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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Um homem sem qualidade

O homem sem qualidade.

A cidade de Itabaiana inovou. Que cidade arretada, falam uns; que sacrilégio, dizem outros, pois, não é para menos, a polêmica criada em torno da inovação de uma bienal de livros em um shopping center que teve como momento inaugural, a exibição de um filme sobre a vida gloriosa do Bispo Macedo, que, aliás, obteve uma grande estante, ornada com seu livro bibliográfico. 

Foi um salto corajoso dos organizadores do evento, admito. Fosse na Europa, os protestos seriam rumorosos, e mesmo na Terra do Tio Sam, um evento como esse não seria muito bem recebido, uma vez que os nossos irmãos do Norte são muito conservadores para certas coisas. Certo ou errado, o evento, segundo várias testemunhas, foi um sucesso de vendas, pontificando os livros de  auto-ajuda dos nossos psicólogos escritores - me ajude que lhe ajudarei -, e a apoteótica venda do livro do Macedo.

Apesar do nosso Ariano Suassuna está se remexendo no túmulo - ele era um radical -, uma importante indagação deve ser feita: “oxente, gente, por que não se pode fazer uma bienal de livros em um shopping? Que importância existe a ajuda financeira disfarçada da Igreja Universal, mesmo sendo o Peixoto do shopping, irmão do Padre Peixoto, católico ferrenho da velha guarda? Afinal, um livro não é uma mercadoria e os leitores não  são consumidores, a despeito das fronteiras ideológicas e nacionalistas?”

Para responder essas perguntas, nada melhor do que dois intelectuais ceboleiros, Antônio Samarone - o grande líder da expedição Serigy - e nosso Zé do Mercado, opiniões, que ao meu ver, entram em harmonia em alguns momentos, discrepam em dissonâncias, por vezes, mas elucidam, informam com substância.

Zé do Mercado, um socialista da velha cepa, descasca a cebola: 

“Inadmissível uma bienal de livros financiada pelo Capital evangélico, transformado os transmissores de cultura em meros objetos comerciáveis. Esse evento foi a demonstração clara da força da ideologia neoliberal, que transforma as pessoas em meros consumidores sem consciência dos seus papéis diferenciadores no mundo. Esses organizadores do evento, embora vestidos com o manto de divulgadores culturais, objetivaram tão somente a venda dos seus livros, uma bela coçada nos seus egos, usando os poetas populares, cordelistas e memorialistas ingênuos, como simples figuras decorativas”.

Já o nosso Samara, homem com refinamento filosófico, usa uma dialética senoidal - a dialética de picos alternantes -, possivelmente, quem sabe, influenciado pela filosofia do talvez de Nietzsche, um círculo de retornos de negações e afirmações.

No seu primeiro artigo, Samara cita Vargas Lhosa, Deneault e Robert Musil para defender a literatura crítica dos ataques da indústria do divertimento, ressaltando o seu medo ao medíocre, com a citação do Musil, conceituando a pessoa medíocre: “O que faz de melhor uma pessoa medíocre? Reconhecer outra pessoa medíocre. Juntas se organizarão para puxarem o saco uma da outra, vão se assegurar de devolverem favores uma à outra e irão cimentar o poder de um clã que continuará a crescer, já que em seguida encontrarão uma maneira de atrair seus semelhantes.”

Mesmo que em outro artigo posterior, nosso Samara enalteça “o espírito comercial aguçado” do povo ceboleiro, afirmando que “com jeito e sabedoria vende-se tudo”, o filósofo serrano nos legou belos momentos reflexivos, principalmente quando dá ênfase às palavras do Musil. É preciso entendê-lo em seus circulares eternos retornos, pois o nosso António Samarone é a versão ceboleira do Übermensch nietzscheano, um super-homem em busca do seu Zaratustra - espero que ele entenda essa afirmação como um elogio e jamais como ironia.

Samara é um espetáculo à parte - sou seu fã de carteirinha -, e mesmo premido ao elogio, algo dentro dele, leva-o à negação, não importando a ordem cronológica dos seus dizeres. É desta maneira que saboreio a sua citação do Musil sobre a mediocridade. Estaria ele a dizer que o nossos propulsores culturais se organizam “para puxarem o saco uma da outra,  se assegurando “de devolverem favores uma à outra e irão cimentar o poder de um clã que continuará a crescer”? Trocas de favores, premiações cruzadas, monopólio dos circuitos financeiros, criações indiscriminadas de academia de letras com escritores que mal escrevem um telegrama, não seria isso que o nosso Samara está a denunciar? O nosso grande ceboleiro não estaria nos dizendo que o lógico seria primeiro criar escritores para depois formar academias, pois, ao contrário, essas academias só serveriam para os interesses econômicos e devaneios vaidosos dos medíocres?

Essa bela reflexão do escritor Robert Musi, ofertado pelo nosso Samara, foi retirada das reflexões sobre o personagem Ulrich do livro “Um homem sem qualidade”, uma criação tão bela quanto complexa, uma obra que se rivaliza com Ulisses de Joice, quanto à complexidade das suas quilométricas páginas. No entanto, para o erudito e complexo Samara, nada melhor do que uma citação de um livro complexo que denuncia a crescente mediocridade no mundo. 

Ivan Bezerra de Sant’ Anna


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A escolha de Moro

A escolha do Sr. Moro.

Acho que nesse momento, se arrependimento matasse, o Sr. Moro estava mortinho da silva, uma situação lamentável, mas que talvez o salvasse de caminhos pedregosos que possivelmente irá trilhar.

Ele era feliz e não sabia! Seu nome era sinônimo de coragem e renovação das práticas jurídicas, pois pela primeira vez na história, um juiz enfrentava quase toda a camarilha corrupta nacional, composta de grandes políticos, empresas poderosas e integrantes do Judiciário coniventes e corruptos.

Não era unanimidade nacional, mesmo porque os juristas ligados aos velhos esquemas de corrupção, a Ordem dos Advogados do Brasil, uma tal Associação dos Juízes pela Democracia, não lhes davam tréguas, todos essas organizações devidamente aparelhadas pelo lulismo. Isso para não falar no Supremo Tribunal Federal, que há muito tempo - tempos do lulismo - deixara de ser um tribunal constitucional, com as devidas limitações que esse nobre encargo exige, para ser um poderoso órgão político, em constante processo de sub-rogação, algumas vezes como Tribunal de apelação de 3º grau, outras vezes como legislador negativo e positivo, e pasmem os senhores: nem um simples juiz ou um delegado de polícia conseguiram escapar do fenômeno de incorporação mediúnica da sub-rogação de vaidosos “ministros” com suas decisões monocráticas. Esse fenômeno era tão evidente, que levou um ministro afirmar que “com tantos princípios, eu deito e rolo”. E rolou mesmo, Benza Deus!

Quando os protestantes, os evangélicos operadores Juridicos, que muitas vezes usavam a crença das suas verdades subjetivas para esconderem os seus pragmatismos deploráveis, lhes acusavam de ser um juiz político, parcial, você pouco se importava com essas acusações, porque sabia que em um sistema jurídico em que um juiz penal dá suporte às investigações policiais, torna-se prevento para as instruções criminais e ao mesmo tempo vai ser o juiz sentencial, é impossível não existir convencimentos prévios  e acordos com promotores. Essa é a realidade do nosso sistema penal, e é bem possível que nenhum juiz penal fuja à regra, mesmo porque como juiz penal tem que se ater à verdade real, reservando-se para exercer o instituto da imparcialidade no procedimento de julgamento, dando todas as garantias da ampla defesa e julgando em base de provas razoáveis. É uma tarefa hercúlea e desumana, e não é sem razão que em outros sistemas jurídicos existe o juiz de instrução e o juiz de julgamento, como, na Itália, por exemplo.

No entanto, Sr. Moro, a vaidade toldou os seus olhos quando aceitou a missão política de ser superministro do Sr. Bolsonaro. Há que afirme que sua vaidade já era por demais evidente, quando, na época em que era juiz, esqueceu a discrição judicial e desandou a dar entrevista, opinando sobre matérias que deveriam estar protegidas pela discrição. Mesmo não concordando com as suas práticas publicitárias, você o fez para buscar legitimidade popular, procedimentos que encontram em Sr. Gilmar Mendes e outros ministros, um professorado digno de qualquer publicitário, que usa a malícia, a fofoca para fins comunicativos, onde a perversão é o principal instrumento para destruir reputações.

 Meu caro ex-juiz Moro, essa vaidade lhe transformou em uma criança com um pirulito nas mãos que qualquer malandro pode surrupiar. Como não percebeu que o governo Bolsonaro era composto de grupos divergentes, dentre eles, o do Sr. Paulo Guedes? Como não percebeu - ou não quiz perceber -, que o Paulo Guedes já era investigado por supostas corrupções com os fundos de pensões, acusado de ser sócio secreto do Banco Bozano? Não era estranho que o Sr. Guedes era apelidado carinhosamente por pessoas ligadas ao Presidente, como o Sr. Ipiranga, uma clara referência ao Grupo Ipiranga, operador de postos de gasolina? “Onde posso encontrar o Paulo Guedes”, perguntavam alguns. “Lá no Posto Ipiranga”, gracejavam outros.

