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sexta-feira, 13 de março de 2020

A mulher

A mulher

Ao completar oitenta "e lá vai fumaça", uma idade plenamente morrível - apesar que ao nascer todo vivente entra na faixa do morrível, embora quase ninguém perceba essa verdade -, viúvo uma vez e namorado várias vezes,  nesse momento, tenho a plena certeza que viver não necessariamente significa sobreviver. Olho para o jardim da vida, onde as rosas e urtigas entre “tapas e beijos” convivem, sonhos e dores gritam em sinfonia caótica como em um bando de chipanzés em cio, gosto dele, do seu perfume, e a sua incompletude me anuncia que já fiz o bastante como um elefante velho que segue seu bando, mas os sonhos - esses filhos da puta teimosos -, insistem na magnânima ideia que, enquanto houver uma mínima brisa de ar respirável, sou um Romeu à procura da Julieta livre, e quando a encontrar, um Otelo sem paranoias psicóticas, convivendo, amando, uma Desdêmona “vivinha da Silva”, cheia de fantasias e amor.

Em minhas andanças por esse mundo a fora me deparei com muitas coisas que fariam uma mula sem cabeça ser tão normal quanto ao pio de uma coruja em noite cheia de breu.

Uma certa vez, em um certo interior litorâneo, aluguei uma casa para uma temporada, que me informaram ter sido de um casal oriundo de Minas Gerais. Me contaram que após o marido morrer, a companheira mudou-se e nunca mais se tinha ouvido falar dela.

Percebi que havia uma velha estante na sala, preenchida por alguns livros, segundo o atual proprietário, eram do antigo casal, e como eram bonitos foram ficando, ficando, até virar patrimônio da casa. Possivelmente, nenhum inquilino leu, pois eram escritos em alemão, língua não muito próspera em nosso país.

Certo dia, comecei a folhear alguns deles, e em um certo volume, intitulado Der Kapital, de um certo Karl Marx, encontrei uma curiosa carta. Aliás, curiosa não seria o adjetivo certo, uma vez que pelo teor era algo que iria mexer com meus sentimentos para sempre.

Deitei prazeirosamente na rede e li:

"Sou uma mulher plenamente feliz

Estou fazendo esse texto, meu amor, para que todas as vezes que não estiver presente me sinta nas palavras que correm livres, o meu grande amor por você. São palavras singelas, sem maiores pretensões, pois não tenho o seu dom da escrita, esse conjunto maravilhoso de frase que um dia me fez sentir o toque da sua paixão.

Como você sabe, fui criada por uma família tradicional com valores que orientavam o que uma mulher honesta deveria fazer ou não. Ao passar do tempo, percebi que esses valores não eram meus e nem da maioria das mulheres, mas coisas que colocaram em nossa mente e que repetíamos como se fossem nossas. Quando dizia “eu sou assim; gosto disso; isso é pecado”, na verdade estava a dizer o que a má tradição - embora exista a boa tradição - queria como  me comportasse. Lembra da dialética do Senhor e o Escravo, daquele filósofo alemão? Pois é: eu era uma escrava que dizia ser meu, os pensamentos do Senhor.

Lutei muito contra esses valores, muitas vezes com muita dor, mas a dor está sempre no presente e deve ser ultrapassada, e depois dela vem o sentimento de liberdade. Sempre senti, que mesmo que amasse muito um homem, o meu corpo era a minha conquista de prazer, e nada ou ninguém terá o direito à exclusividade sobre ele. Sempre sonhei com um companheiro cúmplice dos meus prazeres e fantasias, um homem que entendesse que a mulher tem uma grande amplitude sexual, jamais sonhada pelos machistas, ou mesmo, infelizmente, por inúmeras mulheres que pensam que são felizes, mas sempre estão depressivas, e como fuga das suas infelicidades, comem em demasia, são consumistas e escravas de um cartão de crédito. Ou pior: em vez de buscarem na religião os valores de solidariedade e da irmandade, nela procuram uma fuga para as suas infelicidades.

Depois de muitas relações frustradas com muitos homens infelizes e machistas, você apareceu, meu amor, assim como um bom anjo  que lhe anuncia a felicidade. Depois de tantas “bebidas amargas”, de alguns relacionamentos desfeitos, como disse o poeta Chico, você “foi chegando sorrateiro, deitou em minha cama, e me chama de mulher”. É verdade. Você nada perguntou, não indagou sobre o meu passado, apenas me presenteou com palavras que apontavam para o futuro. Que palavras, meu amor! Elas falavam da liberdade da mulher, da sua abertura para o mundo, de seus prazeres inocentes que davam prazer ao seu corpo, das suas imensas fantasias que sempre foram mal entendidas, e muitas vezes, as mulheres que ousaram, foram jogadas nas fogueiras, apedrejadas, tidas como putas, sob o escárnio da população. Mas como disse Jesus, eles atiram as pedras porque esses “pecados” estão em suas cabeças, e, no fundo, esses homens apedrejadores só se sentem motivados com as mulheres livres, e não é à toa que ao se desmotivarem das suas mulheres-propriedades, ele as traem com as mulheres livres. Ao contrário dos homens que conheci, você, meu amor, me motivou para ser uma verdadeira mulher, uma loba que caça prazeres, mas sempre apaixonada imensamente por você. Nunca esqueço as suas palavras: “você, meu amor, não é uma mulher safada, uma puta, ou qualquer adjetivo desqualitativo. Você é apenas uma grande mulher!”.

