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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Uma reflexão sobre as manifestações públicas nas ruas

A Esquerda deve fazer uma frente antifascista?

"Dramatizam-se as diferenças para esconder as semelhanças."
Boaventura Santos
"Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas".
Mia Couto


Segundo alguns Partidos, a resposta é afirmativa, porque, segundo eles, existe um perigo real da extrema direita assumir o Poder. Então, segundo esse raciocínio, deve-se fazer uma Frente de Centro-Esquerda, seguindo uma pauta de reformas possíveis e palatáveis para essa Aliança. Acrescentam, ainda, que as atuais revoltas populares, apesar de serem autenticas, carecem de objetivos claros e definidos, devido o caráter anárquico e plural dessas manifestações.

Reconheço que essa análise tem uma razoabilidade sedutora, pois em tempos confusos onde viceja o desprestigio político e um grau razoável de ingovernabilidade, as aves de rapinas fascistas voltam a piar com seus voos rasantes. É uma preocupação responsável e verdadeira, no entanto, torna-se necessário uma análise dialética mais aprofundada, utilizando seus elementos de sincronia e diacronia, para não reproduzirmos mais uma vez a velha dialética da conciliação das elites. O velho maniqueísmo atuante, com os Partidos de esquerda como meros coadjuvantes das falsas oposições que objetivavam uma disfarçada, mas eficiente manutenção dos velhos privilégios das elites.

Não consigo perceber nessas manifestações a existência de grupos ideológicos fortemente combativos, em franco processo de lutas destrutivas, capazes de provocar uma aguda desestabilização sistêmica, ao ponto de criarem um vazio político, um caos desagregador que levasse e possibilitasse aventuras golpistas, como foi o caso da Espanha republicana ou da Alemanha pré-nazista. Se alguém aventar o golpe militar de 1964, como exemplo, devo lembrar que havia outras conjunturas políticas, como a guerra fria, o crescimento dos ideais comunistas-libertários, o que levou ao Estado norte-americano investir pesadamente no golpe. Ouso dizer que não foi por ausência de uma frente de centro-esquerda que o golpe militar foi vitorioso, mas pela fraqueza de um governo que confundia popular com populismo e associava Democracia com permissividade e fraqueza.

As atuais manifestações populares em todo o mundo possuem características contraditórias, difusas e expressam inconformismos plurais referentes à crise do neoliberalismo econômico, ao tentar voltar ao passado, eis que a linha do tempo histórico se revelou implacável no desnudamento do trágico embuste. Não deve causar estranhamento ou surpresa, o fato que a população rejeite os Partidos políticos enganadores, mais de perto os que diziam ser da esquerda transformadora que avalizaram o neoliberalismo, formando Frentes de "centro-esquerda" almejando a partilha do Poder. O que restou das propostas populares foi apenas poucas migalhas populistas. Portanto, no meu ponto de vista, essas manifestações populares "sem lenço e documento", plurais e revolucionarias, sem guias e sem modelos, é algo novo que não se encaixa nas análises dogmáticas dos dialéticos pragmáticos e nos modelos históricos do passado.

Possivelmente, alguns desses teóricos que defendem uma Frente política visando manter Dilma e seu grupo político, possuam algumas motivações infra racionais não-confessáveis, enquanto outros são embebidos da mais pura boa-fé ingênua. Esse grupo político que está no governo, formado por naipes variados de interesses, é fruto de um compromisso histórico que vise alicerçar algumas conquistas populares e uma ampliação democrática possível, através de um acordo temporário político? Se for afirmativa essa indagação, então, torna-se necessária a Frente política, mesmo que isso seja para alguns Partidos, um freio temporário nas suas ambições políticas.

Um compromisso político estabelecido com Sarney, Jader Barbalho, Collor de Mello, Maluf, Renan Calheiros é um acordo que visa avanços populares e democráticos ou uma negociação precária de governabilidade, fechando os olhos para a corrupção e o patrimonialismo populista? Dependendo da resposta, a Frente justifica-se ou não, lembrando a frase sempre atual de H. Arendt que, "banalizar o mal é pior do que o próprio mal", tendo em vista que no caso dessa Aliança governamental, pelos fatos amplamente divulgados, parece não se tratar de uma simples banalização, mas de um alto teor de cumplicidade.

