o adversário, não havendo exame de valor no tocante a qualidade, se é bom ou ruim, por isso mesmo é que coloca-se um adjetivo para valora-lo, como, por exemplo, "um golpe baixo".

O problema é que a palavra golpe está sendo usada sem nenhuma preocupação conceitual, o que é perfeitamente aceitável a nível de panfleto politico que visa tão somente impulsionar as paixões das torcidas políticas. No entanto, usada por pessoas que se dizem intelectuais, versadas em sociologia política, é, no mínimo, um ato pragmático que depõe contra os preceitos essenciais da ciência. Que relativismo safado! Falta quase pouco para chegar o dia em que as palavras perderão a sua denotatividade e, como macacos, usaremos gestos mímicos para a comunicação. 

Afinal, o que é um golpe político? Uma revolução não é um golpe na estrutura simbólica-normativa de um País? Pelo que percebo, para os intelectuais petistas que sempre foram cultuadores das práticas revolucionárias, golpe é uma revolução efetuada por forças reacionárias. No entanto, se tento afirmar tal heresia, logo aparecerão vozes em uníssono afirmando que a revolução é feita com o povo, liderara por civis, enquanto o golpe seria uma conspiração das elites, quase sempre lideradas por militares.

Como me filio ao argumento que a Democracia sempre está nas ruas e as revoluções sempre serão uma promessa frente à imobilidade do processo de mudanças, é meu dever refletir com mais profundidade sobre as possíveis diferenças entre golpes e revoluções. Rebuscando a história, verifico que a gloriosa revolução francesa, apesar do amplo apoio popular, - apoio participativo ou passivo por indignação -  foi de fundamental importância a participação das forças militares do General Lafayette, bem como de outras unidades militares, na deposição do Rei Luís XVI e posteriormente a destruição do Estado monárquico. 

A Revolução russa de 1917 foi deflagrada pelos comandados de Lenin, apoiados por forças militares dissidentes e por um pequeno agrupamento de operários, já que a imensa população russa era camponesa, alheia aos acontecimentos políticos. Apesar do pouco apoio popular e da necessária ajuda dos militares, louvo a Revolução de Outubro como um dos marcos progressistas da história, e se posteriormente apareceu o terror estalinista, essa constatação não desmerece o processo revolucionário russo, tanto quanto o terror das guilhotinas francesas não ensurdeceram o glorioso canto da Marselheisa. 

A Revolução dos Cravos de Abril foi um movimento militar dos capitães, organizado pelo PCP do camarada Alvaro Cunhal, apoiado por grupos de populares, mas que teve uma importância crucial na democratização de Portugal. Vocês ficam imaginando que se um petista estivesse em Portugal, nessa época, possivelmente diria que o movimento dos militares foi um golpe contra o Presidente civil, o grande jurista Marcelo Caetano, sucessor de outro Presidente civil, colocado e mantido por militares, o Sr. Oliveira Salazar.  É razoável fazer essa suposição, pois se os petistas dizem hoje que o uso de um instrumento constitucional, o impeachment, é um golpe, o que não diriam de um grupo de capitães, uma quartelada, marchando para derrubar um presidente eleito? Afinal, uma eleição protegida pelas baionetas não difere muito de uma eleição de votos comprados  de uma população carente. Tapeação e tacape não são os dois lados da mesma moeda?

Lamento decepciona-los, caros leitores, mas os petistas louvaram a Revolução de Abril, mesmo sendo uma quartelada de militares, como sempre aplaudiram todas as participações dos militares ao longo da nossa história, com exceção do movimento militar de 1964, e como sou um dialético, estou em sintonia com a tese do bom petismo. Se hoje eles chamam o impeachment de golpe - não era quando várias vezes peticionaram contra o Presidente Cardoso -, comparam os amplos movimentos das ruas atuais com as uniformes e preparadas marchas "pela família e propriedade", afirmam ou sugerem que qualquer participação dos militares é reacionária, é porque querem preservar o que conquistaram, e nesse País ninguém abre mão da rapadura.

Essas comparações históricas que os petistas fazem são pragmáticas, com um grande teor de oportunismo e descoladas da verdade histórica. O Sr. Lula não é Getulio Vargas, pois com todos os seus defeitos de ditador cruel, não era um oportunista, arrivista e ladrão. A senhora Presidente Dilma está longe de ser um João Goulart, um homem honesto e justo que pensava em um Brasil grande e não em um País dilapidado, comandado por uma quadrilha de malfeitores. E por pensar em grandes reformas, o Sr. Jango foi expulso por militares reacionários, estimulados pelas elites civis poderosas, em nome de uma guerra fria, estimulada pelo Departamento de Estado dos EUA. Se a senhora Presidente for expulsa da Presidência, não vai ser por tentar grandes reformas e por ser esquerdista, mas, no mínimo, por ter sido irresponsável e deixar que a quadrilha comandada por Lula destruísse as esperanças  da Nação brasileira.

Afinal, qual a diferença entre golpe e revolução? Deixando de lado o pragmatismo petista, a estranha dialética onde um conceito se transforma em outro pelo arbítrio da vontade oportunista, diria que uma revolução é um movimento que transforma a sociedade, no sentido de ampliar os direitos individuais, sociais e coletivos, envolvendo-a com o manto da solidariedade. Pouco importa quem a faz, se militares, civis, ou um grupo de revolucionários, assim como se o processo vai se efetivar por organismo processuais-normativos ou pela as forças das ruas, pois o resultado, o julgamento do tribunal da história  sempre será pós, e como disse Hegel, ao anoitecer, no tempo noturno, onde voa a coruja da sabedoria.

