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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A Floresta




Era uma daquelas florestas tropicais, exuberantes, úmidas, multicolores, prazeirosas para os desavisados pássaros que nelas sobrevoam, um mundo mágico tão a gosto do meu escritor preferido, William Shakespeare. No entanto, cada pensador tem sua maneira de viajar, ou melhor: de retornar, como foi o caso da Odisseia, escrita por Homero. O leitor pode estar pensando que de uma maneira sinuosa, tenho a petulância de me dizer escritor. Longe disso e, desde já, rogo muita  paciência para suportarem a agressão visual da minha escrita trôpega, hesitante e confusa, porém, devo confessar o esmero que tive em cada palavra, vírgulas, frases e parágrafos. No entanto, deixe-me alerta-los: não se iludam por uma possível melodia elegante e ritmada de algumas frases. Sou um verdadeiro caos organizado! A prova viva que a dialética existe. Uma polifonia de vozes em sínteses precárias.

E essa floresta é uma verdadeira polifonia, uma variedade policrômica, articulada por entidades tão estranhas, mas, ao mesmo tempo, imensamente familiares. Cada cultura tem suas florestas e suas entidades fantasmagóricas que nelas habitam. Os Duendes, os gnomos infestam as florestas europeias, enquanto os brincalhões Sacis, as Mulas sem Cabeças, as Caiporas pululam nas nossas quentes e úmidas florestas. Elas sempre estiveram lá, muitas vezes reprimimos os nossos olhares, o nossos pensar, entretanto, de uma forma ou outra, elas se fazem presentes, dialogando conosco, gritando, oprimindo, dependendo do nosso relacionamento para com elas. Às vezes, ocorre-me pensar que essas entidades são as nossas outridades suprimidas do nosso auditório interno de debates. Muitas vezes não facilitamos, não é? Não seriam elas, projeções  das nossas personas?

Afastando as densas folhagens, cipós, bombardeado por mosquitos com complexos de caças bombardeiros MIG, descubro ser, infelizmente, muito tarde para reclamações e que a exuberante luz que reverbera no telhado verde da belíssima floresta, somente existe com uma respeitosa distância da mesma. Rugidos, assobios, gargalhadas, ouvia tudo com uma coragem solar que declina para o poente, enquanto meus parcos pelos que teimavam ficar na minha cabeça, eriçavam desafiantes, entendendo o significado das palavras adrenalina e porco espinho. Quantas vozes e quantos fantasmas! De repente, um longínquo mungido bovino. Silêncio total. Solidariedade no medo.

Qual o motivo de um ruminoso das pastagens causar tanto temor à exuberante floresta? Vendo um macaco com cara de gente pular de galho em galho, de repente, uma luz: nada nos padrões da Apple, mas um pequeno brilho insistente, do tipo, cu de vaga-lume. Sim, deve ser o medo da uniformidade dos monótonos pastos verdes que no passado eram florestas  polifônicas, alegres, livres e pungentes. Pobre corno, senhor dos pastos! Pensa ter a plena posse da uniformidade comestível, acabando sendo alimento de alguém que, mesmo ostentando uma piruca de touro, tem o privilégio de ouvir o Reginaldo Rossi para aplacar a inevitável dor do abandono.

Juro ter visto uma Caipora que passou com um riso faceiro, como estivesse divertindo-se dos meus pensamentos matreiros. Elas são os espíritos das mulheres que ousaram conjugar com integridade o verbo Ser, sendo mortas por mãos assassinas de bovinos possessivos e raivosos. Elas sabem das coisas! Imagino que elas sabem que nas cabeças florestais das pessoas existem inúmeras vozes e todas elas exigindo o direito inalienável de serem ouvidas. Sabem da necessidade do homem vivenciar as inúmeras personas que trafegam no seu imaginário e seria tão bom que de vez em quando deixasse o feminino ensaiar alguns passos de uma milonga, de um tango ou de uma gafieira.  Ao sentir o feminino nas suas entranhas é bem possível que o homem procure na fêmea a cumplicidade, o companheirismo e a concretização totalizante para sua mulher interna, ao contrário daqueles que censuram a feminilidade interior, vendo-as na sua exterioridade, como caça ou alimento. Penso que o riso cínico e sardônico da Caipora é uma gargalhada de vingança, pois quase sempre ela sai da floresta e vai à procura de um desavisado bovino, faz a incorporação, assumindo o total controle do seu centro de vontades e desejos. E o que resta ao pobre chifrudo e quais são suas escolhas, se a mulher-caipora assumiu totalmente o controle? Caçar outros bovinos, na ilusão que é um ato de escolha! Enquanto a caipora caça cornudos, ou touros com complexo de cornitude, divirto-me com a ideia subversiva que os ruminosos "graciosos" são os machistas (os cornos virtuais) por outros meios. É uma pena que nessa floresta não existam lobos, pois com certeza, uivando, diriam: só existe um verdadeiro lobo ao lado da sua loba cúmplice e livre.

Mesmo sabendo que muitas pessoas se perderam no coração da floresta, percebo que o medo me abandonou e posso entrar e sair dela, quando quiser. É quase Natal e minha família me espera para a ceia, mesmo entendendo que esse dia é mais um dia no calendário. No entanto, precisamos ter um dia para homenagear alguém que gostamos. E confesso o meu amor continuado pelo Nazareno e nada mais justo que homenagea-lo na data do seu nascimento. Ele me ensinou que o Deus como Ente supremo, a vontade do mundo, onisciente, julgador e vingador, o Deus hebraico, nunca existiu, a não ser nas projeções da vontade humana e na necessidade de proteção para a inexorável finitude humana. Como Jesus deve ter sofrido com a insistente indagação dos seus seguidores sobre o local onde se encontrava Deus. Ele pacientemente, dizia: "onde estiverem mais de três pessoas, lá estará Ele". E para reforçar essa ideia de comunhão, Deus como um dever-ser à união, realizava a multiplicação dos peixes e dos pães. Morrendo na cruz e verificando que os homens de boa vontade lhe abandonaram, sob os olhares corajosos das três Marias, ainda teve tempo de selar a morte do Deus externo, dizendo: "Pai, por que me abandonaste?" Aqueles que o abandonaram eram as "mais de três pessoas reunidas", o Pai, a quem ele falou nos estertores da morte e que hoje insistem que ele voltará. Pobres ruminosos, amantes da cornitude, destruidores das florestas, Ele, o Nazareno, não voltará por uma simples razão: ele se foi como qualquer mortal e sua obra imortal foi deixar Deus nos corações dos homens.

Feliz Natal.

Ivan Bezerra de Sant Anna


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