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domingo, 3 de fevereiro de 2013

O carnaval barraqueiro.

O carnaval barraqueiro





Quer insultar uma pessoa? Então, chame-a de barraqueira! Afinal, barraqueira é uma pessoa sem papas na língua, extremamente ruidosa em público e devidamente preparada para o que der e vier. Há quem afirme que esse tipo de pessoa procura visibilidade pública a qualquer custo, devido aos indesejados complexos de inferioridade que lhe atormenta secretamente, assumindo uma personalidade extravagante e agressiva, diametralmente oposta da sua essencialmente íntima. Dessa maneira, podemos explicar porque muitos tímidos ou gordos são "caras legais", contadores de piadas, os verdadeiros festeiros em um encontro social.

E o que o Carnaval tem com timidez, barraco e complexos? Ora, desde a sua origem o Carnaval é essencialmente barraqueiro! Ele nasceu na Idade Média como uma festa de extravasamento popular, satirizando os papéis sociais da hierarquia social, invertendo-os com criatividade e humor, como bem analisou Mikhail Bakhtin em seu famoso livro, A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, ou em nossas plagas, Roberto da Matta, em "Carnavais, Malandros e Heróis". Nesses festejos, o povo sempre armou um bom barraco denunciando e ridicularizando as mazelas das elites poderosas com muita graça e criatividade, podendo qualquer pessoa comum se fantasiar de príncipe e e dizer: "Que rei sou eu?"

Era assim e sempre foi o Carnaval nas diversas cidades brasileiras, inclusive em outras épocas, na cidade de Salvador, segundo os relatos históricos. No entanto, como bem descreveu Jorge Amado em seus livros, as elites baianas eram terrivelmente racistas e não participavam dos festejos de Momo que, segundo essas elites, "uma festa de pobres e negros". Quando a classe média baiana, reprodutora inconsciente do preconceito social, resolveu participar dos festejos carnavalescos, o fez encastelada em blocos abertos, mas marcando posições sociais bem distintas. Ora, dessa marcante oposição nasceu a violência das pessoas das classes sociais ínfimas, contra os "riquinhos metidos" enfunados em blocos que, em resposta, fecharam os blocos e privatizaram as Bandas e Trios Elétricos. Ao povão, que sempre foi o dono inconteste dos festejos de Momo, restou apenas a pipoca, pois o Capital, aproveitando-se do preconceito racial e social, apropriou-se da manifestação popular para gerar ricos dividendos financeiros a serem repartidos por empresários, Bandas e políticos. E os barraqueiros? Eles que se matem entre si com estiletes na pipoca, pois os novos barracos do Capital são os Blocos protegidos e os ricos camarotes.

E em nossa cidade do Caju? Depoimentos de pessoas que vivenciaram os carnavais antigos relatam a existência dessa festa em épocas passadas, mas sem a participação das pessoas "bem nascidas". As denominadas "pessoas de bem" limitavam seus anseios dançantes aos clubes fechados e os mais jovens arriscavam algumas aparições públicas trepados em calhambeques. Como os baianos "brancos" sempre se referiram ao nosso Estado como um quintal deles, a nossa classe média fazia questão de afirmar a sua subserviência, imitando de forma caricatural, os "brancos descendentes dos heróicos portugueses baianos". Ora, quando os irmãos Oliveira, protegidos e associados com o então Governador Valadares, resolveram criar o famoso Pré-Caju, encontraram condições maravilhosamente propícias para a privatização e colonização do nosso já acanhado carnaval.

Entendo perfeitamente porque os aracajuanos da classe média adoram o Pré-Caju. Vivem pacatamente o dia-a-dia moroso, sem maiores emoções, indo para Shoppings, restaurantes, sempre bem polidos, educados, entre uma frase ou outra, "desculpe, excelência", "com licença, foi engano". Aí aparece o Fabiano com os bolsos cheios de dinheiro público, puxando uma Carreata de Trios e Bandas baianas ávidas pelo dinheiro dos nossos baianos falsificados, e os nossos cidadãos da classe média exultam de satisfação, pois percebem que é o momento de armarem um pequeno barraquinho bem discreto. Afinal, depois de um ano de bom comportamento, de opacidade social e subserviências, nada melhor que aprontar um barraquinho. Nada de ironias sociais, sátiras políticas, críticas, mas todos vestidos com uniformes, fazendo pose para as câmaras das emissoras de televisão, dando acenos sorridentes, do tipo "mamãe, eu estou aqui. Tá me vendo?" Claro que tudo isso muito bem protegidos por batalhões de seguranças contra os humores perversos da turba pipoqueira.

Um fato sempre despertou minha atenção. Os shows na Orla, os festivais de verão, o Rasgadinho ou qualquer manifestação similar, não são brindados por uma violência, como se verifica no Pré-Caju, muitas vezes desproporcionais e sem sentido algum. Por que isso acontece? Como explicar que uma pessoa vá ao Pré-Caju com uma seringa cheia de sangue para injetar em outras pessoas? Com que motivação outra pessoa arma-se de um estilete para ferir indiscriminadamente qualquer folião que por infelicidade se depara com ela?

As respostas para essa problemática questão podem ser diversas, no entanto, comparando as diversas festas realizadas em espaços públicos e os seus níveis de violências diferenciadas, arrisco uma hipótese. Em uma festa realizada em um espaço público onde as pessoas não são separadas por critérios econômicos que estabelecem privilégios, sem a exclusão de pessoas, o nível de violência e as ações de assaltantes tende a ser muito mais baixo em comparação com festas que usam critérios econômicos de seletividade para diferenciar e excluir pessoas de determinados privilégios. Dessa forma, a separação das pessoas categorizadas como pipoqueiras (a maioria) e os seletos integrantes de Blocos e Camarotes, geram potenciais elementos de conflito que impulsionam o confronto motivado pelo inconsciente ódio de classe, principalmente em um festejo de integração indiferenciada como o Carnaval.

O Poder Público jamais poderia ceder o espaço público, direcionar recursos financeiros para um festejo marcado por um processo de diferenciação que exclua a maioria das pessoas de uma gama de benefícios e privilégios. Uma festa popular em um espaço público é igualitária por natureza! Portanto, se a nossa elitista classe média tem medo do barraco popular, vá armar seu barraquinho em uma festa privada, em um espaço privado, como é o caso do Odonto Fantasy.


Ivan Bezerra de Sant Anna.




Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/






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