Falando sobre esse problemático assunto com o amigo Zé do Mercado, o meu confidente filosófico, ouvi uma curiosa observação:

"Concordo com os petistas com o 'nunca mais'  ao movimento militar de 1964, no entanto, por que não pensar em um Movimento do tipo Revolução dos Cravos para o estabelecimento de um governo provisório, convocando uma verdadeira Assembleia Constituinte e logo após as eleições gerais? Acho que essa proposta de antecipar as eleições presidenciais sem a devida reforma do Estado é um golpe continuísta das elites corruptas".

Ivan Bezerra de Sant Anna 



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domingo, 3 de abril de 2016

A guerra dos grampos

A guerra dos grampos



Grampo, golpe, revolução, usurpação, atentado, são palavras, dentre muitas, que assumem garbosamente locais privilegiados nas trincheiras nessa guerra sem glória e dignidade. Não há respeito algum aos princípios lógicos de uma interpretação digna e razoável, mas um cipoal de frases feitas, lançadas como petardos panfletários, arremessadas pelos desvairos pragmáticos, alicerçados por silogismos capengas que fariam o sofista Protágoras se remoer de indignação na sua última morada. 

O alvo dessa guerra estúpida é o Juiz Sérgio Moro, um magistrado que com erros e acertos, conseguiu dar alguns passos na conquista na legitimidade judicial, uma instituição tão desacreditada aos olhos da população que se cansou de ver a lei ser desrespeitada, inclusive pelas trapalhadas de um órgão constitucional que deveria zelar pela ordem jurídica e não por interesses escusos. Não é de agora que as pessoas sabem que o Estado brasileiro nunca foi de Direito, mas uma farsa institucional baseada em normas manipuladas, interpretadas em favor dos ricos e poderosos, tal como um camaleão que muda de cor pelo medo e ambiente. 

Uma certa vez, como advogado da Pastoral da Terra, discutindo sobre a Democracia e Direito, em um determinado Sindicato rural, fui brindado por uma bela observação de um arguto trabalhador rural: "Sabe, companheiro advogado, Estado de Direito Democrático é quando o povo faz as leis e elas são aplicadas pelos tribunais da forma que fizemos. Quando eles não cumprem a lei ou mudam ela para agradar fulano ou beltrano, o que existe é um Estado da Safadeza".

Essa lembrança me faz pensar e repensar: em nosso País existe esse tal de Estado Democrático de Direito ou tudo isso é uma bela farsa comandada pelo STF que legisla atendendo os interesses dos grupos do Poder? Não deixa de ser cômico quando um Juiz ousa aplicar a lei contra os poderosos - em sintonia com o verdadeiro conceito de Estado de Direito - e os ministros do STF tacha-o de usurpador das garantias legais. O povo que não é bobo, ironiza: "coitadinhos, o Juiz usurpou o inalienável  Direito de roubar!"

No entanto, vamos analisar uma questão de real importância: onde termina um conflito interpretativo legal ou constitucional, e começa a usurpação desrespeitosa do sistema normativo? Apesar de ser uma questão da maior importância republicana, quase sempre os limites são difusos e imprecisos, necessitando um criterioso parâmetro metodológico para erigir as muralhas de contenção. Poderia se dizer que um Juiz Constitucional que não respeita à literalidade da norma, o seu núcleo duro, estaria atentando contra o Estado de Direito, como, por exemplo,  quando diz que o Senado pode efetuar admissibilidade do pedido de impeachment, mesmo estando claro na Constituição que esse exame é prerrogativa exclusiva da Câmara de Deputados? Ou quando outro Juiz constitucional dar prerrogativa de foro especial a um ex-presidente, não está atentando contra a Constituição? Estariam eles interpretando a norma ou inovando? 

E a questão dos grampos autorizados pelo Juiz Moro passeia pela estrada amena da interpretação ou pelo mar bravio da usurpação? Poderia o Juiz grampear uma ligação telefônica da Presidente da República, uma vez que ela tem foro privilegiado? A quebra desse sigilo é um crime previsto pela Lei nº 9.296/96? Foi abusiva a condução coercitiva do Sr. Lula da Silva ou o ex-presidente se acha uma pessoa acima da lei?

Todos as pessoas sabem que o Sr. Lula da Silva faz pouco caso da Justiça, porque ele acha que está acima da lei, bastando ouvir as suas declarações em palanques para constatar essa afirmação. Pela informação do oficial de justiça e do Delegado, o referido senhor não obedeceu a ordem judicial, dizendo impropérios aos policiais, e já estando previsto no mandado a condução coercitiva em caso de desobediência, o mesmo foi cumprido. Como se percebe, não houve violação à norma legal, no máximo, divergências de alegações entre a autoridade policial e o Sr. lula.

