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domingo, 23 de dezembro de 2018

O Natal essencial

O Natal essencial

Uma manjedoura, um casal que fugia da espada de Herodes, um menino por vir. Possivelmente, nunca houve a estrela, três reis magos, animais que mugiam, mas uma fria gruta nos arredores da cidade de Belém, que, segundo Saramago, abrigou Maria com seu ventre volumoso, ao lado do carpinteiro José.

Ah, se Maria e José soubessem o que estaria por vir... Primeiro foi o pai José, depois o filho Jesus. Mudou-se apenas o local da execução, mas a Cruz foi a mesma, assim como foi o nome Maria que dignificou a trajetória da via Crucis: Maria de Nazaré, Maria de Magdala, Maria puta apedrejada, todas elas as Marias de Jesus. E ainda existem, nos dias atuais, milhões de machistas que se dizem cristãos, mas desconhecem e maltratam as Marias do mundo.

Em verdade, os machistas, os cultivadores do individualismo possessivo não só desconhecem a centralidade da mulher - o que fez Jesus eleger Maria de Magdala a sua apóstola maior -, como dão pouco importância ao simbolismo da multiplicação dos pães e dos peixes, momentos que Jesus enfatizava a solidariedade e a socialização dos bens essenciais. 

Eles procuram a religião, motivados pelo imenso pavor da morte, esse limite inescapável que é de todos os viventes, e que desconfio que é a curva da estrada que abre novos caminhos. Portanto, ante à promessa da morte, eles querem viver intensamente, e nesse preceito se incluem a lei do mais forte, o egoísmo de querer ter, uma amnésia que os fazem esquecer o essencialismo do cristianismo: a solidariedade das pessoas de boa vontade. 

“Onde está Deus e como faço para alcançar o Paraíso?”, uma indagação que fizeram a Jesus, e que até os dias atuais não se cansam de fazê-la, porque, ao que parece, a reposta do Mestre é, no mínimo, enigmática, levando-se em conta o jogo de exploração material que estão submetidos. Convenhamos que dá um nó nas cabecinhas desses viventes a resposta de Jesus, quando fala que Deus está onde três ou mais pessoas estiverem em solidariedade. “Deus está em mim, sou um pedaço de Deus?”, pensam assustados. Em verdade, as pessoas não convivem bem com a ideia que são um pedacinho de Deus - uma imensa responsabilidade! - preferindo que Ele esteja no alto Paraíso, pronto para perdoar as falhas dos filisteus egocêntricos, pois assim é mais prático e cômodo.

Já imaginaram, na atualidade, aparecer um místico que diz que o caminho do paraíso é largar todos os bens e segui-lo? Doido varrido, comunista safado, seguidor de Stálin, seriam as frases que acompanhariam as pedras punidoras. Alguém tem dúvida dessa afirmação? 

Muitas pessoas podem dizer, e com certa razão, que Jesus não é Deus, mas o filho dileto Dele. Ou afirmarem a existência de outras religiões que colidem com o cristianismo. Mas, certa vez, disse Gandhi que todas as religiões que encaram o ser humano com seriedade e respeito, trazem em seus bojos as sementes essenciais do humanismo solidário. Essa é uma verdade que eu acredito, e por pertencer a uma cultura que tem no cristianismo um dos seus sólidos alicerçeres, pois afirmar que sou cristão, afastando quaisquer vestígios do velho testamento judaico, guiando-me pelos exemplos das palavras e das práticas humanistas de Jesus.

Bom Natal para todos, lembrando, porém, que essa data não vive somente de festas, presentes e caridades momentâneas, mas, essencialmente, de um renovado olhar para o outro, lutando por direitos comuns à humanidade, buscando juntar ao nosso, o pequeno vestígio de Deus que existe em cada pessoa, e dia após dia, em um processo constante, construímos o verdadeiro Deus com a junção dos pedacinhos de todos, pois, desconfio, que no Paraíso, entra todos ou não entra ninguém, porque o Paraíso é o lugar de todos, ou melhor, de Deus. A verdade é que por nossas ações solidárias  ou egoístas, sempre estamos saindo e entrando Nele, embora a maioria das pessoas não percebam. Mas Jesus já sabia! Ao convidar a todos  largarem suas posses egoístas e lhe seguir, estava ele definindo o Paraíso.

Ivan Bezerra de Sant Anna