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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Meu caro amigo



Meu caro amigo






Meu caro amigo me perdoe, por favor, por essa carta incisiva. Ao que parece, o grande Chico Buarque que encantava à sofrida "classe média", enchendo os auditórios, solfejando as suas músicas nas ruas perigosas, está muito distante, brilhando em algum ponto da parede do céu. O povão nunca entendeu as sua música, preferindo os Amados Batista da vida, inconscientemente apoiando os militares, enquanto nós, uma pequena parcela da sociedade, arriscávamos nossas vidas, embaladas por um sonho de dias melhores. Todos estávamos juntos, inclusive o Lula e a Dilma, podendo afirmar que eles são o que são, graças aos nossos votos e nossa constante luta. Não somos uma "classe média" venezuelana, um agrupamento social reacionário, mas pessoas com dignidade que sempre encheram as ruas com coragem e destemor. Você existiu porque comprávamos seus discos e cantarolávamos suas músicas no negrume das noites ditatoriais. Qual é sua origem, a de Dilma e da maioria dos dirigentes petistas? Não eram filhos de famílias brancas, endinheiradas que tomaram a reflexão critica como um dever e a luta como necessidade? É algum crime continuarmos tendo dúvidas, cultivando o Pensar crítico, vaiando, protestando, como você nos ensinou com a sua música?

Caro amigo, infelizmente, 
"Aqui na terra 'tão jogando futebol 
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll 
Uns dias chove, noutros dias bate sol 
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta 
Muita mutreta pra levar a situação 
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça 
E a gente vai tomando que, também, sem a cachaça 
Ninguém segura esse rojão" 
É, caro Chico, a coisa aqui tá preta e ao que parece, somente os "brancos e endinheirados" percebem isso. O que mudou, caro amigo, você com seu Lulismo ou nós com as nossas vaias? Aliás, mesmo nos velhos tempos, já vaiamos você quando insistia entrar ébrio nos shows, devido a sua atávica timidez. Está esquecido? No entanto, tínhamos a consciência que devíamos separar a personalidade artística da empírica, para preservar e manter intacta sua obra, das eventuais bobagens do Francisco de Holanda. Infelizmente, não fomos tão condescendentes com o Nelson Rodrigues como deveríamos ser, pois enxovalhamos a sua grande obra em decorrência das suas empíricas vivências reacionárias.

Você diz que não entendemos que um país que foi espoliado durante séculos por elites vorazes, não poderia mudar em pouco espaço de tempo, e que não enxergamos os grandes avanços sociais proporcionado por Lula. Entendemos e enxergamos, caro amigo. Mas esses "avanços" com uma melhoria no poder de compra da população, começou com o Plano Real, com a bolsa família de Ruth Cardoso e com o uso do BNDES para financiar o trôpego e desonesto capitalismo brasileiro. E o que dizíamos disso, lembra-se? Você e o agrupamento de Lula não diziam que essas medidas eram populistas, esmolas eleitoreiras? Se o Lula foi um FHC, multiplicado por dez, por que não podemos continuar dizendo? Se FHC distribuiu bolsas famílias, usou o BNDES para financiar grandes empresas  é um diabo, e quando Lula faz a mesma coisa é um santo salvador, onde vai parar a boa e velha lógica? 

Responda-me, caro amigo: é correto o Lula e seu filho possuírem inúmeras fazendas, quotas acionarias na Oi Telecom e uma empresa de processamento de carne, a Friboi? Acha certo, por tudo que lutamos, que altos dirigentes petistas estejam atolados na corrupção? E o Maluf, Sarney, Collor, e tantos outros representantes das velhas elites que em vários séculos saquearam o Brasil, poderiam ser aliados de um governante que se diz mudancista? Poderia explicar essa mágica? Afinal, quem é essa terrível elite pirata? Os aliados atuais da Sra. Dilma que outrora estavam apoiando a Ditadura militar, ou somos nós, os "classe médias brancos endinheirados" que no passado, ouvíamos sua voz fanhosa, embalando os nossos sonhos? Você não estaria dramatizando as diferenças entre Lula e FHC, tentando esconder as grandes semelhanças? Quem representa as velhas elites que secularmente espoliaram o Brasil, FHC, Serra, Mario Covas ou Maluf, Sarney, Collor, Delfim Neto, Emilio Oderbrect, José Alencar e outros? O primeiro grupo capitaneado por FHC, salvo engano, sempre lutou contra as elites e estava nas ruas contra a Ditadura. Quanto ao segundo grupo comandado pelo Sarney, hoje aliado ao Lulismo, sempre esteve contra o povo. Estou faltando com a verdade, Francisco de Holanda?

Aliás, como devo lhe chamar, Chico Buarque ou Francisco de Holanda? Você mesmo não sabe, não é? Que roda viva, caro amigo! Acho que você murchou a sua festa, não guardando o velho cravo renitente, aquele cravo do Patrício Lubumba, e possivelmente serão os garotos das ruas endinheiradas, aqueles protestam nas ruas, que plantarão a semente em algum canto do jardim. O tempo foi muito cruel para você, caro amigo. Não estou dizendo isso pelas suas profundas rugas que sulcam seu rosto, tal como leitos dos riachos calcinados pelo inclemente sol, mas por ter absorvido a seiva pegajosa das eternas crenças senis. Melhor seria o silêncio de Francisco, pois já não é o dono da voz e das mãos que outrora construíram frases de grande densidade poética, formataram sonhos e galgaram o cume da transcendência.

O samba está na rua, dançado e cantado pelos descamisados, pelos "endinheirados dos extratos médios"  e por você, caro Chico Buarque. Se Francisco de Holanda vai estar de galeria com as "elites populares do Sarney", batendo palmas educadas como turista, apenas diremos: "Quem te viu; quem te vê".

Ivan Bezerra de Sant Anna


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