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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O mito Bolsonaro

O mito Bolsonaro



Algum tempo atrás, Bolsonaro vociferava, arrotava homofobia, jogava pragas infernais contra os comunistas, mas quase ninguém levava a sério os seus discursos inflamados, no máximo, gargalhavam das pessoas e se divertiam  com as trapalhadas cômicas do ex-capitão de artilharia, um militar que nunca foi afeito à disciplina da caserna. Nessa mesma época, quase ninguém se declarava de Direita, e quando uma pessoa não queria se identificar com a ideologia socialista, simplesmente dizia ser democrático-liberal, pois a pecha de direitista era por demais desprestigiosa, e uma vez que um pobre coitado, um rejeitado da sorte, fosse batizado com esse temível rótulo, por preconceitos ou associações psicológicas, logo, os que dele se aproximavam, percebiam um cheiro de enxofre sulfúrico, componente de um famoso incenso alemão que era queimado  em uma pira enfeitada com uma suástica. 

Tudo bem que as mudanças de valores estão se processando com muita maior rapidez nesse século, entretanto, convenhamos, 14 anos é muito pouco tempo para que muitos jovens demonstrem orgulho com a denominação de direitistas, uma vez que essa orientação ideológica é nitidamente conservadora e egocêntrica, não condizendo com a natural explosão hormonal e contestatória da juventude.  

Bom, os teóricos do lulismo já encontraram uma explicação, se bem que ela está em proporção direta com a redução ou imunização cognitiva, processo a que se submetem as mentes brilhantes do conglomerado lulista, embora muitos deles se perfilem em varias agremiações partidárias. Se no passado alguns desses teóricos elaboravam teses complexas de muito refinamento lógico, na atualidade preferem a simplicidade sentencial das crenças, reconhecendo, porém, que alguns deles ousam trilhar por mensagens de sofisticadas elaborações publicitárias, bem a gosto do público consumidor neoliberal. Assim, sob a vetorização desse nova ordem metodológica, os intelectuais do lulismo descobriram que o crescimento da Direita foi fruto de um elaborado plano das elites internacionais, visando destruir as grandes conquistas do lulismo do Sr. Inácio, sendo que para isso, essas terríveis elites usaram a sedição, a corrupção da grande mídia, mais de perto, a Rede Globo.

Uma teoria explicativa ou um emaranhado de palavras que tentam encobrir os erros passados, colocando-se em uma cômoda posição de vítima? Embora o discurso seja por demais fantasioso, ele tenta manter a coerência entre as palavras, entretanto, quando essas palavras tentam se conectar aos fatos, aí o doce desanda, o que não é incomum aos teóricos lulistas, acostumados a dar torções mágicos nos conceitos, forçando-os à adesão aos fatos. Por exemplo, falar que Lula é um preso político é algo tão fantasioso que a estrutura de um discurso que quisera ser científico escorrega na ladeira ensaboada do risível, ao ponto de se dizer que o lulismo não tem teóricos, mas comediantes.

Na minha simplicidade secular - nunca escrevi um livro filosófico, e principalmente sobre Spinoza - arrisco com muita humildade a explicação que os anos dourados dos governos lulistas foram o espaço temporal que se fermentou o crescimento do bolo direitista conservador e autoritário, e não, como dizem os lulistas, o aparecimento de um encorpado fascismo, capitaneado pelo ex-oficial Bolsonaro. Dizer semelhante besteira, pode fazer o Dulce se retorcer no túmulo - e que sabe, até pensar em voltar - uma vez que o líder italiano era considerado um intelectual de médio porte, e a sua doutrina era baseada no sistema representativo corporativo, um rígido nacionalismo em que o Estado figurava como implementador econômico - 75% da economia era estatizada -, e os trabalhadores eram protegidos por uma lei autoritária, a Carta da do Trabalho, copiada pelo ditador Getúlio Vargas. Pelo que é divulgado, Bolsonaro é contra os direitos trabalhistas, não é nada nacionalista, e é a favor do Estado mínimo. Mas o Bolso é fascista, dizem os lulistas! Pode até ser, mas somente nas ilustres cabecinhas de certos intelectuais que distorcem os conceitos da ciência política em prol dos seus interesses pragmáticos, e assim sendo, o termo fascista perdeu o seu conteúdo estável e virou simplesmente um reles insulto. O mesmo acontece com outros conceitos, quando, por exemplo, encenam a peça cômica “A ONU Ordena”, onde um integrante de uma comissão técnica-temática, segundo  o lulista Paulo Sérgio Pinheiro,  pode arrogar-se no direito de substituir um colegiado de países, “ordenando” que o Sr. Lula participe do pleito eleitoral. Afinal, quem é a ONU, um colegiado de países ou a vontade delirante de um empregado dessa organização, acometido pela síndrome da usurpação farsante?

Por essas e outras - se bem que a farsa política, a corrupção estatal, o mandonismo autoritário sempre foram a tônica dominante desde o Brasil colônia -, foi no “reinado” do lulismo que o disfarçado, encoberto, foi exposto à luz solar. As pessoas assistiram, durante esses fatídicos 14 anos, um processo de visibilização do oculto, onde a aparência que modelava a farsa, se torna mera semblância, um imprestável manto translúcido que nada oculta. Então, tudo ficou muito claro! Embora os teóricos do liberalismo brasileiro, os filósofos do lulismo, cultuem uma Constituição feita por um Congresso eleito sob a regência das leis da ditadura militar - senadores biônicos e outras coisitas mais -, durante os governos lulistas, os fatos falaram por si, deixando os cidadãos perplexos e indignados. Se a Democracia é o governo do povo, então a compra da consciência representativa dos integrantes do Congresso é a negação peremptória da própria Democracia, isso sem falar que o famoso mensalão foi financiado pelo dinheiro público, um macabro festim que também enriqueceu muitos proeminentes lulistas e aumentaram as receitas das empresas corruptas participantes. 

