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segunda-feira, 23 de junho de 2014



Para quem as vaias dobram? 



Em um País democrático, as vaias são, simplesmente, vaias somente. É um momento de protesto, um repúdio contra alguma coisa que não vai bem. Quem vaia não respeita ninguém, nenhuma autoridade é poupada, e nem mesmo quem vaia. Quem é o alvo da vaia não deve se sentir ultrajado, principalmente se passou a vida vaiando tudo e todos. Ao contrário! Um cidadão que vive com orgulho em uma verdadeira República, mesmo constrangido por ruidosas vaias deve tirar desse momento de dor uma lição de cidadania que vai lhe permitir uma possível reflexão. Isso vale para os países que apreciam os acordes da Marselhesa e nunca para populações que sambam embaladas pela enfadada frase poética das elites indignadas, que vaticinam: "Vocês sabem com quem estão falando?"

E de quem estamos falando, dos que vaiam ou são vaiados? De ambos! Como já disse, vaiamos quando algo vai mal, quando alguma coisa se apresenta ao nosso olhar como um terrível incômodo de uma luz solar refletida do gelo. Às vezes, um espelho de Narciso que reflete mil faces, máscaras assustadoras que não sabemos que temos, mas que grudam como alternativas peles em um rosto sem contornos perenes. Assim, vaiamos os nossos desejos reprimidos, refletidos em despudorados provocadores; vaiamos sem piedade o individualismo possessivo sem limites, mas limitados em nossas ações cotidianas pela ausência de oportunidade e, sobretudo, cuspimos sonoros gritos contra a diferença, impulsionados por nossas indiferenças protetoras. Afinal, depois dessas copiosas e monótonas dúvidas,  devemos vaiar ou não? Claro, ora pois! Se vaio, logo existo vaiado e ao refletir, cresço de vaia em vaia.

Nessa Copa Buena, a Copa das Copas, aprendemos que o ânimo vaiante declina do Sul para o Norte, em uma aparente contradição entre o clima e o humor. Quanto mais enraivecido e esbravejante o sol, mais abrandado fica o ânimo das pessoas. Coisas do Brasil? Por exemplo: o nordestino, o "cabra da peste", o herdeiro de Virgulino, acossado pelas fulgurações solares e pela madrasta necessidade, troca as vaias pela cândida musiquinha, "Eu sou brasileiro, com muito orgulho...". Será ele o mais patriota, aquele que calça as chuteiras da Pátria? Ou seria ele um aposentado do cangaço, um seguidor dos místicos "pais do povo", aquele que cordialmente cede seu voto em troca de pequenos favores? A culpa é do sol, dizem alguns, pois esse astro escaldante queimou os neurônios do sertanejo, ao longo dos séculos cruéis. Tenho uma melhor explicação, mesmo que beire ao simplório: o sertanejo já usou o jaleco, a peixeira cortante, o punhal afiado, mas nunca aprendeu a vaiar!

No entanto, as vaias podem vomitar hipocrisias, astutas malandragens, se impulsionadas por uma mídia manipuladora a serviço de moralistas imorais. Pobre Diego Costa, vaiado sem clemência por pessoas tostadas pelo sol que nunca aprenderam a vaiar! Vaiaram por um patriotismo extremado, embalado pelas chuteiras mágicas da Copa? Se a essa indagação fosse obtida uma resposta afirmativa, por que não vaiaram a declaração hipócrita do Filipão quando sugeriu que o filho de Lagarto era um traidor? Logo ele que dirigiu a Seleção de Portugal e mandou que Deco e o baiano Pepe se naturalizassem portugueses? Por que não vaiaram um técnico decadente que convocou mal, utilizando-se de jogadores que estavam em péssimas fases na Europa, teimando convocar um Jó medíocre e um Fred decadente? As vaias não deveriam ir para um técnico que seu empresário é o mesmo de alguns jogadores que foram inexplicavelmente convocados? As verdadeiras vaias não respeitam coincidências nem contradições mal explicadas!

Vaiamos porque "somos brasileiros com muito orgulho" e, sobretudo, cidadão do mundo civilizado. Vaiamos uma Copa que foi realizada para enriquecer alguns, um torneio em que a FIFA exerceu um singular autoritarismo, sendo presenteada por uma imensa isenção de imposto, fato que não aconteceu em nenhum País que sediou a Copa, inclusive na subdesenvolvida África do Sul. Vaiamos as obras superfaturadas, os elefantes brancos inacabados, o uso das Forças Armadas no policiamento das ruas, a voracidade da nossa elite vampiresca e ao mesmo tempo tão subserviente aos interesses da FIFA. 

Vaiamos porque amamos o Brasil e vamos continuar vaiando, amando, chorando, torcendo pela canarinha, pelo verde de nossas matas, por nossa Pátria com chuteiras rotas e mágicas. 

Ivan Bezerra de Sant Anna
 
Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/