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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Coincidência ou uma repetição trágica?

Coincidência ou uma repetição trágica?


Em um País em forma de bota, local que desfilou o triunfalismo romano, onde atualmente se come pizza e dança-se a tarantela, nasceu e morreu o Juiz Giovanni  Falcone. Se foi em solo romano que o moderno Judiciário teve origem, foi nesse mesmo rincão que as famílias senatoriais patrícias e poderosas plantaram suas vigorosas sementes oligárquicas, uma trágica herança que impediu o florescer autêntico das instituições republicanas, lançando esse milenar território em trágicas e dilacerantes contradições. Em um cenário de um Judiciário trôpego, hesitante, refletindo as mazelas de uma sociedade corrupta e patriarcal, ergueram-se os punhos rijos de uns poucos juízes, dentre eles, Giovanni Falcone. Uma história de beleza e dor, de um lirismo trágico de um Prometeu da esperança, que no negro enlutado da sua morte, renasceu o Fênix da dignidade judiciária.

Se não temos um passado heróico para o reporte histórico, temos as mesmas estruturas apodrecidas por heranças pretéritas, pela corrupção conchavada, por um populismo que exala o odor das ditaduras tirânicas. Por hora, substituímos as baionetas por canetas maliciosas, e nossas mudanças se resumem a isso: um puro populismo sem princípios e enganador!  E nessa peça teatral nefasta, onde o dramático assume, por vezes, os ares de uma comédia bufa, não se permite o improviso subversivo, seja por vaidade ou por senso moral, pois a improvisação traz em seu bojo uma incógnita perigosa para as nossas acomodadas elites. E se o improviso na terra da bota foi denominada de Falcone, em terras brasileiras tem o nome de Sérgio Aldo Moro, um juiz de rosto romano e nome italiano.

Que nome deram ao pequenino Sérgio! Que responsabilidade histórica e tragédia anunciada esse nome traz! Aldo Moro, um líder da Democracia Cristã, um sonhador que tentava fazer um governo de coligação com os comunistas do PCI, visando um desenvolvimento integrado e eficaz, foi barbaramente assassinado por falsos comunistas, sob aplausos secretos da CIA, e um desses terroristas assassinos vive foragido, protegido pelo governo brasileiro. Entretanto, o juiz Sérgio Aldo Moro, apesar das muitas coincidências, não é Giovanni Falcone. Se ambos lutavam contra uma máfia poderosa, foram incompreendidos por alguns dos seus pares, sofreram difamações pelos advogados dos mafiosos, tiveram suas reputações enxovalhadas, o rosto quase bobo de Falcone, contrasta com a face quadrada e dura de Aldo Moro. Lá na Itália, nenhum jurista do porte de um Bandeira de Melo, Dalmo Dallari, Gibson Dipp, tiveram a petulância oportunista de tentar destruir reputações de magistrados, como tentam fazer esses senhores, desprezando a necessária  responsabilidade política e ética. 

É lamentável o pragmatismo desvairado desses publicistas, quando tentam alvejar institutos jurídicos, aceitos por todo o mundo civilizado, como é o caso da Delação Premiada, em um profundo desrespeito conceitual e ao empirismo jurídico, o que faria o sofista Protágoras se remoer de inveja. O Sr. Falcone, apesar do seu destino trágico, usou a delação premiada do Sr. Tommaso Buscetta  para instruir o processo que levaria para a cadeia toda a cúpula dirigente da máfia siciliana, sem que nenhum jurista de peso ousasse  destruir a credibilidade dos instrumentos jurídicos, necessários para o combate eficaz da criminalidade organizada. Afinal, lá na Terra da Bota, mesmo os grandes advogados que vivem representado os seus clientes criminosos conhecem os limites, a fronteira que separa o digno exercício da profissão do proselitismo, de um populismo irresponsável que tem como consequência a prostituição de todo arcabouço jurídico de uma Nação.

Esses "juristas" não só tentam, como advogados desesperados, transformar os institutos jurídicos em meras mercadorias acessíveis aos variados prazeres e interesses, como pedem o afastamento do Juiz Sérgio Aldo Moro por cometimento de excessos que violam a ampla defesa ou o "due process of law". Claro que existem violações e excessos! Não restam dúvidas que o aparelhamento do STF, a partidarização da OAB pelos dirigentes atuais, comandados pela "eterna eminência parda", o grande mentor da partidarização, é uma grave violação à independência representativa da OAB e um atentado ao ideário republicano. Esse órgão não é uma bancada de advogados pragmáticos a serviço do PT, mas um ente jurídico representativo de toda a categoria, composta de profissionais de variados naipes ideológicos e preferências políticas diversas. Declarações acintosas como as do Sr. Eduardo Miranda são por demais excessivas e indignas para um dirigente da OAB, com caimento melhor para um porteiro de bordel ou na melhor hipótese, para um advogado desesperado "de porta de Delegacia".

Esses são os nossos defensores da Constituição Federal. "Não pulem a cerca", dizem, mas encontram justificações para um "pulinho inocente" em atendimento aos seus desejos lascivos. Entre o democrático e o golpe, o licito e ilícito, o instituto do impeachemt flutua em um pântano das incertezas, esvaziado de qualquer densidade conceitual, e crime de responsabilidade política que devia ser conceituado pelo Parlamento, enquadrado na moldura da culpa in vigiando e da negligência administrativa, transformou-se em "grave lesão à Constituição", segundo as palavras de um ex-ministro do STF. Entre o impeachemt colorido e o possível impeachemt estrelar, existem muitas semelhanças, entre as quais, a presença da Construtora Odebrecht como figurante maior na constelação da corrupção. Quanto às diferenças, jamais se viu algo parecido como o mensalão e o petrolão, duas organizações criminosas que vicejaram dentro de empresas públicas e ministérios, dois processos conspirativo que tingiram de lama às instituições republicanas, e se isso não for uma "grave lesão à Constituição", vamos acender as fogueiras e queimar os livros.




Ivan Bezerra de Sant Anna