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domingo, 11 de maio de 2014

Nasci prematuro e acho que estava apressado para eclodir, mesmo sem saber que meus olhos, quando das primeiras piscadas, jamais aceitaria as lindas e bucólicas paisagens emolduradas, pinceladas por artistas com as tintas da tradição. Que filho difícil, né, mãe?

É muito difícil para que nasceu vendo o mundo com profundidade e perspectiva, apadrinhado por Dioniso e Apolo, ao contrário daqueles felizes apreciadores das gravuras planas orientais. E às vezes fica mais difícil para um garoto de nove anos que no dia de São João, soube que seu pai João declinava suas últimas palavras e exalava seu alento final. Mas ela ficou!

Ela que em nove meses protegeu seus filhotes em seu ventre, tinha a espinhosa missão de protege-los ao logo da linha do tempo, das intempéries da vida, das tentações alucinadas dos risos cínicos das hienas. Uma tarefa difícil para uma mulher que somente ostentava um curso ginasial e que teve um marido que cultuava as palavras, esculpindo frases e tecendo sonhos socialistas. Era uma tarefa cheias de obstáculos, mas nunca para uma mulher que as pedras no caminho lhe ensinaram o real significado da palavra mãe, uma palavra tão pequena, usada e abusada, porém com um alcance imenso, um descortinar da verdadeira humanidade.

O que pode ser maior do que um amor sem reciprocidade, o Amor Findo, aquele sonhado e falado pelo Pe. Vieira? Foi nesse amor que a "mama mia", a loba romana encontrou uma força desconhecida, uma determinação férrea para agasalhar seus filhotes, trabalhar com afinco, estudar e ler os livros que nunca tinha lido, ampliando sua maternidade para outros inúmeros filhos, seus alunos da escola primária, secundária e universitária. A loba apesar das probabilidades estatísticas desfavoráveis, dos ventos gélidos do preconceito, por fim se tornou uma mestra universitária, uma mãe de inúmeros e incontáveis alunos.

Obrigado, mãe, por sua infinita tolerância às minhas investidas furiosas com vôos erráticos de eterna procura, e apesar dos inúmeros livros que li, essa foi a maior lição, um translúcido conceito da Democracia. Ás vezes me pergunto porque apesar de todos os meus defeitos (e são muitos), sempre abominei o machismo e constantemente lutei pela liberdade feminina. Como poderia ser um machista, mãe, se a minha referência feminina era uma mulher que ousava roubar o fogo luminoso dos deuses, tal um Prometeu de saia, e explodia os limites com suor e poesia? Como poderia ser um conservador, um reacionário, se você era a própria dialética viva em busca do espírito absoluto, a humanidade expandida? Desculpe a concessão que faço a Hegel, pois como marxista não deveria fazer concessões ao idealismo, mas não encontro nada melhor para demonstrar a importância cumeira de ser mulher e mãe.

Sabe, mãe, você me ensinou com seus sonhos e atitudes que nascer feminina é um fato da natureza, mas se tornar mulher é um desafio permanente, uma luta constante, uma dor de um parto que nunca cessa, uma missão guardiã do amor sem propósito, um mar de humanidade que, por mais que por mais esforço do Nazareno, era de Maria e de todas as mulheres que carregam o ventre do mundo.

Obrigado, mãe.

Ivan Bezerra de Sant Anna