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domingo, 27 de dezembro de 2015

Chico ou Francisco?

Chico ou Francisco? 



Meu caro amigo:

A coisa aqui tá preta, né? Caminhar por nossas ruas, o belíssimo espaço onde gosta de trafegar a linda musa da Democracia, "é pirueta para cavalo ganhar  pão". Quando escapamos ilesos dos ataques dos "meus guris", podemos nos deparar com bandos de "camisas pardas", de "camisas rosas, cidadãos revoltados com a lama putrefata da corrupção, todos em guerra declarada contra todos. Parece que os filhos da "nossa pátria mãe tão distraída" estão insones,  mantidos em um preocupante estado de virgília guerreira. Bem ou mal, caro amigo, o samba deve estar na rua, com seu ritmo alucinante dos tambores rufantes, clamando à participação de todos, em um carnaval que não quer parar e negar que tudo pode ser uma "ilusão passageira que a brisa primeira levou". No entanto, ele não espera por você, amigo Francisco da Galeria, ele espera pelo menino Chico Buarque, aquele que em sua menice criativa musicou os nossos sonhos com um talento fantástico, que, se espírita fosse, acreditaria que Mozart tinha resolvido voltar, escolhendo o gostoso calor tropical da cidade maravilhosa, vista por dois olhos verdes, de um ver-dor sempre verde. Você entende isso, né?


Caro Francisco, estamos vivendo um pesadelo urbano. Somos prisioneiros em nossas casas, enquanto os "meus guris" infestam as ruas livremente. Já foi o tempo em que podíamos andar pelas ruas, sentarmos nas praças  de mãos dadas com pessoas que batizávamos de "o meu amor". Chico Buarque, aquele que você conhece bastante, assustado pelo banditismo dos militares usurpadores, um dia disse:

"Acorda amor 
Eu tive um pesadelo agora 
Sonhei que tinha gente lá fora 
Batendo no portão, que aflição 
Era a dura, numa muito escura viatura 
minha nossa santa criatura 
chame, chame, chame, chame o ladrão".

E eles, os camisas rotas, os vermelhos estrelares, "os de gravatas e capitais", chegaram aos montes...

Caro amigo, não fique molestado pelas vaias que recebe, pois isso faz parte do jogo democrático, mesmo que às vezes aconteçam de maneira imprópria para o local.  Ademais, esses terríveis  garotos de "classe média" não conseguem separar o Chico do Francisco, a personalidade artística da empírica, como aconselhava o grande Oto Maria Carpeaux. Eles não conhecem ou nunca entenderam a mágica tradução "de uma parte em outra parte" do belíssimo poema de Ferreira Gullar. Esse traduzir um Francisco em outro Francisco, "que é uma questão de vida ou morte, será arte", ou melhor: será a grande arte do menino Chico?

Ah, caro Francisco, eles lhe vaiam porque não conhecem a diferença de Chico para Francisco, no entanto, conheço muito bem o Francisco fóbico, tímido, sempre protegido pela família, incapaz de enfrentar de cara limpa as incertezas do mundo. Sei que você nunca traiu luta alguma, pois quem sempre lutou foi o menino Chico que trafegava magicamente entre a dramática realidade e a Terra do Nunca, falando de amor, liberdade e esperança. Entretanto, eles se sentem traídos e como pessoas possessivas, cantam Lupicínio:

"Eu não sei se o que trago no peito 
É ciúme, despeito, amizade ou horror 
Eu só sei é que quando a vejo 
Me dá um desejo de morte ou de dor"

Entenda-os, caro amigo, eles pertencem a um extrato social que é tencionado pelas contradições sociais, e você sabe muito bem o que é isso. Aliás, nós  sabemos, eu, você, a Marilena Chaui e tantos outros que lutaram pela Democracia. Não  entendo, portanto, o porquê de tanto ódio que você e a Marilena destilam contra as pessoas que motivaram os seus sucessos. Será que a Marilena acha que seus livros sobre Spinoza eram comprados e lidos nos bairros ínfimos e nas favelas? Ou que a música do Chico Buarque, caro Francisco, era escutada e tocada pelo povão? Lastimo dizer, mas a maioria do povo brasileiro desconhece ainda a música do Chico, preferindo os Axés e as duplas sertanejas. Se acha que estou errado é porque não conhece a maioria do povo brasileiro, o que não me deixa perplexo, pois quando foi entrevistado por um jornalista se era um grande conhecedor de pássaros, por motivo do sucesso da música Passaredo, você respondeu que conhecia os pássaros por dicionários. É esse, talvez, o povo que conheça: o povo do dicionário!

Onde se encontra o menino Chico que caminhava com magia entre o imaginário fantástico e o drástico Real, caro amigo? Não me diga que ele "flutuou no ar como se fosse um príncipe e se acabou no chão feito um pacote bêbado", porque não vou acreditar. O menino Chico nunca morre, não aquele que nos legou uma música imortalizada pela coragem e beleza. No máximo, encontra-se perdido, emudecido pela tristeza, assim como a voz esconde-se envergonhada do seu dono. Mas para nós, os coxinhas, que fomos a base sólida do seu sucesso, esperamos a sua volta, fazendo minhas, as palavras poéticas do menino Chico:

"Depois de te perder, 
Te encontro, com certeza, 
Talvez num tempo da delicadeza, 
Onde não diremos nada; 
Nada aconteceu. 
Apenas seguirei 
Como encantado ao lado teu".

Ivan Bezerra de Sant' Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52;  e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/