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quarta-feira, 10 de julho de 2019

Uma orquestração desafinada?

Uma orquestração desafinada?

Está causando a maior celeuma a divulgação das supostas falas do ex-juiz Sérgio Moro com o promotor federal, o Sr. Deltan Dallagnol, publicado no site The Intercept Brasil, dados fornecidos possivelmente  pelo hacker  Tal Prihar, preso em uma operação conjunta do FBI e a Europol sob a acusação de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas. Pode-se dizer que esse senhor tem algumas peculiaridades operacionais que coincidem o modus operandi de alguns dos nossos políticos, e a coincidência mais interessante é que esse judeu bisbilhoteiro morava em uma casa que fora usada pelo Sr.  José Dirceu, antes de ser preso.

Apesar do Sr. Moro dizer que foi apenas um ruído de traque de massa, a notícia explodiu como uma bomba de breu, com status magnânimo de um artefato nuclear, uma reação em cadeia com a ajuda prestimosa dos seguidores do Sr. Lula da Silva. Armação? Não diria isso, mas a empanada do circo já estava armada à espera de um compulsivo palhaço que nela iria se abrigar. E palhaços tristes não faltam em nossa terrinha...

Vozes se levantam indignadas, vociferando contra “esse terrível ato” que retira a legitimidade do Judiciário. No entanto, será que essas vozes possuem legitimidade? Que legitimidade possuem os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, para falar em interferências que violam as leis? O que falar da OAB, órgão aparelhado pelo lulismo, e que seu presidente Felipe Santa Cruz está sendo investigado por contratações milionárias de R$ 1,26 milhão pelo Serviço Nacional de Processamento de Dados (Serpro) e de R$ 2,5 milhões com a Petrobras, todas elas irregulares, sem as respectivas licitações? O que é mais engraçado é uma tal “associação dos juízes pela democracia” pedir juridicamente o afastamento do Sr. Sérgio Moro, sob a alegação de que o referido senhor estava fazendo política quando era juiz. Hilario, para não dizer: uma trágica comédia! Uma associação de juízes políticos, alguns deles cultuadores do Sr. Lula, uma atividade que rompe com o princípio maior da imparcialidade jurídica, falar em ausência de imparcialidade por parte do Sr. Moro. Que cinismo! A própria existência dessa associação demonstra a vigência da norma implícita da parcialidade e a politização do Judiciário.

Ora, a parcialidade é um elemento sistêmico na estrutura judicial brasileira, e se fossemos atender o pedido de nulidade plena dos julgados do juiz Sérgio Moro, alegando parcialidade e conchavos - essa é a tese do “jurista” Ciro Gomes, uma mistura indigesta de Lampião e Padin Ciço -, anularíamos quase todos os julgados do STF e dos demais tribunais. Uma Constituição que permite que um juiz dê uma sentença contra a lei, baseada em princípios vagos e indeterminados e no alargamento das materialidades substantivas legais; que se cala ante a censura judicial através de interditos e sentenças intimidadoras, ao ponto de um juiz eleitoral poder efetuar censuras nos debates políticos, é ou não é a fonte primeira da parcialidade e do juiz interventor?

Deixando de lado a parcialidade e a corrupção sistêmica, agasalhada e protegida pela mãe loba Constituição, uma indagação deve ser feita:  as conversas de um juiz penal com um promotor é ilegal ou uma variante com riscos assumidos, de um magistrado que está na fase instrutora processual? Na Itália que existe o juiz de instrução não existe ilegalidade em acordos com a polícia e promotores que visem montar estratégias para ampliar e  sedimentar as investigações, e os diversos exemplos da Operação Mãos limpas apontam nesse sentido, apesar das discordâncias de muitos juristas e da oposição sistemática da grande mídia, financiada por grupos econômicos poderosos e por políticos investigados por corrupção.

No Brasil não existe o juiz de instrução - o que é lastimável, pois esse instituto separa o juiz que faz instrução, do juiz que vai julgar - e o nosso Código de Processo Penal dá grandes poderes instrutórios e investigativos aos juízes penais, que são guiados pelo princípio da verdade real. Assim, a parcialidade do juiz investigador entra em tensão dialética com a imparcialidade do juiz julgador, quase sempre tendente ao desequilíbrio, um verdadeiro samba do criolo doido na cabecinha do pobre juiz penal. Paciência! Esse é o nosso sistema penal! Em alguns momentos um juiz pode estar quase convencido da culpa do investigado, podendo somar forças com o MP e a Polícia em busca de maiores provas, o que não quer dizer que vai condená-lo, pois vai depender do conjunto de provas.

A vaidade, a arrogância, à busca de uma carreira política, podem não ser bons atributos para um juiz que, no meu ponto de vista, deve cultivar a discrição, no entanto, a princípio, tê-los não significa que é um juiz venal. Ademais, alguns juízes italianos da Operação Mãos Limpas, depois de algum tempo, trilharam pela política. Aliás, é muito melhor que um juiz se torne político, de que um juiz político.

Cabe aqui a transcrição de um texto da declaração dada à imprensa pelo Ministro Barroso, afirmando ter “dificuldade em entender a euforia que tomou os corruptos e seus parceiros”, uma vez que “a corrupção existiu e precisa continuar a ser enfrentada”, concluindo que “a única coisa que se sabe ao certo,  até agora, é que as conversas foram obtidas mediante ação criminosa. E é preciso ter cuidado para que o crime não compense”.

O ministro Barroso tem razão. Essas gravações não são provas lícitas, segundo reiteradas decisões do STF, e sendo consideradas nulas, não podendo ser elementos de anulação dos processos da Lava Jato, no máximo, elas podem motivar investigações mais profundas, sendo que para o ministro Marco Aurélio, nem para isso elas servem, aferrado à teoria dos frutos da árvore envenenada.

Portanto, nada dessa celeuma pode ser aproveitada por Lula e os demais condenados pela Lava Jato. A questão vai continuar sendo o exame dos elementos constitutivos das sentenças, tais como, a existência de ampla defesa e a razoabilidade das provas, pois é analisando esses elementos é que vai ser demonstrado a imparcialidade ou parcialidade concreta do juiz. E ao que me consta, os tribunais estão confirmando essas sentenças, considerando, no caso de Lula, por exemplo, que nenhum corrupto vai colocar bens em seu nome, e que as provas que comprovem o ânimo de dono são robustas e suficientes para a condenação.

Uma advertência, entretanto, precisa ser feita. Não adianta somente prender, pois, por melhor que sejam os juízes, os poderosos grupos corruptos instalados no Parlamento irão sair em contra-ataque, mudando as legislações para limitar o poder das investigações. Em pouco tempo, a corrupção aumenta, mas, desta vez, de maneira mais sofisticada. Assim, é imperioso uma nova Constituição e novas leis para limitar severamente a corrupção estrutural do Estado brasileiro.

Esse circo armado em torno de uma ação criminosa de um hacker é umas das maneiras que os grupos corruptos contra-atacam. É preciso ter muita serenidade em momentos como esses.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna

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