Quanto aos grampos, esse instrumento de investigação é previsto na Constituição e na Lei nº 9.296/96, devendo o magistrado efetuar o exame de admissibilidade, nos casos previstos em lei. Pelos indícios subtraídos nos depoimentos das delações premiadas e de outros documentos, o senhor Juiz entendeu ser necessário  o uso da interceptação telefônica. Jamais o magistrado ordenou o grampeamento do telefone da Sra. Presidente, no entanto, entre as gravações estavam algumas do Sr. Lula com a Presidente.

Ora, um dos maiores princípios de uma república é a publicidade dos atos processuais, pois em uma Democracia, a população não pode ser subtraída dessas informações, com exceção dos casos meramente particulares que envolvam a moral dos disputantes, ou em casos em que o sigilo deva proteger o bom andamento das investigações. Para essa finalidade, o art. 8º e o art. 10º da lei 9.296/96, estabelece o sigilo e suas penalidades por seu descumprimento, evitando que os advogados da parte investigada tenham acesso às informações e tentem obstruir as investigações. O sigilo não protege a parte investigada, mas o Estado.

Acrescento, ainda, que não existe nenhum dispositivo constitucional que proteja o sigilo dos atos administrativos da Presidência, principalmente os atos privados de conversação telefônica. Os únicos atos que podem ser encobertados pelo sigilo, como existem em outros países de democracia avançada, são os atos considerados de valor estratégico da segurança nacional, sendo interpretados restritivamente. 

O que o Sr. Juiz iria fazer? O que não deixaram ele fazer por precipitação do STF: se entendesse que havia indícios da prática de um crime por parte da Sra. Presidente, iria remeter essas gravações específicas para o Sr. Procurador-Geral da República para análise de admissibilidade e posterior ação penal, se julgasse possível. Caberia ao Supremo Tribunal analisar a denúncia e a legalidade das provas apresentadas, recebendo ou não a denúncia, no entanto, jamais fazer exame prévio de admissibilidade das provas e remeter ao Sr. Procurador-Geral, pois isso é colocar o carro na frente dos bois, e o STF não é Juizado de Instrução, instituto inexistente em nosso sistema jurídico.

É evidente que se a Presidente fosse o alvo da interceptação telefônica, o pedido deveria ser para STF, o Juízo competente para a ação  penal. Entretanto, o investigado foi o Sr. Lula, portanto a competência  é do Juiz Moro. Havendo um encontro fortuito de provas - a conversa que apareceu da Presidente com o Sr. Lula -, e existindo conexão ou continência entre ambas (Art. 76 do CPC), a prova secundaria é válida ou não?  Segundo a maioria dos doutrinadores penais, em seus livros doutrinários, a resposta é afirmativa, bem como nos julgados  do STJ e do STF. Qual a violação legal que levaria a hipótese da invalidade da prova colhida pelo Juiz Moro? A do foro privilegiado? Ora,  segunda à literalidade do artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, o STF é competente para "processar e julgar" a Presidente em crimes comuns, não mencionando a fase investigatória. Se existe um Procurador que atua no STF - o Procurador-Geral da República - não conheço uma polícia de investigação especializada nos feitos criminais do Supremo. Assim, a mesma polícia que investigou e produziu a prova secundária, seria a mesma polícia que investigaria a pedido do Procurador-Geral, não havendo, dessa maneira, nenhum vício material que maculasse a prova. 

Em resumo, mesmo não sendo competente para deferir pedidos de interceptação telefônica de pessoas com foro privilegiado, o Juiz Moro deferiu o pedido na investigação do Sr. Lula, aparecendo posteriormente uma prova fortuita em conexão ao crime investigado, prova essa que não foi produzida por violação normativa, mas por aparecimento fortuito, portanto, totalmente válida, apta a ser usada pelo Sr. Procurador-Geral da República. Qualquer outra interpretação que negue a validade dessa prova é transpor perigosamente o limite entre a interpretação e a usurpação, constituindo, dessa forma, em uma grave violação do Estado Democrático de Direito.

Agora, dar foro privilegiado a um ex-presidente, não é somente uma lesão ao Estado Democrático de Direito, mas uma cretinice rasteira e subserviente que soterra cada vez mais a credibilidade e legitimidade do Supremo Tribunal Federal.

É as intrusões ilegais efetuadas pela ABIN, não são  atos que ferem profundamente o Estado Democrático de Direito? E que o STF e os juristas, advogados do lulismo têm a dizer?  

Ivan Bezerra de Sant Anna



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quinta-feira, 31 de março de 2016

Lembranças de Abril

Lembranças de Abril


 

As cores de Abril, esse mosaico de uma aquarela difusa como uma pintura abstrata em busca de um autor, são modeladas ao gosto de interesses e ideologias diversas, oscilando vertiginosamente na linha do tempo entre um passado imperfeito, um presente desfeito, um futuro de perfeita névoa. 

Ah, Abril dos sonhos idílicos, dos horrores que persistem, dos amores impossíveis. Abril que nasceram os ditadores Adolf Hitler, Luiz Bonaparte, Getulio Vargas, ou Thomás Jefferson, Leonardo da Vinci, Charles Chaplin, William Shakespeare? Abril da descoberta de uma posse, um Brasil nunca descoberto? Abril dos militares da Revolução Democrática dos Cravos, das legiões infantes comandadas Joaquim da Silva Xavier - o Alferes Tiradentes - ou dos militares reacionários comandados pelo General Castelo Branco?