 Você foi muito ingênuo, Sr. Moro, quando não percebeu que o Sr. Guedes, apesar de ser nomeado pelo presidente para mudar o Brasil, ele sempre teve objetivos bem delineados, sendo o primeiro, mudar o sistema previdenciário para desonerar o empregador, e com o sistema de capitalização, dar grandes lucros aos Bancos, aos quais é ligado. E o segundo, vender as estatais, principalmente a Petrobras, coisa que agradaria muito o Grupo Ipiranga e as demais empresas petrolíferas. Só um cego não via isso, uma vez que o Sr. Guedes sempre foi tido como um medíocre “chicago boy”, um crente desonesto que nenhum governo o queria por perto.

 Como você foi incapaz de ver o desenho futurístico do atual governo, o Paulinho lhe fritou com Óleo de soja. Você acha que o COAF foi retirado do seu ministério, sem que houvesse a negociação manhosa do Sr. Guedes? O que você acha de algumas declarações do ministro Ipiranga, realizadas em algumas palestras, afirmando que o Sr. Lula foi condenado sem provas? Nunca foi informado que o Paulinho mantém estreitas ligações com políticos denunciados como corruptos? Você achava mesmo que seria um superministro, o homem preferencial do Presidente Bolsonaro? Que ingênuo! Enquanto você desfrutava da sua popularidade passageira, Guedes negociava a governabilidade com os caciques corruptos do Congresso, oferecendo sua cabeça em uma bandeja de prata.

 A Operação Lava a Jato está no fim, Moro. Infelizmente lhe usaram como a maior bandeira eleitoral, estandarte que deu ao candidato Bolsonaro legitimidade e prestígio na sua cruzada contra a corrupção. Se o Presidente, nesse momento, pouco está importando com a luta contra a corrupção, imagine o Sr. Guedes, homem que sempre conviveu bem com políticos corruptos, e dela sempre se beneficiou.

 Os sinais são claros: varias decisões monocráticas dos ministros do STF sinalizam o fim da Lava a Jato, assim como a lei de abuso de poder - modificada com a finalidade de assustar juízes e procuradores, impedindo-os que efetuem investigações rigorosas -, vai ser uma boa arma de proteção aos corruptos. O contra-ataque dos poderosos grupos políticos, encastelados no Congresso Nacional e no STF, é cirúrgico e eficaz.

 “Depois de mim, só restará o caos”, disse certa vez, o Presidente Bolsonaro. Essa profecia, infelizmente, poderá se realizar. Com os constantes ataques ao Sr. Moro do grupo de Paulinho Ipiranga, a saída do superministro é esperada. Com o Sr. Moro se vão as esperanças de um Brasil sem corrupção. As velhas lideranças, inclusive o Sr. Lula, voltarão a dar as cartas, restando a desesperança, o ódio rancoroso das massas, e nesse cenário, tudo será possível.

 Ivan Bezerra de Sant’ Anna

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Poesia

Poesia
(Em memória de Maria Iolanda Bezerra)

Leva-me poesia
Leva-me daqui
No meu baú que arrasto
Levo os sonhos vividos
E os sonhos que há de vir

Ô, poesia
Minha amiga de todos os dias
Do João Grilo de humor profano
Do brado amoroso de Castro Alves
As espumas flutuam macias

Das marolas e ondas que fui
À colisão da inevitável Rocha 
Restam espumas memórias 
Marolas, ondas, espumas
Não chorem: tudo oceano

Amei a todos
E nada esperei
Merecendo ou não
O fiz pelo prazer de amar
Por minha humana dignidade

Ah, meu filhinho
Cuida do meu Manuel
Proteja a Lagoa da Mata
Onde seu indomável capim
Sempre regado por minhas lágrimas 

Leva-me poesia
Leva-me daqui
No meu baú que arrasto
Levo os sonhos vividos
E os sonhos que há de vir.

sábado, 3 de agosto de 2019

A simplória divisão: a doença infantil de Maniqueu

A simplória divisão: a doença infantil de Maniqueu

Segundo Roland Barthes, o racional finca suas raizes na argumentação, e o “argumentar significa que o Ego e Alter defendem seus pontos de vistas na expectativa de um entendimento ultimo, isto é, de um consenso, pois de outro modo não estariam entre si numa relação argumentativa, e sim numa relação estratégia, baseada no poder e na violência", e na esteira de Kant e Habermas, acredito nisso! O racional não é a verdade, mas um valioso instrumento cognitivo-discursivo para alcançá-la.

Entretanto, o racionalismo pode se transformar em uma relação estratégica de Poder, onde a incontinência e a violência verbal são tônicas dominantes. Nesse caso, Maniqueu entra em cena, banhado pelos holofotes da ribalta, e não é ingenuidade afirmar que ele seja brasileiro, pelo menos de adoção, pois em um país em que os argumentos são substituídos por verdades preestabelecidas, os conhecimentos são relativizados pela força da crença ou do oportunismo, as instituições republicanas estão aparelhadas por partidos políticos, a dúvida apaixonante da filosofia desaparece, dando lugar a uma crença monótona dos crentes apaixonados e dos inescrupulosos ladinos.

Tragédia ou comédia? Ambas, creio eu, uma vez que de acordo com uma bela reflexão de Thomas Man, em Dr. Fasto, "a tragédia e a comedia brotam do mesmo tronco, bastando então, que se modifique a iluminação para que uma se transforme  na outra". Assim, nesse palco mambembe, banhado por holofotes polarizados, não há lugar para as reflexões alternativas, pois no mundo do “preto e branco” não existe a escala das tonalidades cinzas, e nessa dicotomia perversa, a única escolha possível é entre Deus e o diabo, ficando claro que estamos com Deus e os discordantes com o diabo.

Nessa dramatização das diferenças, que tem como maior objetivo ocultar as grandes semelhanças, fatos baseados em documentos e depoimentos são escondidos, como, por exemplo, a atual questão que envolve o presidente da OAB, o Sr. Filipe Santa Cruz, filho de Fernando Santa Cruz, que integrava um grupo político da Ação Popular, organização ligada à Igreja Católica.

Qual é a verdade? Infelizmente, só existem versões dela, elocubrações e acusações maldosas. Seria o Sr. Fernando vítima dos algozes militares ou foi justiçado pelos próprios companheiros? Mesmo sendo as declarações do Sr. Presidente cruéis, impiedosas, desrespeitosas para com a família do militante Fernando, os antigos comunistas - me incluo nessa lista -, sabiam que a prática do justiçamento existiu, uma prática que visava a proteção dos companheiros em relação aos informantes do regime, sendo exemplar o caso de Elza Fernandes, codinome de Elvira Cupello Colônio, que foi uma militante política do Partido Comunista Brasileiro, enforcada em 1936, pela suspeita de trair os comunistas. Em nossa cidade, conheço dois casos que me foi relatado por um ex-companheiro que foi executor de dois integrantes do PCB que eram informantes da polícia.

O vídeo que circula na net, a bem da verdade, é verdadeiro, mas não se refere explicitamente ao militante Fernando Santa Cruz, segundo nota divulgada pelo site g1.globo.com, explicitando que o depoimento concedido ao repórter Geneton Moraes Neto pelo Sr. Carlos Eugênio Paz, em nenhum momento “fala sobre Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira“. No entanto, para o melhor esclarecimento da verdade dos fatos, torna-se necessário aprofundar as investigações.

O fato do Presidente da OAB ser petista de carteirinha e usar a instituição para fins partidários, ter envolvimento com contratos milionários com os governos petistas, pelos quais foi beneficiado, não autoriza ao Sr. Presidente acreditar na máxima popular, “filho de peixe, peixinho é”, uma vez que uma acusação dessa monta deve ser provada, e mesmo se isso acontecer, não ficou bem para um homem que é Presidente da República descer a rampa do Palácio do Planalto para bater boca com militantes raivosos que, mesmo não respeitando os resultados das urnas, deveriam usar argumentos substanciais, em vez de acusações adjetivadas pelo ódio ou pela malícia dos interesses escusos.

Sr. Filipe Santa Cruz: quem destruiu a legitimidade da OAB não foi a incontinência raivosa do Sr. Bolsonaro, mas foi você e o seu grupo de petistas que aparelharam a instituição, colocando-a sob a batuta do Lula, visando candidaturas políticas - em nosso Estado, o exemplo do Sr. Henry Clay é elucidativo -, e, como ninguém é de ferro, auferir contratos vultosos com o Governo Federal.

Depois do que escrevi, não aceitando o conselho do Nelson Rodrigues, "Finge-te de idiota, e terás o céu e a terra", agora é esperar porradas de todos os lados dos maniqueus tupiniquins, nessa terra de zumbis desesperados.
 