Assim, meu grande amor, saio ao seu lado para curtir as fantasias, sem medos ou culpas, e que se dane os infelizes invejosos. Nos amamos e somos cúmplices, e isso é que importa. Você me faz a mulher mais feliz do mundo, sempre lhe disse isso, e não custa nada repetir sempre.

Te amo

Sua loba"

Depois da leitura, acho que dormi, acordando com uma lambida de uma velha cadela de rua que sempre passou por aqui em troca de um pires de leite.

Olhei para ela e disse: "bom dia, loba". Ela abonou o rabo, deu meia volta e se foi.

Só digo uma coisa: depois desse texto, as mulheres são consideradas por mim como o centro do mundo. A origem, o meio, o fim.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

O axé coronado

O axé coronado

Vírus é vírus e não é tarefa fácil enfrentá-los. O pior é quando dois vírus se associam, sendo que um pode potencializar o outro, o que pode ser o caso prejus vírus e o corona vírus. O primeiro, o prejus, pensava-se já extinto em decorrência da ação do Ministério Público que observou a existência de graves irregularidades na administração dos recursos públicos, oriundos de emendas parlamentares que alimentavam o voraz apetite do vírus pelo erário público. O bicho era insaciável, pois não só comia o dinheiro público, como transformava o espaço público em área privada. Bicho danado! Entretanto, ao que parece, as medidas profiláticas não eliminaram os núcleos protéicos do vírus, e o danado está voltando com toda a força, assim como o corona vírus, mais coroado.

Por falar em coroa, o nosso Rei Edvaldo - segundo as más línguas, ele reina, mas quem governa mesmo é o Sr. Laercio Oliveira -, abandonou a zabumba, um resquício plebeu, para virar o rei momo do axé music. Dessa maneira, o nosso ex-foguinho e ex-zabumbeiro, que agora ostenta o pomposo apelido de “asfaltador das ruas das ilusões”, sob aplausos dos irmãos empreiteiros, entrega as chaves da cidade ao Fabiano, o famoso empresário dos prazeres gerais, para que o dito cujo implemente o turismo aracajuano, mesmo que a Orla de aracaju, o Parque da Sementeira, a Orla do Por do Sol, o Calçadão da Treze de Julho, as inúmeras praças da cidade estejam em completo abandono, deterioradas e parcialmente destruídas. Contradição? Pode ser, mas o que dizer de uma cidade que se diz turística, que em pleno período turístico, os bares fecham na segunda feira?

Se estamos todos alarmados com o avanço do corona vírus, e se pode haver uma associação com o vírus axé coronado, que em Aracaju tem o nome de prejus vírus, então cabe uma análise mais aprofundada, e ninguém melhor que Miguel da Musuca para fazê-lo. Diz o nosso sábio da Musuca:

“O axé coronado nasceu na Bahia, um projeto genético das elites preconceituosas baianas que viam no antigo carnaval baiano uma herança popular da idade média, onde a sátira, a ironia e o riso eram fatores destrutivos da seriedade hipocrita dos “bem nascido”. Então nada melhor que um carnaval da exclusão, onde os que se julgam melhores e superiores dançam protegidos por cordas e seguranças e nos camarotes de luxo. Quanto ao povão foi criado a “pipoca”, local onde se comprimem dez pessoas por metro quadrado - os denominados “mal nascido” -, todos embalados por uma música ensossa, repetitiva e sonolenta. Assim, o que esperar de uma acarajé sem óleo de dendê, pimenta e um bom camarão seco? Revolta, raiva, descrença, e por conseguinte, a violência dos excluídos é inevitável, pois o carnaval de rua é de todos e para todos, sem alguma distinção”.

Devo dar razão ao mestre Miguel da Musuca. O espaço público não pode ser privatizado para gerar lucros para o seleto grupo de empresários. Se eles querem realizar seus eventos, que os façam em áreas privadas, locais que possam rentabilizar seus lucros, através de seus variados serviços. É inadmissível, porém, o uso do espaço público e de verbas do erário para engordar seus grandes lucros, uma vez que as referidas verbas devem ser destinadas a eventos culturais públicos, como o carnaval, por exemplo, o que possivelmente não irá acontecer, pois o nosso ex-zabumbeiro está mais preocupado em agradar os empresários, formentando um grande núcleo de apoio para sua reeleição e para a futura eleição do seu grande mentor, o Sr. Laercio Oliveira.

O leitor mais ansioso está a perguntar: onde entra o corona vírus nessa história? Ora, como falam os especialistas do assunto, quanto maior a concentração de pessoas por metro quadrado, maior o risco de contaminação, e raciocinando dessa maneira, os pipoqueiros populares que são comprimidos como sardinhas em latas, evidentemente, serão os alvos preferenciais do corona vírus, esse terrível bichinho que possivelmente será transmitido por algum “bem nascido”, porque somente essa categoria de folião tem o privilégio de ter ido ou conhecido alguém que foi à China.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna