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quarta-feira, 11 de março de 2015

Democracia aparelhada

Democracia aparelhada
 



Quando Louis Althusser escreveu sobre a ideologia e os aparelhos de Estado, demonstrou que o processo democrático e a possibilidade de mudanças profundas em uma democracia burguesa era extremamente limitada por um procedimento de reprodução ideológica através de aparelhos de Estado. No entanto, Althusser jamais imaginou a possibilidade de um aparelhamento partidário, efetuado nas estruturas institucionais do Estado, salvo em ditaduras totalitárias. Possivelmente, essa lacuna aconteceu porque o mestre não pesquisou a estrutura política brasileira e sua convivência siamesa com a corrupção. Se estivesse estudado com minúcia o nosso modelo político, de uma completa esquizofrenia conceitual e de grandes possibilidades pragmáticas, com certeza, perceberia a potencialidade evolutiva de uma reprodução ideológica para um total aparelhamento partidário. 

Ora, o mestre do marxismo estruturalista teve a França  como referência, País onde a Democracia sedimentou-se através de sucessivos retornos dialéticos, alijando as  velhas práticas autoritárias e de aparelhamento do Estado monárquico. Evidentemente, o processo de dominação evoluiu para as sutilezas da reprodução ideológica, a difusão das ideias da classe dominante através dos aparelhos ideológicos do Estado, complementado com eficiência, segundo os brilhantes ensinamentos de Gramsci, por uma orquestrada difusão ideológica realizada por grandes intelectuais ou orgânicos, inseridos nas organizações da sociedade civil, a casamata ideológica do sistema capitalista. No entanto, o que falar das republiquetas do terceiro mundo, mais de perto o Brasil?

Populismo, compadrio, clientelismo, corrupção, foram práticas políticas usadas ao longo de todas as formações republicanas, sejam elas velha, nova, novíssima ou qualquer outro nome de batismo que prometa mudanças para que nada mude. E como ninguém é de ferro, para os discordantes, que o dinheiro não conseguia comprar, uma boa dose de porrada. Apesar desse imenso repertório usado pelas oligarquias, nunca houve um projeto de poder de um grupo político que perdurasse por muito tempo, isso se deve, em parte, aos imensos conflitos e negociações que havia no seio das estruturas orgânicas do Estado. Isso talvez explique a raiva e a frustração de uma parte da elite política  tradicional pelo lulismo, uma vez que esse agrupamento político está conseguindo implantar, o que por séculos as antigas elites não conseguiram, o total aparelhamento partidário do Estado.

"Isso é uma ficção, uma interpretação paranóica, pois como pode um pequeno Partido político aparelhar os órgãos estatais", dizem os que cultivam o bom hábito da dúvida. No entanto, aí reside a esperteza do falcões lulistas. O PT é apenas um pequeno Partido - e deve continuar sendo -, uma agremiação singela que não assuste aos grandes Partidos tradicionais, um instrumento estratégico do grupo lulista, uma mão ilusória de um esperto mágico, para desviar a atenção da plateia enquanto realiza seus movimentos enganadores. Querem um exemplo dos primeiros passos do grupo? Enquanto os dirigentes dos Partidos aliados relaxavam contentes com os acordos realizados, Zé Dirceu montava na surdina o mensalão, um circuito de financiamento parlamentar, uma ação direta sem a intermediação dos Partidos, visando o controle direto do parlamentar, em detrimento da existência das agremiações partidárias.

Entretanto, esse primeiro ensaio ainda era baseado na persuasão financeira e não em um controle político rígido e eficaz, realizado pela estrutura orgânica estatal. Os reais passos para o aparelhamento totalitário da máquina estatal foi realizado com o avançado aparelhamento dos Tribunais superiores, com a nomeação de magistrados com uma história de prestações de serviços ao grupo lulista ou advogados cúmplices das negociatas petistas. O grupo lulista não nomeia um ilustre jurista com afinidades ideológicas, mas um soldado, um fiel companheiro, um "sem Terra" sofisticado. Ora, os tribunais superiores, mais de perto o STF, devido à liberdade que possuem na interpretação constitucional - eles dizem o que querem sobre a Constituição -, estão aptos e instrumentalizados para a prática da usurpação da vontade popular, podendo, dessa maneira, resolverem com a parcialidade "companheira", todos os conflitos que possam impedir a manutenção do Poder do grupo lulista.

Entretanto, existe algo mais grave para a alternância democrática: o aparelhamento do TSE e a manipulação dos resultados eleitorais!  Quando foi implantada a votação eletrônica, as urnas eram equipadas com impressoras para registrar em papel os votos dados, podendo os Partidos descontentes pedirem a recontagem física. O "gato comeu" as impressoras posteriormente, com a alegação de constantes defeitos, fato esse que deu possibilidade de imagináveis fraudes eleitorais, robustecidos pela relutância do TSE de permitir a recontagem eletrônica. Nesse cenário, existe alguma possibilidade de alternância de Poder? Vocês imaginam o grupo lulista perdendo alguma eleição para a Presidência? Se imaginam, estão banhando-se nas águas cândidas da ingenuidade ou do lamaçal da má fé. Pode-se afirmar que o feto democrático já nasceu disforme, parido por uma mãe viciada nos alucinógenos autoritários das elites oligárquicas, e agora encontrou sua morte prematura.

Não adianta somente retirar a Sra. Dilma da Presidência - razões existem de sobra - se não houver uma ruptura profunda na estrutura simbólica-normativa do Estado, com a suspensão das atividades dos órgãos aparelhados e a convocação de uma autêntica Assembleia Constituinte que vise a construção de uma Democracia real. Como ex-militante do PCB, assumido dialético marxista que lutou contra a tenebrosa ditadura militar, não estou pedindo o retorno da ditadura militar, (que todos os espíritos de luz me livrem desse retorno) mas a união da sociedade, dos trabalhadores, dos militares democráticos descontentes, em um processo revolucionário que tenha como meta a abolição da corrupção e a construção de uma verdadeira democracia popular. Rejeito com ardor as teses anticomunistas de grupos que possuem como verdadeiros objetivos o alinhamento com o imperialismo norte-americano, a entrega das nossas riquezas e a exploração dos trabalhadores pelo capital financeiro neoliberal, o que o grupo lulista disfarçadamente realizou, compensando os milhões de miseráveis com bolsas ínfimas e populistas. No entanto, os ideólogos do Lulismo, confundem propositalmente um golpe reacionário de 1964 contra a Democracia, com a intervenção progressista do tenentismo brasileiro ou da Revolução dos Cravos em Portugal, movimentos revolucionários, como tantos outros registrados pela história, destruíram o autoritarismo e construíram uma Democracia real.

O tempo urge e o processo de aparelhamento cresce a cada dia, inclusive nas Forças Armadas. Um procedimento lento e insidioso, como uma serpente que avança sorrateira. Um certo dia, em uma manhã ensolarada, perceberemos que é tarde demais, somente restando uma declarada guerra civil. "Banalizar o mal é pior que o próprio mal", alertava Hanna Arendt.

Ivan Bezerra de Sant' Anna


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