Ivan Bezerra de Sant’ Anna

quarta-feira, 10 de julho de 2019

O incômodo tiro

O incômodo tiro

Tudo estava preparado para ser uma grande festa com presença de políticos, ministro, o governador a discursar, quando se ouviu uma voz que dizia: “Belivaldo, você é um mentiroso”, e logo em seguida um seco estampido, tal qual um traque tardio junino, um corpo jazia envolto em sangue. O empresário Sadi Gitz deixava para trás sua existência para dobrar a curva da insondável e misteriosa estrada.

Esse trágico acontecimento está a revelar detalhes sórdidos que motivaram o ato desesperado do empresário, assim como a perfídia interesseira de alguns jornalistas, sempre a serviço de políticos e grupos econômicos, na tentativa de amenizar o acontecido. Um certo jornalista, por exemplo, mesmo ressaltando o valor do empresário morto, ao escrever que “é inaceitável que se queira politizar o suicídio de Sadi Gitz”,  sugere matreiramente que o empresário sofria de depressão, sendo essa a principal causa do seu ato, acusando a todas as pessoas que perceberam a frase acusadora do empresário como um forte indício uma depressão reativa a elementos políticos e econômicos, como inconsequentes e irresponsáveis e dispara: “Essa é uma atitude imprudente. Algo beirando a desonestidade política”.

Vamos desculpar o nosso jornalista, pois, ao que parece, ele confunde depressão endógena com a reativa, cargo da Assembléia Legislativa e a solidariedade política com o instituto da imparcialidade jornalística. Aliás, existe quem afirme - e são muitos - que o empresário Sadi Gitz foi beneficiado, no governo Dilma, com um empréstimo em 2014, e devido à política nefasta neoliberal do Sr. Bolsonaro tudo desandou! Incrível! Todo mundo sabe que a via crucis da Empresa Escorial já se arrastava ao longo de um grande espaço temporal, tempo esse em que perfilavam as administrações petistas, e acusar os parcos seis meses do governo Bolsonaro de tal proeza, isso beira a insanidade. Tenha paciência, mas a burrice proposital tem limites!

O mesmo raciocínio deve ser usado em relação ao Sr. Belivaldo Chagas, com menos de um ano no comando do governo estadual, pois seria esquecer os anos de administração petista e os quase seis anos da administração do Sr. Jackson Barreto, o popular Jacutinga da Imbura, existindo pessoas que afirmam que o verdadeiro governador é o Sr. Jackson, restando ao Sr. Belivaldo uma mera função decorativa.

Afinal, o que levou um empresário que atuou na SMTT (Superintendência de Transporte e Trânsito), na Emsurb (Empresa Municipal de Serviços Urbanos), ex-presidente da Acese (Associação Comercial e Empresarial de Sergipe), graduado em Matemática, Engenharia Mecânica e Administração, Pós-graduado em Engenharia Naval e Engenharia de Segurança pela PUC do Rio Grande do Sul, com MBA em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas, a um ato de grande desespero? Apenas a alta do preço do gás seria a condição necessária e suficiente? Para mim, assim como para muitos, nessa densa floresta escura existem muitas bruxas e duendes soltos.

Apesar da falsa dicotomia fabricado por petistas, o neoliberalismo teve seu início no governo FHC, ampliando-se consideravelmente nos governos petistas, embora maquiado por uma política social teoricamente correta, mas que na prática não passou de um investimento eleitoral, salpicado e ornado por processos corruptos. Um projeto ladino que o Sr. Temer não abriu mão, e possivelmente o Sr. Bolsonaro  não o fará, pois a diferença das ideias econômicas que professam Lula e Bolsonaro se estabelece pelas palavras disfarçadas ou escancaradas.

Afirmo que o empresário Sadi foi vítima de um sistema político corrupto, assim como de um neoliberalismo individualista, egocêntrico, “cada um por si e o mercado por todos”. Não se pode esquecer da crise fiscal que Dilma herdou do governo populista do seu padrinho, o que desencadeou uma grande contração no financiamento público, sendo  o setor da construção civil  a grande vítima, sem esquecer o seu papel de vilão nos acordos corruptos. Nessa negra floresta não há Robin Hood, vilões ou mocinhos, mas atores que vestem variadas roupas tonais.

Para as grandes empresas protegidas, tais como, as agroindustriais, os Bancos, as prestadoras terceirizadas de serviço público, outras empresas que vivem mamando no BNDS, não existe crise, e se existe, é suavizada pela mão do Poder público, sempre solicito às suas demandas. Quem já ouviu falar em crise na Multiservice, empresa que comanda os serviços públicos nos amplos setores estatais? Possivelmente, o Dep. Laercio nunca vai ter depressão, muito menos colocar um cano de revólver em sua boca. Ele, assim como variados empresários protegidos, podem falar em neoliberalismo, diminuição do Estado - menos para eles, é claro -, e postularem  suas desonerações em relação a contribuição para a aposentadoria dos trabalhadores, redução de impostos, sem que isso lhes afetem, afinal, muito deles têm demanda garantida para seus serviços e produtos.

Entretanto, o que falar das demais empresas? Essas competem em um mercado, uma espécie de galinheiro livre com raposas livres, sendo que o resultado dessa competição “justa” sabemos qual é. Sem o braço forte do Estado para dar uma verdadeira competição, seja por normas ou por intervenção econômica, o futuro será incerto para a maioria das empresas não-protegidas. Recentemente, o mega financista Soro, juntamente com algumas grandes empresas norte-americanas, assinaram um petição pedindo ao governo americano o aumento progressivo nas grandes fortunas, para que esses recursos financeiros sirvam de propulsor de demanda, pois uma população sem recursos disponíveis não pode ir às compras.

Esse fatídico suicídio com conotações políticas - embora os jornalistas amigos dos políticos poderosos digam que não - é um grande alerta para o empresariado honesto, para quem a livre iniciativa não pode se confundir com o livre mercado predatório, quem tem como maiores vítimas os trabalhadores que são trocados por outros com menores salários e quase sempre são as válvulas de escape para as crises, pois a maioria do empresariado não reduzem seus lucros em momentos críticos, porém, despedem trabalhadores.  Entretanto, a cada redução salarial, a cada despedida, a demanda se reduz drasticamente, consequentemente, a crise torna-se estrutural, inviabilizando a iniciativa privada. É necessário pensar em solidariedade com quem trabalha, pois a crescente dor laboral pode ser no futuro, a dor lancinante do empresariado produtivo.

Não adianta sonhar em entrar no grupo seleto das empresas protegidas, uma vez que um dia pode se estar lá, em outro dia na rua da amargura. Dentre inúmeros exemplos, podemos citar as reviravoltas da aviação civil: um belo dia a Panair do Brasil, subsidiária da NYRBA, depois incorporada pela Pan Am, mandava na aviação civil brasileira. Outro belo dia, os militares faliram a Panair e a Varig começou a reinar. Veio o Lula e ajudou a falir a Varig, colocando a Gol do seu amigo e comparsa Konstantino. Agora chegou a vez da Avianca ser despejada do Cartel seleto.

Se por faltar-lhe forças para continuar lutando, o empresário Sadi tirou sua vida, esse ato não foi somente seu. Muitos o ajudaram a puxar o gatilho.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Vigilante


A dança profana das palavras de vida fácil

A dança profana das palavras de vida fácil

Nem Protágoras esperava tanto. Benza Deus! Os nossos juristas - se é que se pode chamar essas pessoas de juristas - estão dando nó em pingo d’água, criando técnicas de torção mágica nas palavras que tudo ou nada podem denominar. É o coroamento máximo do relativismo, o máximo toque da varinha do Harry James Potter na nova Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, que, para alguns, já ostenta em terras brasileiras o pomposo nome de Escola da Livre Tolerância, e nada contra os nossos juristas  que a frequentam, e que se refastelem com as palavras cortesãs, no entanto, é preocupante quando ministros judiciais adentram às portas maliciosas das Casas dos Prazeres, que no passado tinham os pomposos nomes de Chantecler e Miramar, exemplos saudosos, para aguçar a memória dos  sergipanos que estão a vivenciar a bela fase da terceira idade.

Portanto, é preocupante quando um ministro judicial declara à imprensa que o vazamento de conversas entre o juiz Moro e o promotor Dallagnol, tornou o juiz suspeito, consequentemente, todas as sentenças por ele efetuadas são nulas de pleno direito, e tal como um diálogo de vozes concertantes, outro ministro avidamente indaga: “e aí, se descobrir por prova ilegal de que ele não é o autor do crime, se diz que, em geral que essa prova é válida, né?”

Muito interessante, caros leitores, esse novo conceito de suspeição transcendental. O instituto da suspeição, pelo menos aquele mais ortodoxo, visa afastar um juiz de um processo pela existência de indícios que ele poderá ser parcial na sua decisão, o que, aliás, pode ser declarada pelo próprio juiz, sem necessidade de provocação das partes, se assim ele entender. Como se percebe, a suspeição é um expediente que geralmente é usado antes da sentença, como instrumento preventivo. Depois da sentença esse juiz não é suspeito, mas se assim for demostrado nos autos, um juiz parcial e injusto. Refrisando, a suspeição não-requerida, depois da sentença, ela é absorvida pelo instituto da parcialidade, a ser observada em fase recursal, devendo ser demonstrado que os antigos vestígios de suspeição tiveram concreta influência na decisão.