São muitas recordações e sonhos desfeitos nesse Abril, que em um singular episódio, percebi a perfídia de certos líderes políticos que se aproveitam das lutas populares para pavimentar o torpe caminho dos seus reais interesses. Foi em um Abril lamentável que o Sr. Jackson Barreto pediu a minha devolução da Câmara de Vereadores para a EMURB, empresa que era advogado e tinha sido Chefe da Assessoria Jurídica por alguns anos. Pensei: "mesmo tendo desavenças políticas com o Sr. Prefeito, acho que por um passado de lutas, ele quer minha contribuição técnica". Ledo engano! Ao voltar, percebi que não existia nenhuma mesa para que pudesse realizar meu trabalho, sendo informado pela atual Assessora que iria colocar uma cadeira no corredor para mim. Imaginem essa cena que montaram com requintes de crueldade, visando a minha desmoralização. Protestei, e como prêmio para minha revolta, fui transferido para a garagem da empresa sem direito a uma cadeira! Mas o ódio, a perseguição horrenda ainda não tinha alcançado o sua ribalta grandiosa. Ela chegou acompanhada de um capanga ideológico do Sr. Jackson, alcunhado de Chudo, que foi nomeado Presidente apenas por breves dias, para efetuar a minha demissão e de mais de 35 funcionários que participaram da fundação da Associação Trabalhista da Emurb. 

Ah, as cores de Abril escondem as negritudes de um presente que insiste na mentira enganosa, evitando um mergulho às raízes profundas dos reais problemas do Brasil. Não precisa muito esforço para perceber que o patriarcalismo possessivo e corrupto, o autoritarismo e o populismo são essas chagas perversas que sempre destruíram o tecido social saudável que insistentemente ousa nascer. As únicas revoluções que conhecemos se plasmaram na linguagem e não em uma práxis construtiva. República Nova, Nova República, são mudanças apenas na ordem do adjetivo, mantendo intactas as relações oligárquicas, uma falsa República sem a gloriosa La Marseillaise, "um mudar para que nada mude", como atestava Lampedusa, referindo-se à triste história italiana.

Não importa a "cara de pau" do Sr. Jackson Barreto ao depor perante à Comissão Verdade, fazendo-se de vítima perseguida pela Ditadura Militar, quando se sabe que ele nunca foi preso ou perseguido. Ao contrário, graças ao período negro que foi submetido o País, ele soube muito bem tirar proveito da situação, representando o seu papel favorito: o de Salvador da Pátria. E quantos pilantras se aproveitaram do sofrimento do povo brasileiro, planejando habilidosamente os seus intentos secretos de Poder? Será que ele vai explicar, em nome da verdade, como ficou "bem de vida", quando viu nas poucas árvores das praças aracajuanas, uma floresta amazônica a ser cortada? Ou por quanto se vendeu ao Sr. Albano Franco? Poderia explicar, por exemplo, o que fez com os quinze milhões que recebeu de Lula, duas semanas antes do pleito eleitoral que reelegeu Marcelo Deda, não é verdade? Quem sabe não explique a falência do seu governo, atrasando salários até dos professores da sua aliada Deputada Ana Lúcia? Não, ele nada vai dizer sobre isso, vai apenas fazer cara de choro e denunciar um golpe contra a democracia que, segundo o seu entendimento, é uma simples palavra sem alcance substancial, um vernáculo alicerçado pela compra de votos, pelo aparelhamento dos tribunais superiores e por aliciamentos pecaminosos. Sua lógica é de uma simplicidade aterradora: golpe é tudo aquilo que venha questionar essa quadrilha que está no Poder, mesmo que seu chefe se dê ao desplante de furtar talheres de ouro, baixelas de prata, crucifixo  - coisas que faz um um ladrão de quinta categoria -, pois como diz Zé do Mercado, "quem rouba um santo é capaz de qualquer coisa".

Esses falsos choramingos para uma Comissão Verdade que nasceu para não ser verdadeira, mas para ser usada como um instrumento que assuste aos que vão às ruas buscando a verdadeira democracia. O real objetivo dessa Comissão não é questionar as causas profundas que levaram ao golpe militar de 1964, as raízes que datam da ditadura Vargas que em nada se diferenciou dos militares de 64, igual até o nacionalismo "ame ou deixe-o". Quem mais torturou ou matou comunistas? Garanto que é um disputa dura, pois entre o Sr. Filinto Muller e o Sr. Fleury, a competição é acirrada. E quanto aos civis que planejaram com os militares e o Departamento de Estado dos EUA, ou aqueles que aderiram ao golpe por oportunismo, como foi o caso do Sr. Juscelino, Ulisses Guimarães e tantos outros que viam da deposição do Presidente Jango um fácil caminho para as eleições Presidenciais de 1965? 

Essas coisas não podem ser ditas na Comissão Verdade, pois como se vai explicar toda essa elite que participou da Ditadura militar no Governo Lula? Como se pode entender a participação do Sr. José Alencar na vice-presidência, uma vez que ele e tantos outros empresários, financiava as operações terroristas e paramilitares do Delegado Fleury, chegando ao desplante de assistir às sessões de tortura? Talvez agora esteja explicado porque essa Comissão nasceu tardiamente, depois do governo Lula, quando as ruas questionavam a corrupção, o patrimonialismo feroz dos políticos, insatisfeitas com essa "democracia do dinheiro".

