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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O homem do cabelo lambido

O homem do cabelo lambido





Ainda sinto os calafrios percorrendo o meu corpo, daquela densa noite. Uma simples noite junina, um convite às danças e às comidas, transformava-se em um pesadelo inesperado. O vento soprava forte no arraial, bandeiras, balões, balançavam nervosamente, hesitantes, cheias de presságios. O Rei do Baião tinha acabado sua caminhada sobre os terrenos pedregosos desse mundo, mas não era somente esse motivo dessa noite com lágrimas no rosto.

Nosso grupo caminhava lentamente entre as pessoas coloridas e de rostos amedrontados, enquanto uma grande comitiva de fardas, fuzis e cassetetes, pontuava a noite como morcegos, carentes de sangue. "Eles foram mandados pelo homem do cabelo lambido", cochichavam as pessoas com bocas miúdas. "Vocês não podem falar besteiras e subir no palanque", disse-nos, rangendo os dentes, o homem com cara de cavalo e estrelas nos ombros.

As lembranças da ditadura militar ainda eram recentes, as feridas ainda sangravam e estávamos perplexos ante aquele aparato bélico que se espalhava, ocupando os quatro cantos do local festivo. Avançamos em direção do palanque e ouvimos o barulho metálico das armas engatilhadas. Um homem de roupa comum, com rosto indefinido, segurava ostensivamente a coronha de um Colt 45. O cara de cavalo, disse: "Não passarão!" Um sussurro de indignação percorreu o local e os olhares das pessoas juninas cravaram no estrelado. O cara de cavalo, titubeou: "Foram ordens do Senhor Governador. Eu só cumpro ordens".

Nesse momento, tudo estava congelado, paralisado, como um retrato de uma foto com o tempo sem tempo. Mas foram brevíssimos segundos apenas, pois um homem empurrou o cara de cavalo, subiu no palanque e levantou os braços. A multidão explodiu. O homem do cabelo lambido começara perder a batalha...

Nessa fase do caminho em que me encontro, as lembranças ainda são muito nítidas e posso ver claramente o que está acontecendo na atualidade. Por aqui falam muito das águas do esquecimento, mas, por enquanto, não as bebi. Penso que essas lembranças ainda são muito importantes para o meu crescimento, pois elas me fazem refletir sobre o que fui, o que sou agora e o que serei.

Lembro-me bem do homem do cabelo lambido. Seu rosto cínico, autoritário e oportunista nunca saiu da minha memória. Naquele dia, ele tinha perdido a batalha e depois veria seu candidato ter uma humilhante derrota eleitoral. As nossas bandeiras falavam bem alto e tanto fazia ser PCB, PCdoB ou PSB, pois todas estavam irmanadas, todas eram vermelhas. Mas nem todas as bandeiras vermelhas estavam presentes. Faltava a do PT, do meu amor secreto, Marcelo Deda. Infelizmente, ele ouviu os conselhos de um velho general da reserva e fez uma aliança com o homem do cabelo lambido que, depois de um breve tempo, devolveu-lhe o favor com um espancamento em praça pública.

Que ironia! Depois de algum tempo, o homem que subira corajosamente no palanque naquela noite junina, ajudava ao seu algoz, o homem do cabelo lambido, subir a escada de um palanque político. Deda já se encontrava lá; espancador e espancado se abraçavam. O Camaleão estava se preparando para ganhar futuras batalhas, agora saudado pelas bandeiras vermelhas, balançadas por mãos oportunistas e ávidas pelo Poder. O homem do cabelo lambido mostrava-se adaptado e confortável com seu novo papel de socialista e democrata, mas o seu rosto sempre denunciaria os anos de servilismo aos militares e à família Franco.

Observo o filho do homem do cabelo lambido. Um menino! Tenho pena dele, pois acho que tendo o pai que tem, não lhe sobrou muitas alternativas para escolher. Um garoto de um sorriso fácil, com rosto descontraído, bem diferente do rosto cavado e cínico do pai. No entanto, nunca trabalhou para sentir-se honrado e dignificado, preferindo ocupar cargos políticos que o pai compra para ele. Agora tem a missão de ser Prefeito de Aracaju. Coitado, nem uma casa administrou! Desconfio que o homem de cabelo lambido está usando o seu filho, como já usou tantas outras pessoas, para ser o mentor de Aracaju.

Quanto ao homem que subiu no palanque, sua imensa ambição deu-lhe o dom da traição: a dele e dos outros. E seu carma ainda não exauriu... E meu pobre ex-amado Marcelo Deda? Ainda gosto muito dele e dedico-lhe algumas rezas. Sempre desconfiei que sua vaidade acabaria por destruí-lo, tornando-o uma presa fácil para as raposas escoladas da nossa política. Espero que encontre a paz. No fundo, é um sonhador; um bom homem.

Heloísa Matos, psicografada por Ivan Bezerra de Sant Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/






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