Por exemplo: Nos casos das sentenças da Lava a Jato, essas decisões estão sendo confirmadas pelos tribunais que consideraram não haver nenhum obstáculo ás defesas, e os conjuntos de provas razoáveis e satisfatórios. Então, que influencia pode ter essas “provas” de suspeição, obtidas ilegalmente, se os tribunais não perceberam nenhuma parcialidade do julgador? Acho que somente o nosso ministro Miramar, os juízes políticos da Associação pela Democracia, os advogados petistas, foram capazes de enxergar.

Já o outro ministro, que a partir desse momento terá a denominação de ministro Chantecler , mesmo contrário ao seu não-tão antigo entendimento - que não era só dele, mas de toda a corte -, está a defender a relativação de uma prova ilegal e imprestável, sob o argumento de que uma pessoa não pode continuar presa, se existe, mesmo eivada pela inconstitucionalidade, prova da sua inocência.

Aleluia! O ministro mudou e muito! Novos ares da Suprema Corte norte-americana que já diz ser constitucional uma prova obtida por meios ilegais, se demonstrado que ela visa proteger a sociedade de criminosos de grande poder ofensivo, como os psicóticos perversos, por exemplo. Mas o nosso ministro vai além e assume uma total relativação das provas ilegais, seja em benefício da sociedade, quando do indivíduo. Isso é muito bom, e atenção, senhores promotores federais da Lava Jato: podem reiterar os pedidos de validade daquelas provas - a gravação de Dilma e Lula, por exemplo -, pois novos ares sopram no Supremo Tribunal.

Ministro, mesmo que você e seus pares relativizem o valor de dados obtidos sob o manto da inconstitucionalidade, esses dados têm que ser confirmados em juízo ordinário, para então se transformar em prova ou não. Por exemplo, se é obtida uma confissão sob tortura, e os senhores considerem que essa confissão pode absolver uma pessoa presa, o simples fato da existência da confissão não tem o poder permitir um Habeas Corpus, mas essa confissão deve ser levada ao tribunal, para que confrontada com outras provas, inclusive com a reiteração da confissão, seja considerada prova, consequentemente, será anulado o processo e solto o réu ou condenado.

Vamos especificamente ao caso que lhe incomada, ministro, que lhe fez dá uma guinada interpretativa de 180 graus, e mesmo não querendo ser repetitivo, vou repetir. O Sr. Lula e os demais condenados da Lava Jato em nada se beneficiariam da relativação da inconstitucionalidade dos dados telefônicos do juiz Moro, uma vez que os tribunais não observaram nenhum parcialidade que confirmassem as suspeitas oriundas dos dados, confirmando essas sentenças. Como vê, ministro, é muito barulho para nada, a não ser que o senhor e seus pares entendam que a simples existência dos dados é motivo suficiente para a anulação dos processos. Assim sendo, só vai dar razão às pessoas que dizem que o Supremo Tribunal é a casa da negociação e corrupção, e aí, será o “salve-se quem puder” e cada um por si e Deus por todos.

Pobre Deus, quanta responsabilidade!

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Menina

Menina

Você é como o incansável mar
Ora onda surfista
Ora marola mariola
E com toda beleza do nascer
O que quis ser é renascer

Nascer mulher é para todas
Ser fêmea-mulher é navegar
Você uma menina da luz
Da lua que banha o mar

As mãos que lhe tocaram
Com calos do preconceito
Cheias de desejos e tesão
Ficaram vazias e espalmadas
Enquanto você flutuava
Nas asas da imaginação

Uma orquestração desafinada?

Uma orquestração desafinada?

Está causando a maior celeuma a divulgação das supostas falas do ex-juiz Sérgio Moro com o promotor federal, o Sr. Deltan Dallagnol, publicado no site The Intercept Brasil, dados fornecidos possivelmente  pelo hacker  Tal Prihar, preso em uma operação conjunta do FBI e a Europol sob a acusação de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas. Pode-se dizer que esse senhor tem algumas peculiaridades operacionais que coincidem o modus operandi de alguns dos nossos políticos, e a coincidência mais interessante é que esse judeu bisbilhoteiro morava em uma casa que fora usada pelo Sr.  José Dirceu, antes de ser preso.

Apesar do Sr. Moro dizer que foi apenas um ruído de traque de massa, a notícia explodiu como uma bomba de breu, com status magnânimo de um artefato nuclear, uma reação em cadeia com a ajuda prestimosa dos seguidores do Sr. Lula da Silva. Armação? Não diria isso, mas a empanada do circo já estava armada à espera de um compulsivo palhaço que nela iria se abrigar. E palhaços tristes não faltam em nossa terrinha...

Vozes se levantam indignadas, vociferando contra “esse terrível ato” que retira a legitimidade do Judiciário. No entanto, será que essas vozes possuem legitimidade? Que legitimidade possuem os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, para falar em interferências que violam as leis? O que falar da OAB, órgão aparelhado pelo lulismo, e que seu presidente Felipe Santa Cruz está sendo investigado por contratações milionárias de R$ 1,26 milhão pelo Serviço Nacional de Processamento de Dados (Serpro) e de R$ 2,5 milhões com a Petrobras, todas elas irregulares, sem as respectivas licitações? O que é mais engraçado é uma tal “associação dos juízes pela democracia” pedir juridicamente o afastamento do Sr. Sérgio Moro, sob a alegação de que o referido senhor estava fazendo política quando era juiz. Hilario, para não dizer: uma trágica comédia! Uma associação de juízes políticos, alguns deles cultuadores do Sr. Lula, uma atividade que rompe com o princípio maior da imparcialidade jurídica, falar em ausência de imparcialidade por parte do Sr. Moro. Que cinismo! A própria existência dessa associação demonstra a vigência da norma implícita da parcialidade e a politização do Judiciário.

Ora, a parcialidade é um elemento sistêmico na estrutura judicial brasileira, e se fossemos atender o pedido de nulidade plena dos julgados do juiz Sérgio Moro, alegando parcialidade e conchavos - essa é a tese do “jurista” Ciro Gomes, uma mistura indigesta de Lampião e Padin Ciço -, anularíamos quase todos os julgados do STF e dos demais tribunais. Uma Constituição que permite que um juiz dê uma sentença contra a lei, baseada em princípios vagos e indeterminados e no alargamento das materialidades substantivas legais; que se cala ante a censura judicial através de interditos e sentenças intimidadoras, ao ponto de um juiz eleitoral poder efetuar censuras nos debates políticos, é ou não é a fonte primeira da parcialidade e do juiz interventor?

Deixando de lado a parcialidade e a corrupção sistêmica, agasalhada e protegida pela mãe loba Constituição, uma indagação deve ser feita:  as conversas de um juiz penal com um promotor é ilegal ou uma variante com riscos assumidos, de um magistrado que está na fase instrutora processual? Na Itália que existe o juiz de instrução não existe ilegalidade em acordos com a polícia e promotores que visem montar estratégias para ampliar e  sedimentar as investigações, e os diversos exemplos da Operação Mãos limpas apontam nesse sentido, apesar das discordâncias de muitos juristas e da oposição sistemática da grande mídia, financiada por grupos econômicos poderosos e por políticos investigados por corrupção.

No Brasil não existe o juiz de instrução - o que é lastimável, pois esse instituto separa o juiz que faz instrução, do juiz que vai julgar - e o nosso Código de Processo Penal dá grandes poderes instrutórios e investigativos aos juízes penais, que são guiados pelo princípio da verdade real. Assim, a parcialidade do juiz investigador entra em tensão dialética com a imparcialidade do juiz julgador, quase sempre tendente ao desequilíbrio, um verdadeiro samba do criolo doido na cabecinha do pobre juiz penal. Paciência! Esse é o nosso sistema penal! Em alguns momentos um juiz pode estar quase convencido da culpa do investigado, podendo somar forças com o MP e a Polícia em busca de maiores provas, o que não quer dizer que vai condená-lo, pois vai depender do conjunto de provas.

A vaidade, a arrogância, à busca de uma carreira política, podem não ser bons atributos para um juiz que, no meu ponto de vista, deve cultivar a discrição, no entanto, a princípio, tê-los não significa que é um juiz venal. Ademais, alguns juízes italianos da Operação Mãos Limpas, depois de algum tempo, trilharam pela política. Aliás, é muito melhor que um juiz se torne político, de que um juiz político.

Cabe aqui a transcrição de um texto da declaração dada à imprensa pelo Ministro Barroso, afirmando ter “dificuldade em entender a euforia que tomou os corruptos e seus parceiros”, uma vez que “a corrupção existiu e precisa continuar a ser enfrentada”, concluindo que “a única coisa que se sabe ao certo,  até agora, é que as conversas foram obtidas mediante ação criminosa. E é preciso ter cuidado para que o crime não compense”.

