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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Domínio do fato ou o fato do domínio?

Domínio do Fato ou o Fato do Domínio?





Depois da escaramuça entre os defensores e opositores dos Embargos Infringentes, a peça teatral intitulada Justiça Catarata, entrou na segunda fase, o Ato, I, denominado, "Meu alemão preferido". Preferido de quem? Bem, ele tem seus seguidores e pelo gasto que tiveram para trazer um senhor de 80 anos. deslocar-se das plagas germânicas para o exuberante tropicalismo brasileiro, enfrentando palestras e entrevistas, eles são, no mínimo, muito poderosos.

E ele chegou com toda a pompa e circunstâncias, badalado pela mídia, acompanhado por dois escudeiros "Sancho-panchitos", para esclarecer dúvidas sobre uma antiga teoria criada por Hans Welzel, em 1939, para julgar os crimes ocorridos na Alemanha pelo Partido Nazista, mas que os seus lindos olhos azuis brilharam intensamente de desejo e suas hábeis mãos deram uma "melhorada", para nascer o seu pupilo Täterschaft und Tatherrschaft, em 1963, em vernáculo pátrio, Teoria do Domínio dos Fatos.

Desde já esclareço que não sou nenhum conhecedor do Direito Penal, apenas um opinador amador, estimulado pelo desconhecimento atrevido do Sr. Ives Gandra, advogado tributarista que ajuda, com sua magia, as grandes empresas transformarem sonegação em elisão tributária. Como o grande tributarista nada entende de Direito Penal, mas com pose de grande criminalista, opinou, por que um simples mortal não pode? Afinal, somos advogados, sem compromisso com a verdade, defensores intransigentes dos nossos clientes e não  foi essa a lição que o Sr. Claus Roxin nos ensinou ao atravessar o oceano que separa a Alemanha do Brasil?

Afirmo que nenhum cliente fez a cortesia de colocar um pouco de "dim-dim" nos meus bolsos áridos por recursos. Atendi a um cliente especial, que me acompanha precariamente desde o nascimento, ostentando carinhosamente o nome de consciência crítica que, por vezes, sempre perpassada pela dúvida, impede-me o exercício da crença e do pragmatismo oportunista.

Confesso que estou tencionado pela Dialética - essa amante de longos anos que me dedicou um tipo especial de fidelidade sueca e desta maneira um longo casamento feliz - a realizar a seguinte indagação: o que defende verdadeiramente o Sr. Claus Roxin? O que o motivou a dar uma "melhorada" na teoria de Welzel tem validade para o atual momento histórico?

Sob os ares do tropicalismo, o advogado tedesco afirmou que o domínio sobre o fato exercido por um suposto mandante deve ser provado com robustas provas processuais e que em um Estado Democrático de Direito, essa presunção de chefia jamais é permitida como exercício lógico, pois em uma máquina pública existe extrapolação de funções e nunca uma autoridade teria total domínio dos fatos. Ao contrário, continuou, seria gerado uma total insegurança para os cidadãos. Os seus fiéis escudeiros brasileiros, Luis Greco e Alaor Leite, complementaram:

"Passemos aos mitos. A teoria não serve para responsabilizar um sujeito apenas pela posição que ele ocupa. No direito penal, só se responde por ação ou por omissão, nunca por mera posição.
 
O dono da padaria, só pelo fato de sê-lo, não responde pelo estupro cometido pelo funcionário; ele não domina esse fato –noutras palavras, ele não estupra, só por ser dono da padaria."

Os apressados alunos esqueceram de um detalhe: a organização do mensalão não era uma empresa, nem José Dirceu era dono de padaria! Em verdade, tratava-se de uma organização criminosa, sem nenhum apoio legal, onde seguramente, qualquer integrante dessa quadrilha possui responsabilidade penal. Ora, José Dirceu era o chefe e possuía o domínio da situação, ou melhor, do fato? Existe alguma dúvida, depois do depoimento do ex-deputado Jefferson? Esse depoimento não é uma prova testemunhal? Na Itália, o comando da Máfia Siciliana não foi condenado devido a um testemunho de um integrante sob proteção judicial, o Sr. Tommaso Buscetta? Havia alguma dúvida razoável? Claro que sim, pois era apenas um depoimento de um ex-mafioso que poderia tê-lo feito por vingança ou outro motivo. No entanto, o juiz Giovanni Falcone entendeu ser suficiente para acusar algumas pessoas como chefes, o que foi confirmado depois pelo Tribunal Pleno de Julgamento.

Ora, tanto Welzel como Roxin desenvolveram suas teorias visando resolver o grave problema de responsabilização dos mentores de organizações criminosas, chefes de Estados totalitários que muitas vezes ficavam protegidos pela ausência de provas cabais das suas participações em atividades criminosas. Como os grandes chefes nazistas poderiam ser responsabilizados pelas atividades criminosas dos subalternos se não fosse usado o elemento posicional hierárquico, pressupondo-se que estes tinham o total domínio dos fatos, até provar o contrário? É a chamada prova lógica, embasada em algum testemunho e indícios ponderáveis.