A Democracia, como assim emergiu  na Grécia, nasce e vive nas ruas. Se os acordos normativos são ilusórios e não atendem às demandas populares, a Democracia se retira do palácio das normas e se instala ferozmente nas ruas, onde sonhos idílicos se confrontam com o terror das demandas irreconciliáveis, um denso Real de esperanças e traumas. 

Nunca temi os militares nas ruas irmanados com o povo, pois seria negar o papel progressistas dos militares na Inconfidência Mineira do Alferes Tiradentes, no grito do Ipiranga, na deposição de D. Pedro I, na proclamação da República, no tenentismo da Coluna Prestes, na deposição do ditador Vargas, no corajoso comando do Marechal Lott em defesa da legalidade. Temo, isto sim, os militares irmanados com as elites corruptas, subjugados pela corrupção, defendendo uma farsa democrática custeada pelo suborno e pelo populismo autoritário, esquecendo-se do grandioso papel histórico em todas as verdadeiras revoluções, inclusive a Revolução democrática dos Capitães de Abril em Portugal.

Se as urnas são falseadas, os políticos são comprados, a Corte Constitucional é covil de corruptos, o Estado de Direito Democrático é sinônimo de Estado Pragmático de Interesses,  que falem as ruas!



Ivan Bezerra de Sant' Anna


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domingo, 20 de março de 2016

Marx comenta

De onde vem a corrupção?    Tá reclamando do Lula, ladrão?  
Dos corruptos, Fernando Henrique, Aécio, Cunha, Dilma, Arruda, Sarney, Collor, Renan, Palocci, 
Delubio, Roseanne Sarney, Jucá, 
Kassab, Dos mais 300 picaretas do Congresso?

Brasileiro Reclama de Quê?

O Brasileiro é assim:

1. - Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.

2. - Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas.

3. - Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.

4. - Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, e até dentadura.

5. - Fala no celular enquanto dirige.

6. -Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.

7. - Pára em filas duplas, triplas em frente às escolas.

8. - Viola a lei do silêncio.

9. - Dirige após consumir bebida alcoólica.

10. - Fura filas  nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas.

11. - Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas.

12. - Pega atestados médicos    sem estar doente, só para faltar ao trabalho.

13. - Faz  " gato "  de luz, de água e de tv a cabo.

14. - Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado, muitas vezes irrisórios, só para pagar menos impostos.

15. - Compra recibo para abater na declaração do imposto de renda para pagar menos imposto.

16. - Muda a cor da pele para ingressar na universidade através do sistema de cotas.

17. - Quando viaja a serviço   pela empresa, se o almoço custou 10 pede nota fiscal de 20.

18. - Comercializa objetos doados nessas campanhas de catástrofes.

19. - Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.

20. - Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se fosse pouco rodado.

21. - Compra produtos pirata com a plena consciência de que são piratas.

22. - Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.

23. - Diminui a idade do filho para que este passe por baixo da roleta do ônibus, sem pagar passagem.

24. - Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.

25. - Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.

26. - Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis.... Como se isso não fosse roubo.

27. - Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das empresas onde trabalha.

28. - Falsifica tudo, tudo mesmo... Só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado.

29. - Quando volta do exterior, nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem.

30. - Quando encontra algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolve.

E quer que os políticos sejam honestos...

Escandaliza- se com a farra das passagens aéreas...

Esses políticos que aí estão saíram do meio desse mesmo povo ou não?

Brasileiro reclama de quê, afinal?

E é a mais pura verdade, isso que é o pior! Então sugiro adotarmos uma mudança de comportamento, começando por nós mesmos, onde for necessário!

Vamos dar o bom exemplo!

Espalhe essa idéia!

Agora, como penitência, em vez de rezar 300 "Ave Maria" e 200 "Pai Nosso", comece mudar suas atitudes, seja solidário, pratique a desobediência  civil, ajude a fechar essa casa de tolerância que é o STF, vá para as ruas pedir uma verdadeira Assembléia Constituinte,  e deixe de ser um calhorda oportunista.

"Fala-se tanto da necessidade de deixar um planeta melhor para os nossos filhos e esquece-se da urgência de deixarmos filhos
 melhores (educados, honestos, dignos, éticos, responsáveis) para o nosso planeta, através dos nossos exemplos..."

quinta-feira, 17 de março de 2016

Saudades da praça

Saudades da praça.

Como dizia uma simplória música do tempo do Zé Rollete, "hoje eu acordei com saudade de você", meu amigo Karl Marx. Talvez essa saudade aguda tenha sido por causa do sonho em que você me falava algumas coisas, como se quisesse que eu fosse seu canal de comunicação com os vivos, dentre muitos outros. Ora, meu caro amigo, um sonho é um sonho e nada mais, pois assim penso. Um sonho premonitório, mediúnico? Sabe, amigo, não sou um homem afeito a essas coisas do além, e pelo que me consta, você também. Jamais me imaginei representando um papel de profeta ou mesmo de  sub-profeta, revelando as palavras divinas, pois sempre desconfiei  que essas palavras poderiam ser minhas, usadas como recurso da minha vilania manhosa ou, na melhor das hipóteses, um surto intermitente de esquizofrenia. 