O ministro Barroso tem razão. Essas gravações não são provas lícitas, segundo reiteradas decisões do STF, e sendo consideradas nulas, não podendo ser elementos de anulação dos processos da Lava Jato, no máximo, elas podem motivar investigações mais profundas, sendo que para o ministro Marco Aurélio, nem para isso elas servem, aferrado à teoria dos frutos da árvore envenenada.

Portanto, nada dessa celeuma pode ser aproveitada por Lula e os demais condenados pela Lava Jato. A questão vai continuar sendo o exame dos elementos constitutivos das sentenças, tais como, a existência de ampla defesa e a razoabilidade das provas, pois é analisando esses elementos é que vai ser demonstrado a imparcialidade ou parcialidade concreta do juiz. E ao que me consta, os tribunais estão confirmando essas sentenças, considerando, no caso de Lula, por exemplo, que nenhum corrupto vai colocar bens em seu nome, e que as provas que comprovem o ânimo de dono são robustas e suficientes para a condenação.

Uma advertência, entretanto, precisa ser feita. Não adianta somente prender, pois, por melhor que sejam os juízes, os poderosos grupos corruptos instalados no Parlamento irão sair em contra-ataque, mudando as legislações para limitar o poder das investigações. Em pouco tempo, a corrupção aumenta, mas, desta vez, de maneira mais sofisticada. Assim, é imperioso uma nova Constituição e novas leis para limitar severamente a corrupção estrutural do Estado brasileiro.

Esse circo armado em torno de uma ação criminosa de um hacker é umas das maneiras que os grupos corruptos contra-atacam. É preciso ter muita serenidade em momentos como esses.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Que coincidência! É o amor!

Que coincidência! É o amor!

Depois de anos sendo torturado pelos silogismo extravagantes da Senhora Dilma, sínteses de argumentos que nem a dialética dos loucos explica, atualmente sou brindado pelas frases entrecortadas do Senhor Bolsonaro, o atual Presidente da República, frases essas que me lembram uma pobre criança com severas limitações cognitivas, um pequeno Édipo  que anseia pelo permanente seio materno. E como Édipo e Narciso são irmãos siameses, o nosso Capitão-Presidente ostenta uma vaidade arrogante, um ódio ostensivo a tudo que não reflete a sua imagem.

Ocorreu-me uma ideia! Apesar dos pesares, eles fariam um casal feliz! Olhem, leitores, estou falando sério, pois como sempre disse o populista e transloucado Jacutinga, “brincadeira é o jegue da Imbura”, e como todos sabem, de jegue e brincadeiras  ele entende muito. Assim, não sendo nem jegue e nem brincadeira, vou demonstrar que Dilma e Bolso estão mais próximos do que sonha a vã consciência. Sendo ela um complicador e ele um simplificador, no fundo, na essência, eles se complementam. Querem alguns exemplos?

Dilma que sabia que as empresas estatais estavam anêmicas de tantas chupadas dos morcegos corruptos, estava resolvida terceirizar as ditas cujas, vendendo seus ativos para grandes empresas privadas, como exemplifica o projeto de venda do pré-sal para os chineses. Já o Bolsonaro, mesmo se autoproclamando nacionalista patriótico, simplificou: por que não vender todas as empresas estatais para as grandes empresas privadas, de preferência as apontadas pelo Trump?

Dilma sabia que o BNDS fazia financiamentos para grandes empresas e para amigos companheiros que nunca pagaram um tostão, então colocou em segredo de Estado os dados financeiros. Já o Bolso, que alardeou que iria abrir a caixa preta do BNDS, depois de receber um puxão de orelhas do “inteligente” Paulo Guedes, simplificou o problema, divulgando apenas os empréstimos aos países socialistas, esquecendo-se dos capitalistas desonestos.

Dilma sabia que o presidente anterior tinha permitido a construção de uma enorme dívida por parte do empresariado da agroindústria - perto de um trilhão de reais -, mas nada fez para cobrar. Bolsonaro resolveu essa tormentosa questão: vai perdoar a dívida!

Dilma sabia que seu antecessor pouco estava se importando com as verdes matas e as onças, mesmo porque o seu filhinho é proprietário de vastas áreas na região norte, local onde o gado pasta pacientemente esperando o matadouro. Assim, ela fechava os olhinhos para desmatamento, enquanto proferia suas frases “filosóficas” sobre a ecologia. Bolso, o simplificador, foi direto ao assunto e decretou: mata boa é capim para alimentar gado, e onça é para ser caçada.

Escolas públicas para a “ex-presidenta”, como também pensava o seu antecessor, deviam ser estruturas de propaganda partidária e fábricas  produtoras de diplomas para os pobres, enquanto as escolas privadas eram regados de dinheiro público, através de programas de financiamentos, como, por exemplo, os créditos educativos. Já o Bolso, depois de comer um sanduíche sentado no chão - os bolsomínios entram em frenesi: que homem simples! -, teve a brilhante ideia para resolver essa duplicidade: a eliminação da escola pública!

E para que gosta de inversões de polaridade, a dupla Dilma-Bolso nada deixa a desejar. Como em quase tudo, Dilma complica e o Bolso simplifica, existem momentos que os papéis se invertem. Querem saber? Querendo ou não, vou dizer.

Dilma sempre soube que existiam conflitos de interesses entre os variados grupos e Partidos que compunham o acórdão governamental, e que ela foi eleita pelas mãos do seu antecessor, assim sendo, resolveu ser uma marionete de luxo do seu grande chefe, uma boa simplificação do Poder que a permitiu  proteger seus pouquíssimos neurônios dos curto-circuitos oriundos da saturação sistêmica.

Já o nosso Bolso, acostumado pela caserna a receber ordens, começou a agir como uma criança órfã de muitos país adotivos, uma complicação que sua mente nunca conseguiu resolver. Com a morte do Coronel Brilhante Ustra, quem é o seu novo grande pai simbólico? Olavo de Carvalho, General Mourão, Sérgio Moro, Paulo Guedes? Um líder precisa de um grande pai ou ele é o próprio Grande Pai para os seus comandados? Nesse quesito, o antecessor da Dilma foi vitorioso.

É, o menino Bolso complicou e está complicado! Sua limitada estrutura cognitiva e o seu ego fragmentado  o capacita apenas a receber ordens, e não é à toa que bate continência para Trump, para os líderes israelenses e até para o Bispo Macedo. Enquanto se esperneia como uma criança mal educada, o seu governo se dilacera em inúmeras competições destrutivas, cada grupo puxando a sardinha para si.

Por essa razão, esse fictício casamento de Bolso e Dilma não é algo fora da lógica. Duas faces que se dizem antagônicas podem ser faces da mesma moeda, que, se jogada para o alto pode cair em pé, e, nesse caso, poderemos ver as duas faces coladas uma na outra. “E que coincidência.. o amor”. Não seria delicioso imaginar os dois de mãos dadas, ao por do sol, chutando as marolas rebeldes,  línguas sussurrantes nas  orelhas frias, dizendo segredos de liquidificador?

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Me dê o pé, Louro

Me dê o pé, Louro.

Essa história não é uma ficção, mas um fato verídico que se passou em minha casa, na cidade de Itabaiana, local onde tive uma péssima ideia de criar um papagaio. Essa ave infeliz vivia aprontando sempre, e muitas vezes fugia para a cidade de Aracaju para realizar suas peripécias. Devo alertar que qualquer possibilidade de alusões às pessoas é mera coincidência. Vamos ao diálogo que tive com esse papagaio. Diálogo com papagaio? Sim, e não fiquem perplexos, pois essa ave se revelou um prodígio na falação do vernáculo. Vamos lá.

Que história é essa que está divulgando, se dizendo apaixonado e querendo casar? Você está querendo aprontar de novo. Não bastam os problemas que causou? Você apaixonado, Louro? Conte outra! Você já foi casado e, mesmo assim, aprontava com outras papagaias, inclusive com aquela do bico arrebitado. A única papagaia que sempre esteve apaixonado foi você mesmo, e olhe lá.

“Que injustiça, Zé. Mesmo você me colocando em um poleiro com correntes nos pés, cortando as minhas asas, não vai impedir o voo do meu coração em busca do amor de minha vida. Não estou mais interessado em politicagens, só bebo água, rezo todos os dias para Padin Ciço me ajudar. Por favor, ‘Seu guarda, seja me amigo/ Me bata, me prenda, faça tudo comigo/ Mas não me deixe, ficar sem ela’.”

Corta essa, Louro safado. Pensa que me engana recitando a música de Bruno & Morone? Você está carente é da água que passarinho não bebe. Está esquecido das malandragens que fez em Aracaju? Não se lembra que você surupiou os retratos 3X4 do Colégio Estadual para vendê-los ao incauto Valtinho, dizendo que eram retratos de homens “lindos e bonitos”?  Está lembrado das juras de amor que fez à Magnólia, tudo para ficar com seus lotes de meias? Ou quando se fez passar por um empresário das meninas polonesas para vender esse “lote de amor” para o Tonho do Mira? E quando lançou o projeto “Meu trem, minha vida”, na Cascatinha, fazendo convênios com empresas públicas, utilizando o pobre do Peri-Peri como garoto propaganda? Acho que não se esqueceu do dia em que quiz vender a Ponte do Imperador para os banqueiros, um leilão em que o leiloeiro era Jacutinga. Por essas e outras, Louro, o seu lugar é no poleiro e bem amarrado.