Como falar em Democracia, quando na nossa terrinha não vige o maior princípio da representação popular, “cada cidadão, um voto”, que a nossa Constituição substituiu pelo voto censitário territorial, onde um eleitor do Piauí vale por quarenta paulistas? Um Estado verdadeiramente democrático permite que os juízes eleitorais usem a censura judicial, a caneta-fuzil, para calar vozes que denunciam as prováveis safadezas dos oponentes, usando critérios pessoais e subjetivos? Se o leitor conhece algum país de democracia avançada que use tais procedimentos, por favor, me avise, pois ficarei muito grato. 

Entretanto, os nossos teóricos políticos e jurídicos estão vagando pelas nuvens do pós-modernismo, doutrina que relativiza todas as verdades sedimentadas, transformando as hipóteses e teses científicas em meras opiniões, um caldeirão de uma feijoada indigesta, onde o sofismo pragmático é a receita. Assim, o conceito de hegemonia de Gramsci é transformado em um mero aparelhamento das instituições republicanas, por métodos nada confessáveis. Dessa forma, não causa espanto que um elemento aparelhador, um certo ministro, se autoproclame de Supremo, e segundo um ex-ministro que pousa de constitucionalista emérito, a doutrina da constitucionalização das leis, a materialidade expandida das normas constitucionais explícitas ou implícitas, permitem que os juízes interpretem extensivamente as normas jurídicas em busca do sentido ideal de justiça. No entanto, não se deve subestimar a população! Ela sabe que por trás dessa “interpretação expandida” se esconde a pura usurpação da vontade popular, onde juízes legisladores se digladiam em busca do atendimento dos seus interesses pessoais, partidários, de corporações, e por vezes inconfessáveis pela própria natureza. Nesse momento, o pragmatismo, a competição desenfreada desse mercado jurídico patrocinado pela maioria dos integrantes do STF, deixou os reizinhos platônicos do judiciário em um estado de nudez hilária, mas a população não ri, no máximo, expõe um riso de dor, uma revolta indignada prestes a explodir. Afinal, quem governa, o povo ou os juízes? E vocês, caro leitores, ainda possuem alguma dúvida quem fermentou o Bolso?

O crescimento do mito Bolsonaro encontra um solo fértil para germinar. Uma população cansada de tanta corrupção, da instabilidade provocada por sentenças judiciais que mudam e oscilam com os ventos e as temperaturas do oportunismo clientialista; de um Congresso dividido por facções corporativas, bancadas “disso e daquilo” que não representam o povo. Se os Partidos políticos, nas democracias avançadas, intermediam o cidadãos com o Poder representativo, aqui são meras ficções, pois o que valem mesmo são as bancadas corporativas que fazem uso do dinheiro público para a compra de votos através da corrupção, ou, na forma mais amena, o uso das nefastas emendas ao orçamento, direcionando recursos para prefeituras, redutos dos seus currais políticos, sem esquecer, é claro, da porcentagem de reciprocidade.

O mito Bolsonaro é fermentado pelas cotas insensatas que criam privilégios  sem alguma justificação razoável, e pela adoção de certos privilégios legais, como, por exemplo, um certo direito que se expande ao ponto de negar outros direitos contestatórios de vinculação reflexiva, tornando-se um direito potestativo ou imperial. Um direito tem que ser reflexivo e relacional, ou, ao contrário, se torna unilateral e de império. Um suposto artista   pode subir em um palco e afirmar que Jesus é homossexual, mas se um cidadão revoltado com tal atitude,  falar que esse artista sofre da doença da homossexualidade, ele vai ser processado e sentenciado por homofobia. Ou seja: o que deveria ser um direito do homossexual para ser tratado com igualdade, se transforma em um privilégio que leva à desigualdade, pois o direito à opinião contrária é criminalizado. Não se pode esquecer as sábias palavras de Hannah Arendt, escritas no livro Responsabilidade e julgamento, quando afirma que “quanto mais iguais as pessoas se tornam em todos os aspectos, e quanto mais igualdade permeia toda a textura da sociedade, mais as diferenças provocarão ressentimento, mais evidentes se tornarão aqueles que são visivelmente e por natureza diferentes dos outros”. Esse é o paradoxo a ser enfrentado por direitos que se expandem e negam outros direitos correlatos, pois em assim fazendo, negam a igualdade, e, consequentemente, a eles próprios, provocando um ressentimento silencioso, subterrâneo, crescente. E um dia, um homem obstinado, com um linguajar franco, direto, irônico  e fácil, ausculta a represa, ouve as águas ferventes de rancor guardado, e percebe que chegou o momento de romper a barreira. Águas represadas são uma incógnita perigosa, pois nunca saberemos se vai se formar um calmo rio ou um enxurrada caudalosa que tudo arrasta.

A palhaçada do Sr. Marco Aurélio em receber uma ação penal contra o Sr. Bolsonaro por racismo, alegando que tal ação causa insegurança jurídica para a candidatura, é a prova cabal que a Democracia não existe em nosso País, e que o direito de opinião, mesmo que mesquinho, é constantemente criminalizado. Quer contribuir para evitar a insegurança jurídica, Sr. Marco Aurélio? Renuncie ao cargo, saia com dignidade, experimentando, pela primeira vez em sua vida,  a sensação de ter feito algo de útil para o  Brasil.

Ainda possuem a dúvida como nascem os mitos?

Ivan Bezerra de Sant’ Anna