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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Saudades da Panair

Saudades da Panair






Ficávamos fascinados olhando para o céu do Brasil vendo os aviões da Panair riscando linhas imaginarias na tela celeste, quase sempre muito azul. Hoje, os velhos DC-3 são peças de museu, mas na época do minha meninice, eles roncavam poderosos, desafiando a lei da gravidade e assustando os perplexos pássaros que até então se achavam os donos hegemônicos do espaço. Se a lei da gravidade não era problema para os poderosos pássaros metálicos, a espada afiada dos militares e a balança empenada do Judiciário foram armas fatais para as suas sobrevivências. A Panair e seus pássaros alados se foram, mas ficaram as lendas das suas grandes asas planadoras que sinalizavam uma nova era de anseios e sonhos.

Os anos de chumbo seguiam-se inexoráveis, modelados pelos militares truculentos e por grupos de jovens audazes que achavam poder competir com um exército bem armado e assessorado pela CIA. Fuzis velhos e meia dúzias de cartuchos não eram páreo para os tanques e a população estava surda para as palavras revolucionarias e guerreiras de alguns garotos, que confundiam ódio, inconformidade, com consciência de classe. Eram os roqueiros armados que tinham suas maneiras de ser e gritar.

Apesar dos pesares, sonhávamos com um mundo melhor e mais fraterno. Se confundíamos algumas vezes os sonhos com a realidade, no entanto, sabíamos o que não queríamos ser. Mesmo com os olhos inebriados pelos desejos, tínhamos a visão clara de quem eram os nossos inimigos e eles, apesar da repressão violenta, das suas horríveis torturas, respeitavam os nossos ideais e a nossa resistência heróica e determinada. Como disse Fernando Gabeira em um belo texto, "Eles viam ideais no meu corpo arrasado pelo tiro e pela cadeia...O PT queria que eu abrisse mão exatamente da minha alma... Os militares jamais pediriam isso... Jamais imaginei que seria grato aos torturadores por não me pedirem a alma..."

Enquanto os aviões militares cruzavam o céu brasileiro, indo e vindo, levando as tropas da repressão, transladando torturadores e assassinos da Operação Condor, invadindo clandestinamente Angola a pedido do Tio Sam, as consciências dos jovens contestadores voavam velozmente em busca de infinitas possibilidades. Bem que os militares tentavam usar a dialética do "tacape/tapeação" para capturar apoios da comunidade jovem, mas até os adeptos do rock ingênuo, os seguidores da Jovem Guarda do Rei Roberto, estavam surdos para seus apelos. Eles queriam "que tudo mais vá pro inferno", inclusive os militares com seus falsos ufanismos patrióticos. Dançando ou guerreando, os jovens não estavam com muito tesão para o lado pragmático da vida, tais como, a "empregabilidade", os cursos acadêmicos reconhecidos e prestigiados, ou por heranças de bens e valores culturais de seus pais. Se eles eram jovens como sempre foram todos os jovens do mundo desde o principio da humanidade, para que apressar o curso do fluxo do tempo? A pressa em ser adultos, diziam, congela o tempo e as mudanças do mundo, pois, na "mesmice", o tempo não flui.

Nos tempos da Panair existia a censura, mas, como todos os limites impostos, ela existia para ser violada e desobedecida. Como o Judiciário estava mudo e acovardado, apesar de estar munido dos "grandes princípios jurídicos", só restavam aos jovens seus ideais, a audácia dos navegantes e a paixão dos sonhadores. "Caminhando e cantando, seguindo a canção", entoavam os jovens em uníssono, nas ruas cheias de baionetas, tanques e fuzis. Prisões, torturas, perseguições não importavam, pois, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Sonhos irrealizados, frustrações, grandes perdas? Não importa! Os jovens com sonhos, sangue e dor cumpriram a dialética da história como atores vivos e pungentes.

Hoje, ninguém se lembra das asas da Panair e se existe alguma lembrança, ela encontra-se na cabeça daquelas pessoas com corpos gastos que insistem em não envelhecer. Excetuando as manifestações de axé, as caminhadas educadas dos Verdes e as passeatas Gays, a ultima lembrança dos jovens nas ruas de Aracaju foi na época do Gov. Valadares, quando os estudantes foram imperiosamente espancados pela polícia do "democrata" Governador. Tenho saudade do ex-udenista, ex-arenista, o Sr. Antônio Carlos Valadares, porque sabíamos onde encontrava-se o mal, o retrocesso e o populismo mentiroso. As fronteiras eram demarcadas e nossas almas estavam intactas...

Jamais imaginei que um vampiro milenar, transvestido em um trabalhador simplório, roubaria as nossas cores, beberia o nosso sangue e sugaria as nossas almas. Hoje, os jovens são como zumbis que vagam nas grandes ruas com sonhos pequenos, com desejos diminutos, com almas prisioneiras e sem fé. Cantam, dançam, consomem e teclam no Face ou em outro aplicativo que logo irá surgir, cada dia mais virtuais e menos reais. Eles não protestam, não gritam, não brigam. "Cada um por sí e Deus por todos", e se eles não inventaram o mundo, por que muda-lo? Pensar em um mundo solidário, na comum humanidade, na fraternidade? Isso não é tarefa para os "jovens, muito jovens" atuais. Essa atividade é para quem dignifica o Pensar, os sonhos e a destinação essencial histórica do Ser Humano. É o trabalho para quem escreve a história e não para quem vive passivamente nas suas páginas. Infelizmente, os "jovens, muito jovens" empenharam suas almas às elites poderosas, criadoras de lacaios que vestem-se e falam como o povo, para confundir socialismo com populismo, hegemonia com autoritarismo aliciador e a liberdade com autonomia individualista para ter e explorar.

Que asas simbolizam os dias atuais? Os dos jatinhos que levam e trazem corruptos? Das pombas com caras de gaviões do Partido "Socialista" dos senhores Valadares e Haddad? Isso tem pouca importância no Brasil Novo. As asas da Panair se foram levando os sonhos para a Terra do Nunca. Ficou uma Republica minada pela corrupção, mantida por um simulacro de democracia, onde os juízes censuram e substituem a vontade popular com os "grandes princípios jurídicos". Local onde reina soberanamente o Capital, um ente simbólico sem rosto ou identidade, mas um agregador de corações e mentes com suas imutáveis regras de competição anárquica.


Ivan Bezerra de Sant Anna






Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/






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