”Eu sou um papagaio de família, tá ok? Sou inocente de tudo que me acusa. Fui o maior estadista penoso que já existiu. Forjaram provas contra mim por puro despeito e inveja. Até o papagaio-tesoureiro do atual presidente, o Malukedes, já reconheceu a minha inocência e minha importância como presidente do Grêmio MalaDireta. Esse Malukedes é um gênio da mutreta, como fui esquecê-lo durante a minha gestão?”

Com quem aprendeu essa história do “tá ok”, Louro safado? Você é mesmo um papagaio camaleão, coisa ruim. Está querendo que tenha peninha de você? Não sou ministro do Suprema Tapeação Federal, portanto, na minha lei não existe livramento condicional para papagaio psicótico, nenhuma progressão penal, muito menos a safada prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.

Louro, se é que existe essa papagaia apaixonada por você - têm louca para tudo - então peça para lhe visitar, que eu deixo ela lhe amar no poleiro.

Zé do Mercado

Tal tal

Tatal, o último Beatnik

Ao amanhecer da quinta-feira dessa semana, ao pontuar os primeiros raios de sol, Tatal se foi. Tinha sido uma árdua luta contra um inexorável câncer que não lhe deu sequer um minuto de trégua, porém,  mesmo sem poder mais falar, seus olhos possivelmente ainda brilhavam.

A última vez que o vi com saúde, embora sob o peso dos anos, era o mesmo Tatal, o Beatnik. Cabelos encaracolados, bigode a la Aramis mosqueteiro, um pigarro a todo instante, esse era o Tatal que conheci na minha adolescência.

Embora ele fosse muito mais velho que eu, todos convivíamos na antiga  avenida Simão Dias, sem deixar de levar em conta a idade e a força física que denotavam respeito hierárquico. Assim, eu, Anuna, Babo, Veia, Dadui, convivíamos pacificamente com Tatal, Roberto, Bedeu, sem maiores problemas, como exceção de alguns incidentes, como, por exemplo, quando meu primo Zito  se irritava e lançava um garoto desafiante no canal, segundo ele, para aprender a nadar. No entanto, verdade seja dita: pelo fato de ser meu primo e protetor, jamais fui submetido a essa didática especial de natação.

Apesar da diferença de idade, Tatal gostava da minha companhia, talvez pelo fato de termos a música como denominador comum. Eu tocava violão e piano, e ele era um guitarrista Beatnik, uma carreira solo que se apresentava nas festas de amigos. Algumas vezes lhe acompanhei nas suas aventuras musicais, e quando alguém fazia a sua apresentação, ele atacava com uma única música que tinha composto, ao som da sua velha guitarra que era amplificada por uma caixa de som - a dita cuja precisava de uma pedra em cima para não vibrar. Até o presente momento, tenho sérias dúvidas em que idioma a letra da canção Beautiful Ana foi composta, se em inglês, português ou ambas. Mas o Tatal nem estava aí para os críticos musicas, muito menos para dar explicações. Tocava despreocupadamente, com um cigarro pendente na boca, com um calma do Nirvana que faria o próprio Buda morrer de inveja.

Ele insistia que eu me dedicasse ao estudo da guitarra elétrica, segundo ele, o principal instrumento do Rock, que por sua vez era o grito primal do mundo. De tanto insistir, acabei aceitando por empréstimo a sua velha guitarra com caixa e tudo. Apesar dos protestos tímidos dos vizinhos aos meus novos sons de estridência revolucionária, continuei a todo vapor, motivado pela gana guerreira de um mongol em batalha, até o dia que na minha porta bateu a D. Elizete, mãe de Tatal. “Ivan”, disse sorrindo, “Tatal por acaso lhe deu algum fio grosso e longo?” Ele me deu um cabo de Guitarra, D. Elizete, respondi. “Ah, meu filho, o cabo que Tatal lhe deu é o fio da minha enceradeira que ele cortou!” Assim, com o cabo elétrico voltando à sua original função, acabava minha carreira de guitarrista das multidões.

Esse era o Tatal! O bom e pacífico Tatal era original e inimitável. Se era desconhecido para a maioria das pessoas, em milhões delas, é uma tarefa árdua descobrir um Tatal. Um anônimo para muitos, um ser de singularidade estonteante para quem teve a sorte de conhecê-lo.

Quando seu inanimado corpo chegou ao velatório, os três mosqueteiros, eu, Zalo e Zito - os primos Sant’ Anna -, formamos a sua solitária guarda de honra para que ele não ficasse sozinho. O acaso nos permitiu que fôssemos nós, os amigos do passado, os primeiros a zelar pelo seu corpo, uma honra que jamais esquecerei.

Vá em paz, meu roqueiro inesquecível.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Mãe

Mãe

Ao longo do pavimentado tempo
Recebi tanto
Dei-lhe tão pouco...

O muito que tenho são os sonhos
Um montão de papéis em branco
Uma mão que escreve
Uma caneta que puseste em minhas mãos

Quando comprou o meu primeiro violão
Quantos vestidos lhes faltaram
Quantas horas trabalhadas
Tudo isso por uma ressoada
Das cordas da imaginação


Menina anciã
Você é uma mulher arretada
Um loba danada
A música do coração

Abençoo e agradeço
Pelas asas que me deste
Pelo cordão arrancado
Trocado pela virgilia
Do seu vigilante amor

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Faz parte do meu show

Faz parte do meu show...

Existem coisas que não gostaria de ler, e uma delas é o texto da Karla Christine, que se autodenomina psicóloga clínica. Entretanto, eu li e possivelmente muitas pessoas leram. Que horror! Estou perplexo! Como uma pessoa se diz psicóloga e ao mesmo tempo vomita preconceitos, prega crenças moralistas, reduz a complexidade humana a um quadro comportamental fincado no terreno rochoso da tradição.

Ora, moça, sei que muitas pessoas procuram o curso de psicologia na esperança de entender os seus problemas emocionais, e que esses cursos atualmente não são referências de competência teórica e de pesquisas empíricas, relegando Freud, Lacan, Jung, Adler, Carl Rogers - e tantos outros -,  às sínteses redutoras, enquanto são priorizadas verdadeiras saladas de pseudociência, a grande maioria delas, centradas, no lúdico, no achismo e no senso comum.

Moça, ao chamar o poeta Gazuza de marginal - na certa quis chamá-lo de delinquente -, você o colocou em uma cesta em que a maioria da população se encontra, marginalizada do sistema político e econômico. Afinal, todos nós que ousamos discordar somos um pouco marginal, não acha? Tenho a impressão  que o poeta diria que “a tua piscina tá cheia de ratos. Tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não pára.”

Take it easy, baby. Se “somos iguais em desgraça”, que tal “cantar o blues da piedade”? Ademais, não quero culpá-la se desconhece as contradições e as complexidades humanas, o que levou a Otto Maria Carpeaux declarar que para melhor julgamento de um artista, devemos separar a sua personalidade empírica da artística. Uma boa lição do ilustre austríaco, não acha?

Embora suas crenças não a deixe perceber, são inúmeros os grandes artistas que tiveram uma vida conturbada, mas que nos legaram suas obras magníficas, como, por exemplo, Mozart, Beethoven, Salvador Dali, Vincent van Gogh, e tantos outros. Wagner, por exemplo, era um verdadeiro canalha, mas quando transcendia para a sua personalidade artística e criadora, fazia obras magníficas, como é o caso de Tristão e Isolda. Dessa maneira, essas pessoas devem ser reverenciadas, e, queiram ou não os moralistas plantonistas, esses artistas são eternas referências para a humanidade.

Moça, Cazuza poeta, o grande Cazuza, é um dos meus ídolos musicais, porque não vou julga-lo pela cocaína  que consumiu, mas pela sua obra. Da mesma maneira, não vou deixar de amar a pimentinha Elis Regina porque morreu de overdose de cocaína. O mesmo posso dizer do grande compositor Chico Buarque, mesmo que na personalidade empírica de Francisco, seja um alcoólatra, um falador de besteiras.

Tenho pena dos seus pacientes, moça - se é que tem algum -, pois comparar Cazuza ao Fernandinho Beira-Mar é algo que demonstra sua estreiteza cognitiva, o que me leva a crer que você errou de profissão, uma vez que deveria ter escolhido ser pastora evangélica fundamentalista, uma repetidora do passado das leis moralistas. Por existir pessoas como você, o  perplexo Poeta exclamou: “Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades”.

Vamos fazer uma coisa? Refaça o que escreveu e...

“Me dê de presente o teu bis
Pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar e a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz”.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Urgência

Urgência

Caminhava com urgência
Falava com urgência
Parava com urgência
Com urgência ele viveu
Urgentemente morreu

A flor da sua urgente lapela
Renasceu na relva do seu túmulo
Uma abelha cruza oceanos
Pousa e colhe o pólen
Mel futuro, sem urgência.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Nunca mais?