No entanto, meu caro filosofo, não sou um homem que desconhece os avanços da ciência parapsicológica, dando-me ao prazer do benefício da dúvida, esse instituto grandioso, solenemente homenageado por Sócrates, a eterna gênese da Filosofia. Assim, vou levar a público todos os sonhos em que me revela alguma coisa, mesmo enfatizando que os sonhos são apenas sonhos. Darei o pretensioso título de "Marx comenta" com o intuito mexer com as cabeças dogmáticas ou cínicas, uma espécie de choque com o agulhão da arraia, esperançoso com o aparecimento da maiêutica, a parteira do conhecimento.

Um abraço fraterno, caro amigo.

Ivan Bezerra de Sant Anna


sábado, 20 de fevereiro de 2016

Vá em paz, Mestre

É um dos casos que podemos afirmar que a personalidade empírica se extingue, mas fica a personalidade artística, irretocável e de singularidade única. Umberto Eco foi um pensador profundo, um estudioso em semiologia, sempre apresentando ideias inovadoras que levavam à reflexão aos sinuosos caminhos da interpretação. Entre suas muitas obras, destaco a instigante viaje aos meandros das intrincadas antinomias kantianas, em sua portentosa obra, Kant e o ornitorrinco, onde passeia com brilho e inteligência sobre as estruturas formais do conhecimento na apreensão dos fenômenos em tensão dialética com o experimental e o performático.

Se na literatura não foi um Dostoiévski ,  Lev Tolstói, Balzac, Thomás Mann, Cervantes, Goethe, Shakespeare, Gabriel Garcia Lorca, Machado de Assis e outros tantos, no entanto, com o seu maravilhoso romance, O Nome da Rosa, galgou os degraus do Panteão dos gênios. Uma obra filosófica, histórica, semiótica, tecida por um enredo brilhante, se torna nas mãos modeladoras e criativas de Eco, um gostoso passeio pelas diversas camadas de significações, um delicioso romance policial da idade média, uma busca pelo labirinto da biblioteca guardada pelo cego Borges que termina com uma bela surpresa: um livro sobre o humor irônico de Aristoteles, talvez o mais subversivo livro já escrito, capaz de destruir as verdades pretensamente imutáveis.

Vá em paz, mestre, pois você cumpriu com maestria e dignidade o desafio de uma vida autêntica.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Pobre Carnaval...

Pobre Carnaval... 



Virou moda em nosso País, a demonização das festividades carnavalescas, transformando-as em um corretivo cautelar para todas as mazelas dos nossos prestimosos administradores. Depois de passarem o ano gastando irresponsavelmente, financiando vaquejadas e festas de Padroeiras, em alguns casos, desviando os recursos públicos para os seus bolsos, exclamam,  para os aplausos dos incautos: "não vamos gastar o dinheiro público nas festas do Momo, pois estamos falidos". Aplausos, aplausos e aplausos! "Que político sensato", dizem as massas, extasiadas pela brisa amena do populismo que esconde com eficácia as causas da penúria administrativa.

Certos ou não, os administradores municipais podem exercer esse processo de escolha pelos critérios de conveniência e oportunidade, elementos conceituais de exclusiva competência do Poder executivo. Creio que na maioria dos casos, essa escolha de não realizar gastos de festas é positivamente correta, excetuando-se os casos em que a desculpa de pagar gastos essenciais é apenas um biombo para esconder as reais intenções, como pagar empreiteiros, por exemplo. Seja de uma forma ou de outra, essa decisão é de exclusiva competência do administrador, não podendo haver interferências externas, mesmo eivadas das melhores intenções e do mais alto sentimento de justiça, pois somente o povo pode julgar o administrador, quando investido das suas funções de escolha política.

Seguindo esse percurso democrático, aplausos para a Juíza Ana Bernadete que cassou uma liminar de um juiz que impôs  restrições à realização do festejo do Rasgadinho. A motivação decisória da juíza é irreparável, bem articulada, e enfatizando o respeito à separação dos poderes, não bem observada pelo apressado magistrado, ansioso para pegar carona nessa populista competição momodestrutiva.

Já a decisão do Presidente do TCE, apesar das suas boas intenções, foi altamente desastrosa, violando o princípio da separação dos poderes. Ora, as administrações municipais estão em dívidas com os servidores da Educação? Tudo bem! Então vamos saber as causas desses terríveis delitos. Os Prefeitos estavam reservando os recursos exigidos pela Constituição para a Educação? Não estavam? Então caberia ao TCE tomar medidas eficazes para apurar responsabilidades, restaurando o fluxo financeiro, com a consequente punição dos culpados. Se haviam desvios de recursos públicos para serviços e obras fantasmas, deveriam os técnicos auditores do TCE ter apontado tais irregularidades, para que fossem sanadas na época em que aconteceram. Fizeram isso? A resposta é óbvia, pois os casos dos desvios dos recursos públicos da merenda escolar é um claro exemplo dessa inatividade do TCE, recheado de técnicos, auditores e conselheiros. Afinal, para que serve o TCE com sua inchada estrutura administrativa? Um Tribunal de "faz de conta", como dizia o Sr. Jackson Barreto? 