Senhores teóricos da conciliação dialética, ponham-se no lugar dos pequenos Partidos de esquerda que se mantiveram afastados do Poder, pagando o preço do isolamento e convivendo com um raquitismo político, decorrente das suas intransigências ideológicas. Não perder a referência da luz tênue do farol ideológico, frente a um mar bravio, não é o único trunfo político que resta a eles na conquista da influência política, junto à população descontente? A não ser que haja uma grande possibilidade de um enorme retrocesso político, nada justificaria um freio nas reivindicações radicais-transformadoras desses Partidos. Existe mesmo o perigo de golpe fascista ou é a antiga dialética da implementação dos pares dicotômico amigo-inimigo, com a construção de oposições alarmantes que objetivam a formação de acordos espúrios? Não foi isso que um certo Partido de Esquerda fez no final da Ditadura Vargas, transformando o caudilho ditador em um progressista estadista? Sarney não foi transformado em um legitimo Presidente Democrático, chefe supremo da Nova República, através dessa dialética pragmática e espúria? O que restou dessas Frentes de mudanças? Um avanço das mudanças populares ou uma Constituição feita por um Congresso eleito pela ditadura militar, cheia de incongruências, de acordos díspares, de normas programáticas que permitem um Judiciário usurpador agir em defesa dos velhos privilégios? Uma Constituição Democrática ou uma farsa negociada com o aval da esquerda, onde nas inúmeras contradições existentes já se encontra a potencial síntese germinal da destruição da Democracia? O Brasil mudou ou mudou para que nada mudasse?

Todo processo de mudança tem seus riscos, pois, gradativamente, os ganhadores do passado perdem seus privilégios em prol do desenvolvimento social. E ninguém cede alguma coisa, a não ser que esteja em eminência de perder todas as coisas e como as elites dizem: "vão os anéis e ficam os dedos", apesar de em muitos países que aconteceram mudanças verdadeiras, os dedos foram atrofiados, restando alguns anéis honrosos. No Brasil, das mudanças da falsa dialética prostituta, os dedos continuam cada vez mais ágeis, os anéis se acumulam e para acalmar a população descontente, anéis de fantasia são ofertados por caridade, com aval de alguns Partidos avermelhados, que dizem: "melhor isso do que nada. Melhor bosta de pombo no olho, que bicada de gavião".

Enfim, deve ser criada uma Frente de centro-esquerda? Mesmo hesitante, devido às minhas perenes dúvidas e querendo ser convencido do contrário, acho que não. Creio que o momento é de inserção nos movimentos de massa, com cautela e sem arrogância dogmática dos "salvadores da Pátria". Buscar negociar uma pauta mínima com os Partidos e entidades de classe, visando à luta contra a corrupção, o estabelecimento de um novo marco refundador político e de cidadania, com a conclamação de uma verdadeira Assembléia Nacional Constituinte para a construção de uma Constituição popular e Democrática impeça as elites derrotadas no Parlamento busdarem socorro em um Judiciário usurpador. Evidentemente, os perigos são enormes, pois as elites políticas brasileiras não estão acostumadas com reveses políticos dos seus privilégios. Uma aguda crise de governabilidade pode acontecer, mas isso não autoriza que façamos um acordo apressado e derrotista. O tigre pode ser solto, no entanto, não vamos tentar monta-lo, nem fugir apavorados. Vamos olhar nos seus olhos e se necessário, efetuar um retorno dialético ao tempo das mandíbulas que estraçalhavam e rasgavam as nossas carnes. É necessário reescrever o passado, trazendo-o para o presente em busca de um futuro inovador.

Infelizmente, alguns companheiros que sentiram a mandíbula dilacerante do tigre, fogem assustados ao ouvirem um simples miado de um gato caseiro. "Felino é felino", dizem, para depois, sentenciarem: "gato escaldado foge de água fria". Nada mais falso! Eles confundem o efeito com a causa. O terrível felino não passa de um tigre velho, comedor de pessoas, treinado pelos donos do circo para punir e assustar os desviantes, pois não passa de um escravo com status de gladiador. Olhar nos olhos do velho tigre, mesmo com o risco das suas mandíbulas trituradoras, é o desafio subversivo da liberdade, os momentos de empatia construída pela coragem e o sacrifício, um ato de fé transcendente no Coliseu das ruas contemporâneas, o desmascaramento dos donos do Circo. Como poderemos fazer acordos com eles?

Ivan Bezerra de Sant Anna



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