Nunca mais?

Em um país de pândegos, das antinomias carnavalescas, declarações transloucadas são recebidas como piadas, brincadeiras que mesmo com toques perversos são usadas para apimentar o humor do brasileiro, tão afeito às gargalhadas depreciativas.

No entanto, torturas nunca podem ser motivos de anedotas, a não ser nas cabeças de pessoas doentias ou animalizadas pelas crenças fundamentalistas. Aplaudir os feitos do general Pinochet, do sádico Coronel Ustra ou do monstruoso Delegado Fleury, demonstra o caráter e o nível de desajuste mental dessas pessoas ovacionadoras. E imaginar que uma dessas pessoas é o maior mandatário da Nação é de causar arrepios.

Entretanto, celebrar o movimento militar de 1964 é um atentado ao Estado liberal? Tenho a impressão que  a resposta é negativa, pois as estruturas institucionais e a sociedade civil devem estar preparadas para conviver com as divergências, mesmo que elas nos pareçam totalmente despidas de razão, afinal, a tolerância é a maior virtude do liberalismo. E ademais existe algo a ponderar: festejar a autoritária intervenção militar de 1964 não pode, mas festejar a intervenção militar de 1930, comandada pelo Sr. Getúlio Vargas, que desembocou em uma terrível e perversa ditadura, essa pode! É a velha dialética do pragmatismo que prescreve a verdade que nos interessa.

Apesar de achar que essa celebração beira à insanidade, entendo que a intervenção judicial é um atentado ao Estado liberal por não existir base legal para tal proibição. Mas é aquela história: qualquer dia, para sairmos de casa, teremos que pedir autorização judicial, pois mesmo não existindo uma norma legislativa que proíba - a reserva legal democrática -, eles inventaram uma tal reserva constitucional, a teoria da extensão material, que embasam os princípios criativos, fabricados pelos juízes usurpadores da vontade popular. Existe maior atentado à Democracia?

Se existe um atentado à Democracia, ele não deve ser encontrado em uma celebração idiota patrocinada por alguns saudosistas, mesmo sendo recepcionada por inúmeras pessoas. Se isso acontece é porque algo vai mal com “a jovem democracia de 30 anos”, denominação tão a gosto de certos teóricos liberais. Será que essa jovem, ao longo desse 30 anos, dignificou o seu nome ou foi um farsa, uma mentira inventada pelos oligarcas populistas, alimentada pela compra de votos com o dinheiro oriundo da corrupção?

Quantos companheiros morreram torturados nos calabouços do governo Vargas e na ditadura militar de 1964, para que essa jovem nascesse! Entretanto, somente creditar a sua prostituição aos afagos aliciadores dos velhos patrimonialistas é faltar com a verdade. Ela foi vítima dos nossos companheiros desonestos - ou diziam ser -, aqueles que falavam do trabalhador com centro orientador da vontade popular, mas quando ocuparam as cadeiras do Poder, mergulharam no lamaçal da corrupção, compraram consciências e aparelharam as instituições republicanas.

E, convenhamos, uma jovem tão despida de dignidade só poderia gerar o repúdio da população e o aparecimento de aventureiros que, em um passado não muito distante, eram piadas sem importância. E agora, o que fazer? Reagrupar políticos que nunca se deixaram aliciar pela corrupção, criando um oposição que possa ser respeitada pela população ou continuar nas ruas com os cartazes de “Lula livre”, bandeiras que representam a traição ao verdadeiros preceitos democráticos?

Afinal, existe ainda as réstias da jovem democracia, e se ainda existe, quem a traiu?

Diga-me, poeta Põe, nunca mais?

“Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Navegar com quatro patas no ar

Navegar com quatro patas no ar

Estávamos no Saco - que muitas vezes era um verdadeiro saco -, eu e você, banhando-nos nas águas que teimavam avançar sobre as casas invasoras, quando, de repente, mas que de repente, sua linda voz de quatro aninhos disparou frases musicais, o que me fez pensar: “uau, ela está criando uma musica!”.

“Caranguejinho, caranguejão, o que que me diz de um passeião...”

Fiquei a pensar se o Caranguejo homenageado era eu ou os perplexos Gorês, que, paralisados, ostentavam suas garras voltadas para o alto, uma boa dúvida que tenho até os dias atuais.

Depois de um bom mergulho e com um sorriso de peixe feliz, ela continuou:

“Navegar por todas as marés
De Jesus de Nazaré”

Mesmo sendo um convicto comunista materialista, mas temperado por um espiritualismo do qual nunca vou me descasar, confesso que adorei a referência ao Nazareno, homem que viveu e morreu pregando a solidariedade fraterna e igualitária entre as pessoas. E antes que eu saísse do transe espiritual, ela tascou o final refrão:

“Rio, mares e marés?
O que importa é:
Navegar com quatro patas no ar
Navegar com quatro patas no ar”

É verdade, minha princesinha, minha amiguinha de todas as horas, o que importa mesmo “é navegar com quatro patas no ar”, mesmo em um País dilacerado pelos ódios, por uma corrupção endêmica, pelo egocentrismo possessivo, você navega pelos rios que secam, margeados por florestas condenadas à extinção, você navega pela dura realidade carregando o seu baú de sonhos, “com quatro patas no ar”.

Você não é somente minha filha - filhas é para todos os pais -, você é minha amiga, uma amiguinha mais que querida, uma “amiga de fé e irmã camarada, uma amiga de longas jornadas”.

Obrigado por você existir.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Um dia...

Um dia..

Épocas passadas obedecíamos às leis
Às leis das elites ou das baionetas caladas
Calávamos, mas respeitávamos às regras dos jogo
Afinal, lei é lei, compactuadas ou de imposição aclamada
Delas, a nossa legitimidade era proclamada

Um dia, o sorriso da Constituição Cidadã
Por fim, éramos Supremos e a liberdade infinita acenava
Um desafio à maturidade e ao bom senso
Chegaram os partidários, os inconfessáveis
Vaidade, interesse e malandragem
Que fazer com o nosso poder-liberdade?
Tudo ou nada?

Egos pequenos e vazios
Ilimitadas supremacia dos desejos
Aos princípios, tudo
À lei, nada
À materialidade estendida
O elástico da usurpação
Vibravam os acórdãos dissonantes
Uma multidão num mercado de quinquilharias

Às nossas baionetas-canetas
O povo disse não!
No começo, as babas raivosas
Depois, não muito depois, com gozação
Mas que povo? Povo é apenas povo
E supremas eram nossas decisões

Um dia, a desobediência
Milícias, grupos armados, quartéis inconformados
Todos disseram Não
A nossa legitimidade era de um tinteiro
Que virou gozação
Eles tinham as armas
E nós as piadas nas mãos.

(Uma observação: isso não é um poema, mas uma pueril reflexão, de um itabaianense arretado, chamado Zé do Mercado, membro do Supremo Tribunal da Mangação.)

Santinhos

Não éramos santinhos na época da minha infância e adolescente, pois estávamos mais para “enfants terribles”, uma garotada que adorava brincadeiras que resvalava na soleira do perverso, contrastando com a imagem de garotos obedientes que algumas pessoas saudosistas tentam divulgar nas redes sociais.

Em contrapartida, buscávamos à socialização, cultivando a empatia e a solidariedade com os outros meninos que integravam o nosso grupo, quase sempre sob a liderança de um garoto que se destacava por sua força, engenhosidade e talento nos variados jogos que praticávamos. Futebol, pião, bola de gude, empinar arraia, jogo de botão, cada um desses em uma época do ano, com exceção do futebol, esporte que desafiava as estações anuais.

Como se pode observar, esses jogos enfatizavam a destreza, a competitividade, mas sem algum componente de agressividade destrutiva, com exceção das guerras entre grupos rivais, mesmo assim havia muita moderação, - no máximo, um hematoma, um olho roxo -, porque o grupo adversário era para ser vencido e nunca destruído, pois se destruídos não haveria grupos que, pelas suas derrotas, atestassem a nossa força.

Nos grupos de garotos não havia lugar para um garoto com laivos de sociopatia, um egocêntrico extremado que desconhecia a empatia e a solidariedade. As lideranças se firmavam pelos seus destaques em nossas atividades e pelo grau de solidariedade protetora. Assim como em uma alcateia, o lobo alfa deveria permanentemente demostrar o seu valor, e quando substituído, aceitava a sua nova posição no grupo, pois o importa era o lema “um por todos e todos por um”.

Alguns tinham fascinação por armas, mas desconheço qualquer antigo companheiro que saiu distribuindo tiros, matando pessoas inocentes. Poderíamos gostar de armas e fazíamos simulacros de madeira - outras até mais semelhantes -, e sonhávamos participar de guerras em defesa da nossa Pátria, no entanto, jamais usá-las contra os residentes em nossa Nação. O inimigo era os outros, aqueles que tentavam violar a nossa soberania, e o mais interessante é que não imaginávamos matando os ladrões que entravam furtivamente em nossas casas armados com facas, mas apenas metê-los na cadeia, afinal, mesmo tendo pavor a eles, sabíamos que não eram  os “outros”, mas pessoas como nós que trilharam por caminhos obscuros.