Acredito que a indignação do Presidente seja justa, frente a imoral inadimplência dos administradores municipais, no tocante ao pagamento dos salários dos servidores da Educação. No entanto, sua decisão extrapola as suas atribuições constitucionais, subsumindo-se na figura do administrador para realizar opções administrativas. Uma vez que os gastos com a festa carnavalesca estava autorizada no orçamento público, com rubrica própria, e a nossa Constituição Federal não estabelece hierarquia dos pagamentos dos gastos públicos, não poderia o Presidente do TCE ordenar uma preferência subjetiva, por ser essa atribuição de intransferível competência do administrador, e se ao contrário for, a usurpação democrática se faz presente. 

Se não bastassem essas considerações, ainda tem o fato de ser uma decisão monocrática por via cautelar. Um verdadeiro absurdo lógico, pois toda verdadeira cautelar ao tentar preservar um interesse, por outro lado, garante a reversibilidade do outro interesse paralisado, para que o posterior julgamento colegiado não passe de uma mera farsa. Apesar do eufemismo, o Sr. Presidente efetuou um julgamento definitivo da questão - ou será que podemos fazer a festa de Carnaval em outro mês? - subsumindo-se em decisor  colegiado e sentando-se na cadeira do administrador municipal.

Boas intenções não bastam, Sr. Presidente, pois o inferno está cheio de pessoas de boas intenções, e os ditadores sempre percorreram esse caminho, como pais prestimosos que zelam pelo bem-estar dos seus filhotes revoltados. O secular problema desse País é a quase ausência dos valores republicanos, o vivenciamento  de um esquizofrênico conceito democrático, uma crença nefasta  que as demandas populares podem ser atendidas por pessoas esclarecidas de mãos cuidadosas, mas que, às vezes, ostentam o tacape disciplinador. Portanto, um pouco de humildade e cultura democrática não faz mal a ninguém, assim como um bom caldo de galinha. Sabe qual é a suprema ironia dessa história, Sr. Presidente? Se os moradores desses municípios não vão ter "o direito a uma alegria fugaz/ Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval", o TCE vive a plena euforia do Carnaval, em um bloco onde palhaços e Reis trocam de papéis

Ivan Bezerra de Sant' Anna


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domingo, 24 de janeiro de 2016

Democracia?

Democracia? 




Não consigo me afastar da perplexidade toda vez que leio algo publicado pela OAB. Incrível, mas é a pura verdade! Ausência de conhecimentos conceituais adequados ou puro oportunismo é uma escolha de difícil escolha, uma vez que essas teses são ponderáveis e razoáveis. Às vezes penso que esses Data Vênias sofrem de uma patologia bipolar, o que discorda veementemente o amigo Zé do Mercado, fuzilando: "É safadeza mesmo!"

Ouso discordar do amigo, pois acredito que a rigidez cognitiva, associada a um insuficiente depósito de conhecimentos são elementos explicativos para esses textos que beiram a uma idiotice delirante. Especificamente, posso afirmar: a quase total ausência de conhecimentos de conceitos específicos da sociologia política e das teorias democráticas, levam os nosso espertos advogados mergulharem em águas turvas dos princípios platônicos, esvaziados das concretas relações criadoras do Poder. Infelizmente, a maioria dos teóricos jurídicos atuais, centram-se na vertente do platonismo autoritário e elitista, levando às águas do esquecimento ou colocando sob parênteses, toda a teoria democrática da construção do Poder.

Quando o grupo de Gravatas Azuis, a tropa de elite do lulismo, diz que a obrigatoriedade da participação do advogado nas investigações policiais é uma conquista democrática, comete duas grandes heresias conceituais. A primeira é a confusão entre a Democracia, que é um processo de construção do Poder pela participação do cidadão, com as liberdades e direitos civis conquistados. Ora, as liberdades civis se originam das lutas e demandas das ruas que podem ser sancionadas por processos democráticos simbólicos-normativos ou por poderes oligárquicos esclarecidos. A Democracia é um processo construtor de demandas que pode estar nos confrontos livres das ruas ou nos processos institucionais existentes.   Apesar de estarem, na maioria das vezes, tencionadas dialeticamente, a Democracia e as liberdades civis são separadas de forma factual e conceitual, sendo conveniente não confundi-las. Não seria um exercício de um sofisma perigoso afirmar que os advogados representam a população em uma investigação policial? Pelo que sei, essa representação popular é dada ao Ministério Público, mediada pelo Estado, quando o meirinho anuncia: "O Estado contra fulano de tal". Será que estou equivocado?

Essa inovação, criada pelo paroxismo esquizofrênico "ser e não ser", é mais uma das criações centradas no individualismo elitista, visando criar obstáculos que impeçam  uma eficiente investigação policial, possibilitando inúmeros vazamentos de importantes informações policiais que deveriam estar encobertadas pelo sigilo até a fase judicial. Na Itália, para melhor eficácia das investigações contra grupos poderosos, o Juiz de Instrução pode declarar isolamento total, mantendo os policiais investidos na investigação em total isolamento, pois se assim não for, todo o processo de investigação será totalmente comprometido, e quem ganhará com isso, o indivíduo malfeitor ou a população? A resposta é óbvia, não acham?

Enquanto isso, no País do Carnaval, onde malandros e heróis se confundem, os dados da corrupção do BNDES estão mantidos em sigilo, sob a alegação de segredo de Estado, enquanto os Gravatas Azuis da OAB inexplicavelmente se calam. Parece que para esses Data-Vênias, o que é democrático deve ser algo conveniente para os seus clientes. São como pássaros: por vezes, um avestruz com a cabeça enfiada em um buraco; por outras, um pombo correio dos seus clientes de comportamentos inconfessáveis.

E como ficam a população e a Democracia? Esquecidas, roubadas, vilipendiadas, humilhadas por elites protegidas por Data-Vênias "democráticos".

Ivan Bezerra de Sant Anna


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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Os Tamoios nunca morrem

Os Tamoios nunca morrem 




Ah, filha, quantos sonhos ficaram ao longo do caminho, pisoteados pelo egoísmo intolerante, pela mistificação enganosa, por crenças que nada crêem, onde os seus altares são os seus próprios umbigos. As palavras vibrantes de entusiasmos mudancistas, o sangue derramado, punhos corajosos altaneiros, são lembranças desfeitas, perdidas ao longo da linha do tempo, tais como folhas murchas de uma Palmeira sobrevivente que sobrevoam um manancial de areias infinitas.

Era ainda criança quando as forças do egoísmo e da intolerância, pisotearam a frágil e esquizofrênica Democracia que nascera após o longo reinado do ditador de São Borgia, tutelado por militares reacionários. A época dos militares irmanados com o povo, os que ajudaram na proclamação da independência, na posterior deposição de D. Pedro I, do Tenentismo popular, tinha cessado. Começara o tempo das espadas juramentadas a serviço dos dos sacerdotes do egoísmo, dos populistas autoritários e do voraz Capital que engole os seus criadores, transformado-os em mercadorias recicladas.

Era uma época sombria onde o medo reinava imperial, e que o manto negro da noite, com seus ruídos sinistros, encobria os gritos lancinante dos torturados e os lamentos dos mortos sem tumba. Tempos de Partidos e de homens partidos, disse profeticamente o poeta Drummond. No entanto, apesar dos sabres e das baionetas ensanguentadas, avançávamos com determinação, fazendo dos nossos medos, um aconchegante estofo para a hermética Caixa de Pandora, onde depositávamos a preciosa esmeralda da esperança. Muitos dos nossos morreram com um sorriso congelado nos lábios ensanguentados, como se os seus últimos pensamentos fossem povoados pelo sonho de um novo amanhã.

Ah, filha, se eles soubessem o que estaria por vir... Mesmo sem crer, rezo todos os dias para que não existam espíritos, e mesmo que eles existam, espero que sejam bafejados pela cegueira, pela surdez, impedindo-os assistir a horrenda tragédia da traição, perpetrada por aqueles que outrora lutaram pela Democracia e pelos grandes ideais da honestidade, decência e dignidade. Os que morreram pela Democracia não merecem ser punidos duas vezes. A primeira, por mãos assassinas, armadas com fuzis, que retiram-lhes o brilho viçoso dos seus olhos; e a segunda, por mãos macias de presteza gatuna, empunhando canetas que transformaram as instituições republicanas em prostíbulos a serviço das grandes empresas da construção civil e prestadoras de serviço estatal, ajudadas por políticos indecentes, encobertos por mantos de vermelho pálido, como se sentissem vergonha das suas pérfidas traições. 

Os nossos bravos e inesquecíveis camaradas morreram, minha filha, pela conquista de um Estado democrático que realizasse os altos ideais de justiça e de fraternidade, onde a dama da Democracia honrasse um governo "do povo e pelo povo", e jamais sonharam, nem no mais tenebroso pesadelo, a possibilidade de existir uma Democracia prostituida pelo aliciamento econômico, onde treze pessoas que juraram proteger a Constituição, são, na realidade, lacaios de luxo de políticos inescrupulosos, populistas enganadores, corruptos e ladrões da esperança popular, todos prestimosos  serviçais de uma poderosa máfia de empresários, que faz da famosa Gamora italiana uma impotente anã.

Se aqui estivessem, minha filha, com seus brios de outrora, mesmo indignados por esse lamaçal fétido da corrupção, eles jamais pediriam o auxílio das baionetas anticomunista e autoritárias, mas sim, o retorno do ideário do Tenentismo popular, uma filosofia que fazia de um soldado, um cidadão responsável pelo destino de toda a coletividade. Eles jamais iriam exigir que os militares se desculpassem pelos perversos erros do passado, pois, afinal, o que são meras palavras? Eles exigiram, isto sim, uma brasileira Revolução dos Cravos, onde soldados e trabalhadores marchassem pelas ruas para a construção de uma verdadeira Democracia, semeando os sonhos e a esperança, pois esse é o verdadeiro pedido de desculpa militar, a redenção  do seu passado inglório.

Ah, filha, os velhos camaradas que foram chacinados pelos militares autoritários são como os Tamoios que vagam desencarnados pelas ruas e campos, locais onde se refugia a Democracia, banida dos palácios institucionais. Vez por outra, eles tentam gritar, soprar o hálito das mudanças para uma multidão que trafega olhando para o chão. Às vezes, uma mulher, um velho, um menino, um maltratado cachorro, param subitamente, como se ouvissem a voz de uma mãe tamoio, tão bem poetizada pelo genial Gonçalves Dias:

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

(...)

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

(...)

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.

Ivan Bezerra de Sant' Anna


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