Em aula inaugural proferida em 21 de junho de 2006 na Universidade Luzern, Suíça, a convite do Prof. Dr. iur. Jürg-Beat Ackermann, o Prof. Claus Roxin caracterizou o que considerava uma situação coberta sob o manto do domínio do fato, com essas palavras:

"Autor mediato somente pode ser quem tem um poder de mando dentro de uma organização conduzida rigorosamente e o exerce para produzir realizações típicas. (...)"

"Em primeiro lugar, o aparato de poder não precisa ter se desvinculado do direito em todos os aspectos, senão apenas no marco dos tipos penais realizados por ele. As medidas tomadas pela DDR e mesmo pelo Estado Nacional-Socialista moveram-se em muitos setores dentro do direito vigente; porém os âmbitos de atuação, como o «impedimento de fuga da República através de disparos mortais» ou, apenas para mencionar o caso mais assustador, a «solução final para o problema relativo aos judeus», caracterizam atividades absolutamente desvinculadas do direito. (...)"


Perfeito! Somente teria sentido a Teoria do Domínio do Fato em situações onde houvesse uma grande dificuldade probatória da autoria dos chefes de organizações à margem da lei. Ao contrário, se houvesse necessidade de robustas comprovações de autoria através de provas documentais ou testemunhais, não haveria necessidade da prova lógica de responsabilidade pelo domínio do fato. Então, o que mudou, Prof. Roxin? Não mais acredita na sua teoria ou acha que o Sr. José Dirceu estava pautado na lei quando criou o mensalão e seus seguidores extrapolaram as suas ordens? Seria o mensalão uma padaria, José Dirceu o proprietário e seus auxiliares uns garotos indisciplinados que trocaram pães por broas?

O professor de Direito Constitucional da Instituições Toledo de Ensino, José Roberto Anselmo, um dos poucos do ramo com coragem para expor opiniões nesse tormentoso caso, observou que a aplicação da Teoria do domínio do Fato pelo STF não foi distorcida, aplaudindo a inovação como instrumento eficaz contra o crime organizado. Entre outras coisas, disse:

“Nessa teoria o agente não é um mero participe, mas sim autor dos fatos, pois é ele que detém, como o próprio nome diz, o domínio da situação, determinando a forma de como a conduta deve ser realizada, o momento e inclusive a sua cessação. Não há a necessidade de provas cabais a respeito da conduta de cada um, pois, principalmente, no crime organizado onde cada um desempenha uma tarefa, haveria extrema dificuldade de caracterizar a autoria. Contudo, no caso do mensalão o próprio contexto das condutas indica o que cada um deveria realizar e quem seriam aqueles que disparavam as ordens de execução. O caso não denota uma reunião de coincidências”


Resta uma pergunta a ser feita. O Sr. José Dirceu, segundo testemunho do Deputado Jefferson, participou ativamente da elaboração do mensalão, e como o todo poderoso da Casa Civil da República, agindo na clandestinidade, esse elemento posicional não permite uma dedução segura que comandava o esquema mensalício? Não é uma prova lógica? Não é uma prova lógica a suposição incriminadora que Al Capone era responsável pelos assassinatos que seus subordinados praticavam? Não foi verdadeira a inferência lógica que Himmler ordenava e era responsável pelo extermínio dos judeus? Outra conclusão só leva a impunidade, ao incentivo da corrupção e outras atividades criminosas, encobertadas por uma pseuda segurança jurídica, manto que sempre protegeu as elites corruptas do nosso País.

Exemplos por exemplos, analogias por analogias, seguramente o nosso José Dirceu está mais para Dom Corleone que para proprietário de padaria, como querem os escudeiros panchitos do Prof. Roxin. No entanto, o que me causa mal estar não são os lambe-botas, os incompetentes premiados com cargos que jamais poderiam tê-los, como o Sr. Lewandowski , Toffoli e outros, mas homens como Luís Roberto Barroso que em decorrência do seu sólido e respeitado currículo, jamais podia perder a dignidade doutrinária para atender um sentimento de gratidão pela sua nomeação e por inúmeros contratos administrativos realizados com o Governo Federal, com seu escritório de advocacia, sem atender ao requisito da licitação. 

Fico deverasmente assustado com o poder que possui as elites dirigentes do nosso Pais, principalmente nos últimos dez anos, quando amordaçaram ou domesticaram instituições como a OAB, UNE, o Movimento Sindical e quase todos os movimentos de massa da Nação. É triste ver um homem atravessar um oceano de maneira precipitada, dar entrevistas confusas, falar coisas que depõem contra o seu passado doutrinário, e tudo isso para que? Será que um delinquente como José Dirceu vale esse sacrifício? Que pena verificar que os cabelos brancos e os oitentas anos não são segurança de dignidade!

Ivan Bezerra de Sant Anna
 


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