E os nossos pais, na sua grande maioria muito autoritários, que os pedagogos modernos chamavam de “pai patrão”? Com eles não havia muito diálogos, pois o lema pedagógico era ouvir sempre e falar nunca. Eles vociferavam, ameaçavam, davam dolorosos corretivos, mas para conhecimento do leitor, eles se faziam presentes, demonstrando preocupações e proteção. Dessa maneira, mesmo de forma dolorosa e autoritária, sabíamos que estávamos protegidos, ao contrário da maioria dos pais na atualidade que substituem as suas presenças pela ausência de limites e a distribuição de fartos bens materiais, com a esfarrapada desculpa de que tem que dar aos filhos o que não teve. Como os atuais garotos não fizeram jus às inúmeras dávidas, esses pais estão fabricando indolentes, irresponsáveis, egocêntricos, e se alguns deles já possuem distorções psicóticas, a tragédia já é anunciada, e ante a essa cegueira, não cabe a indagação “onde foi que errei?”.

O erro, talvez, é não perceber que o desenvolvimento cognitivo e emocional de uma criança passa por varias fases, dentre elas, a fase heterônima, aquela que uma criança necessita da autoridade dos pais e professores para guiá-las no primaveril mundo das normas, possibilitando-as um embasamento sustentado para que possam galgar a desafiante fase da autonomia, momento em que elas desafiam as regras existentes em busca de regras compartilhadas com outros membros sociais, uma síntese movida pela tensão dialética entre a heteronomia e a autonomia.

O leitor pode pensar que estou a defender um modelo de educação autoritária, a pedagogia dos cassetetes, da continência servil e da cantoria dos hinos compulsórios. Jamais! Como também não cairia na tentação aliciante do populismo pós-moderno, tão a gosto de certos pedagogos, exemplificado pela maníaca abnegação de alguns teóricos  que declaram que o particípio ativo do verbo “presidir” pode ser flexionado para “presidenta”, mesmo que essa empreitada colida frontalmente com as regras estabelecidas da língua pátria.É a pedagogia do voluntarismo subjetivo, do “eu quero, do “eu sou”, mesmo que essas assertivas choquem-se perigosamente com os conceitos científicos ou com as normas de convivência compartilhadas. E para isso contribuem não somente os pais, mas também as falsas instituições republicanas, mais de perto, os juízes quando emitem sentenças desvinculadas das leis,  produções  usurpativas da vontade popular, motivadas pelo subjetivismo autoritário dos seus desejos.

Dessa maneira, tudo é verdade e mentira, fluido e pastoso, e como dizia Hegel, um mundo totalizado pelas contradições dilacerantes “é menos do que nada”, um campo de batalha do “salve-se quem puder”, a noite do mundo onde trafegam os zumbis psicóticos. Não é um mundo do desafio à liberdade, mas uma ampla gaiola onde tem vigência a lei do mais forte, um mercado de trocas sem regras onde competem a raposa e a galinha, o lobo e o cordeiro, quais os resultados já sabemos. Esse é o conceito da liberdade dos falsos liberais, tão bem exemplificado pelo pensador francês Jean Léon Jaurès: “o mercado livre é uma raposa livre em um galinheiro livre”.

É nessa imensa gaiola da falsa liberdade que está inserida a garotada em dias atuais. E quem será a raposa ou a galinha? Vai depender de alguns fatores, dentre eles, a vigência da seleção natural. Estímulos visuais e publicitários  não faltam para motivar o aparecimento do predador: um falso filósofo que homenageia a cultura do cowboy americano, pousando com um rifle nas mãos, tendo ao fundo uma cabeça de veado pendurada na parede; um Presidente da República que publica uma foto comendo sanduíche com uma pistola na cintura! No entanto, essas divulgações seriam minimizadas se os pais, os professores, os intelectuais orgânicos, se preocupassem com a solidão desprotegida das crianças e adolescentes que, na maioria dos casos, podem ser transformadas em egocêntricos exploradores, e em alguns casos específicos, em pessoas despidas de empatia, que usam o suporte do imaginário para manipular de maneira perversa o campo do simbólico-normativo, sociopatas que caçam vidas humanas.

Elocubrações de um velho socialista pessimista? Apenas uma lembrança das aulas do saudoso professor de cálculos matemáticos complexos, Omar Katunda, quando afirmava que para adentrar ao mundo criativo dos cálculos diferenciais e integrais, tornava-se imperioso o estudo reflexivo da teoria dos limites.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

Vamos à Terra do Nunca?

Vamos à Terra do Nunca?

Não me canso de rever o filme de Marc Forster, Em busca da Terra do Nunca, baseado na peça do escritor escocês J. M. Barrie, representado na tela pelo ator inglês, o excelente Johnny Depp. Um belíssimo filme! Uma interpretação que amplia os horizontes das inúmeras e homogêneas interpretações que se apegam à costumeira ideia que os residentes da Terra do Nunca  são eternamente infantis, usando o escapismo do imaginário para se refugiarem do temor da morte inexorável, enfim, uma metáfora do Puer Aeternus (eterna criança) em busca do paraíso infantil.

Apesar de laureado, aclamado através da linha do tempo, concordo com a psicanalista junguiana Marie-Louise Von Franz que a obra literária que descreve com exatidão a problemática da eterna criança é o Pequeno Príncipe de Antoine de Saint Exupéry. Essa obra que comumente é interpretada como um manancial de citações e reflexões humanista, em verdade, para a amiga e colaboradora de Carl Gustav Jung, é um grito de dor de uma pessoa que se refugia na floresta escura do imaginário, perpassada pela angústia de uma terrível escolha: ultrapassar a linha tênue que divisa a insanidade esquisofrênica ou manter-se na dura realidade de um mundo de sentidos e valores contraditórios - a noite do mundo hegeliano - atuando como um psicótico predador, um extremo egocêntrico narcisista, em que a medida dos valores de sociabilidade são seus desejos.

Atualmente o mundo está cheio de pequenos príncipes, pessoas imaturas, possessivas, cultuadores da libertinagem individualista, filhos diletos do pós-modernismo neoliberal, desraigados de valores solidários, e se algum deles fala em solidariedade, ponham as barbas de molho, visto que é da boca para fora, pois enquanto enriquecem às custas do erário público, dão migalhas às pessoas, chamado-as de companheiras. Assim, o de tacape na mão, o da língua afiada na mentira, o juiz da caneta autoritária, os que transformam conceitos em opiniões, todos eles, vestidos em mantos diferentes, são faces de uma mesma moeda.

Analisando a história da Terra do Nunca, Peter Pan é uma criança que se recusa crescer, mas o conjunto da obra é de grande densidade dialética, um passeio pela trilha existencial da vida autêntica. Uma bela metáfora de uma viagem, onde os guias turísticos, Peter Pan e as fadinhas, levam os viajantes para uma ilha das fantasias e sonhos, local que não é um paraíso fugático, mas, sobretudo, uma escola onde se ensina conjugar os sonhos com a realidade. Lá está o Capitão Gancho, símbolo do voluntarismo humano, algo muito importante para o desenvolvimento da humanidade, mas se não for associado às normas de solidariedade, torna-se destrutivo.

Lá está o crocodilo tic-tac, aquele que engoliu o relógio do tempo, de boca sempre aberta, pois ele sabe que, mais dia ou menos dia, todos cairão nela. Ele marca o tempo cronológico de todos que um dia cairão em sua bocarra cheias de dentes afiados. Peter Pan sabe disso, uma vez que é inexorável. Ele não luta contra o Capitão Gancho para fazê-lo cair na boca do Tic-tac, dado que, com sua luta ou não, Gancho, assim como todos os viventes, perecerá entre os dentes do crocodilo. Ele luta contra a ideologia individualista do Capitão, pelos seus sonhos libertários, pela comunhão solidária dos viventes. Peter Pan demonstra para os meninos viajantes que o tempo cronológico se encerra nos dentes do Crocodilo Tic-tac, mas o tempo existencial é infinito na sua verticalidade congelada, assim como uma fotografia que tem como função parar o tempo cronológico.

Portanto, quando os meninos voltam da sua viagem, sabem que Peter Pan não poderá ficar no mundo Real, pois ele é o eterno guia de viagem à Terra do Nunca. Aprenderam que o lado empreendedor do Capitão Gancho, despido do individualismo possessivo, estará com eles, e, dessa maneira, crescerão estimulados pelo desafio da Vida, no entanto, jamais esquecerão da Terra do Nunca, da criança imaginativa que nunca deve morrer, dos voos solidários como gaivotas, mesmo sob o olhar predador do voo alto da solitária águia.

Um dia seremos um belo jantar para o crocodilo tic-tac. E daí? Ele pode comer nossos corpos, mas jamais os nossos sonhos, assim como, apagar a nossa densidade existencial.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna