Nunca mais?
Em um país de pândegos, das antinomias carnavalescas, declarações transloucadas são recebidas como piadas, brincadeiras que mesmo com toques perversos são usadas para apimentar o humor do brasileiro, tão afeito às gargalhadas depreciativas.
No entanto, torturas nunca podem ser motivos de anedotas, a não ser nas cabeças de pessoas doentias ou animalizadas pelas crenças fundamentalistas. Aplaudir os feitos do general Pinochet, do sádico Coronel Ustra ou do monstruoso Delegado Fleury, demonstra o caráter e o nível de desajuste mental dessas pessoas ovacionadoras. E imaginar que uma dessas pessoas é o maior mandatário da Nação é de causar arrepios.
Entretanto, celebrar o movimento militar de 1964 é um atentado ao Estado liberal? Tenho a impressão que a resposta é negativa, pois as estruturas institucionais e a sociedade civil devem estar preparadas para conviver com as divergências, mesmo que elas nos pareçam totalmente despidas de razão, afinal, a tolerância é a maior virtude do liberalismo. E ademais existe algo a ponderar: festejar a autoritária intervenção militar de 1964 não pode, mas festejar a intervenção militar de 1930, comandada pelo Sr. Getúlio Vargas, que desembocou em uma terrível e perversa ditadura, essa pode! É a velha dialética do pragmatismo que prescreve a verdade que nos interessa.
Apesar de achar que essa celebração beira à insanidade, entendo que a intervenção judicial é um atentado ao Estado liberal por não existir base legal para tal proibição. Mas é aquela história: qualquer dia, para sairmos de casa, teremos que pedir autorização judicial, pois mesmo não existindo uma norma legislativa que proíba - a reserva legal democrática -, eles inventaram uma tal reserva constitucional, a teoria da extensão material, que embasam os princípios criativos, fabricados pelos juízes usurpadores da vontade popular. Existe maior atentado à Democracia?
Se existe um atentado à Democracia, ele não deve ser encontrado em uma celebração idiota patrocinada por alguns saudosistas, mesmo sendo recepcionada por inúmeras pessoas. Se isso acontece é porque algo vai mal com “a jovem democracia de 30 anos”, denominação tão a gosto de certos teóricos liberais. Será que essa jovem, ao longo desse 30 anos, dignificou o seu nome ou foi um farsa, uma mentira inventada pelos oligarcas populistas, alimentada pela compra de votos com o dinheiro oriundo da corrupção?
Quantos companheiros morreram torturados nos calabouços do governo Vargas e na ditadura militar de 1964, para que essa jovem nascesse! Entretanto, somente creditar a sua prostituição aos afagos aliciadores dos velhos patrimonialistas é faltar com a verdade. Ela foi vítima dos nossos companheiros desonestos - ou diziam ser -, aqueles que falavam do trabalhador com centro orientador da vontade popular, mas quando ocuparam as cadeiras do Poder, mergulharam no lamaçal da corrupção, compraram consciências e aparelharam as instituições republicanas.
E, convenhamos, uma jovem tão despida de dignidade só poderia gerar o repúdio da população e o aparecimento de aventureiros que, em um passado não muito distante, eram piadas sem importância. E agora, o que fazer? Reagrupar políticos que nunca se deixaram aliciar pela corrupção, criando um oposição que possa ser respeitada pela população ou continuar nas ruas com os cartazes de “Lula livre”, bandeiras que representam a traição ao verdadeiros preceitos democráticos?
Afinal, existe ainda as réstias da jovem democracia, e se ainda existe, quem a traiu?
Diga-me, poeta Põe, nunca mais?
“Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Ivan Bezerra de Sant’ Anna
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