Um falso dilema
Haddad versus Bolsonaro, uma férrea luta entre a liberdade e o autoritarismo? O Fascismo versus a Democracia? A batalha entre as forças reacionárias e as forças progressistas? Realmente existe o perigo de um golpe de Estado, capitaneado pelo anticomunista Bolsonaro?
Desde de pequenino que ouço o mantra que ecoa nas ruas, a famosa “Mudança Já”, mas, entra ano e saiu ano, e a desprazerosa tese leopardiana do “mudar para que nada mude” se torna uma lei rígida e imutável da política brasileira.
Se o leitor percorrer as trilhas passadas da História, perceberá que só existe um tema, embora existam muitas variações modais e harmônicas. Um improviso aqui acolá, algumas alterações cromáticas, entretanto, o tema continua íntegro, inexorável, um destino de bronze, e para ficar a gosto dos espíritas, um karma que sempre renasce atualizado.
Infelizmente, salvo algumas exceções, o nosso caminhar liberal traz em seu bojo a potencialidade virtual do autoritarismo que se atualiza incessante, ora como farsa, ora como tacape. No entanto, mesmo sob a face suave da tapeação, de vez em quando, de maneira involuntária, deixa-se escapar a face cruel da violência, mesmo sendo altamente danosa na sua modalidade física, é densamente terrível na sua máscara simbólica.
O arquétipo do Imperador sobrevive soberano, e, como um simples exemplo, toda vez que queremos destacar a grandeza de algumas pessoas, não hesitamos em nomina-las de Reis “disso e daquilo”. Nunca fomos verdadeiramente republicanos, e a linda Marselhesa sempre foi um eco difuso, sobreposto pelas valsas das elites, mesclada com o baião do cangaceirismo, que, para muitos, a nossa grande pérola cultural. Somos apenas uma massa de indivíduos indigentes, crianças assustadas, clamando por o Grande Pai, e ele sempre aparece em varias faces, às vezes com a espada na mão, outras vezes empunhando caneta, um sorriso gentio, com a língua bifurcada, silabando palavras larápias.
Aqui eles sempre ganham, sejam quais forem os resultados das lutas ou processos eleitorais, pois suas práticas encontram um volumoso eco nos paredões sociais, formados por partículas congregadas pelo pragmatismo corrupto, pelo compadrio, e seduzidas pelos discursos de proteção paternal. “Eu faço e arrebento” é harmonizado com “eu roubo, mas faço”, e as variações tipológicas, como, por exemplo, “retiro você do SPC” ou “morte ao Uber”, são cafezinho pequenos comparados com a arrogância autoritária do “solto o companheiro”, no entanto, como podem observar, são acidentes cromáticos que alteram o acorde, mas nunca a tonalidade. Entre terças, quintas e nonas, diminutas ou aumentadas, o tema tonal continua o mesmo.
Não se deve confundir o autoritarismo com a violência, pois o último é uma ocasional consequência do primeiro. Sorrisos e gestos gentis podem esconder as verdadeiras histórias dos atentados, dos assassinatos misteriosos e de alguns acidentes que vitimaram pessoas momentaneamente indesejadas. Os fatos nunca são devidamente apurados para que as versões fofoqueiras, impulsionadas pela paranóia, se tornem armas poderosas de uns contra outros.
Lula Jr. - sorrir um pouco não faz mal -, o bicicleteiro Haddad, diz que Bolsonaro é autoritário e pode conduzir o País às trevas do mal. Se em parte essa sentença é verdadeira, comparar o Bolso a Hitler, o momento atual brasileiro ao momento político de um Alemanha pré-nazista, convenhamos, é uma piada para fazer levantar defuntos das tumbas. Se o que diz Haddad fosse verdade, então já estaríamos vivenciando o fascismo instaurado, pois, pelo que entendo, não existe algo mais autoritário e atentador à Democracia do que montar uma quadrilha para roubar o dinheiro público, comprar às consciências representativas dos congressistas, e aparelhar os tribunais superiores. Entretanto, as liberdades civis continuam vigorando, inclusive para permitir que o ciclista bandeirante fale suas besteiras.
O que o Ciclista Haddad, Pai Ciro, o arrogante Bolsonaro, Alkimin Merendinha - só para nominar os principais concorrentes - não dizem, e duvido muito que digam, é que o presidencialismo com múltiplos partidos - nos EUA, ao logo da história, somente dois partidos concorrem - não conduz à governabilidade, havendo necessidade de se lançar mão de recursos nada éticos e violadores da Democracia, como a compra de congressistas, o fisiologismo, as chantagens, e outros métodos ainda mais nefastos, e toda essa prática é blindada por um Judiciário que, no mercado de trocas, aufere privilégios e altíssimos salários. É a vigência da velha máxima política, “uma mão lava a outra”.
Nesse cenário, Bolsonaro vai cumprir a promessa de limpeza, da eliminação da corrupção que tanto promete? Como pode cumprir, se vai precisar de apoio dos congressistas, a maioria deles corruptos e fisiológicos? Vai Haddad se desvincular da corrupção que seu Partido comandou ao longo desse anos, uma vez que o Sr. Lula é o seu padrinho político? O discurso pendular e autoritário do Sr. Ciro vai se efetivar? O que os leitores acham? Algum candidato fala sobre a necessidade de uma Assembleia Constituinte para mudar essas regras pérfidas do Poder e fazer que o judiciário obedeça às leis e a Constituição? Quanto a mim, tenho a impressão que todos eles são do time do “mudar para que nada mude”, usando o discurso “vou fazer e acontecer”, uma música deliciosa para os ouvidos da maioria dos eleitores pragmáticos que subsistem com a ausência do estatuto de cidadania. Eleitores e candidatos se merecem, e, como dizia o meu saudoso professor Fernando Lins, sob os conselhos de Roberto da Matta, “essa é uma terra macunaímica, onde malandros, heróis, Reis e súditos trocam de papéis para que o posicionamento social dos figurantes continue o mesmo. Mudanças tão somente em nossas encenações dos carnavais de todos os dias”.
Ivan Bezerra de Sant’ Anna