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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O menino das curvas


O menino das curvas


"Se acaso em uma curva eu me lembre do meu mundo, eu piso mais fundo, não posso parar"


O menino Oscar não podia parar. Mesmo quando perseguia desajeitado uma bola, vestindo a camisa tricolor, Oscar já tateava as curvas que rolavam graciosa no gramado verde. Seus pés vigoroso e determinados, no entanto, cederam lugar para suas mãos ágeis que tateavam desde os primeiros alentos, as curvas amadas e protetoras.

As curvas nunca lhe abandonaram ao longo da sua vida. Se elas iniciaram-se no aconchego sinuoso de sua mãe e na adolescência, os olhos vivazes de Oscar foram brindados pela ondular geografia das paisagens cariocas e pelo rebolar curvilíneo das mulheres praianas. O Rio sempre foi o berço das curvas e muito delas eram por demais dolorosas e cruéis. As curvas abruptas da senóide social com suas variações injustas, foram lições que fizeram Oscar tentar fazer uma poética humanista com lápis, papel e concreto. Não uma associação criativa das formas ondulares de uma pura estética formal, mas formas curvas que abrigassem pessoas em busca da comum humanidade.

Oscar era e morreu sendo um comunista que poetava com suas artísticas formas arredondadas, a produção de um novo mundo, livre e fraterno. Como homem sempre primou pela solidariedade, doando uma boa parte do que honestamente ganhou para causa comunista e para organizações dedicadas ao desenvolvimento social e a arte. No entanto, as curvas das estradas eram perigosas e em épocas tenebrosas teve que se asilar, fugindo das espadas reacionárias que torturavam e matavam.

Entretanto, as línguas curvas como bicos de aves de rapina, nunca lhe deram sossego. Mesmo sem poderem usar suas garras afiadas, suas línguas sinuosas tentavam e ainda tentam denegrir o seu passado comunista com perfídias e galhofas, chamado-o de idiota e sem demostrarem nenhum respeito pela sua morte, desejando-lhe um céu albanês. Eles são zumbis, Oscar. São ratos individualistas que vivem das sobras dos poderosos, infelizes, competitivos e solitários, porque nunca descobriram o real sentido da existência humana que é a solidariedade fraterna.

Vá, Oscar. Percorra os caminhos infinitos da liberdade, pois aprendeu a valoriza-la quando andou pelos subterrâneos da liberdade, caminhada brilhantemente descrita pelo gênio do seu companheiro, Jorge Amado. Quem sabe se ao longo desse caminho não encontre o seu amigo e fraterno companheiro, Luiz Carlos Prestes, juntamente com Darci Ribeiro, Gregório Bezerra, Arruda, Astrogildo Pereira e tantos outros companheiros de luta.

Uma coisa tenha certeza: em algum lugar desse imenso caminho vão se deparar com um homem simples que muito antes de vocês multiplicava pães e peixes, falando da liberdade, fraternidade e igualdade. Não tenham medo dele, pois foi traído, negado por seus seguidores que inventaram a Inquisição e pregavam a subserviência do povo aos poderosos. Ele é o Nazareno que certo dia disse que Deus era a reunião de mais de três pessoas de boa vontade. E os verdadeiros comunistas não são essas pessoas?

À Deus, Oscar.

Ivan Bezerra de Sant Anna - ateu por opção


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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Voz Traiçoeira

Voz traiçoeira



A calmaria da tarde alegrada por um cavaquinho mimoso, um pandeiro alegre, um violão com cordas saudosistas, uma cantoria ritmada por um contraponto do riso e o soluço, foi bruscamente quebrada por uma voz triste, supostamente profética. A voz de palanque ressoou chorosa, entrecortada por pausas e palavras em balbucio. Era a voz do político ou do menino Edvaldo que um dia sonhou com a humanidade feliz?

Lá estava Cleomar, deitado serenamente, dormindo e sonhando o seu último sonho. Seu último? Quem sabe dizer. Sonhos, ele sonhou muitos, durante toda a sua vida tracejada por dores, alegrias e amores. Sua mão traçava palavras, frases e parágrafos, ritmados pelo fluxo dialético da vida e pelo pulsar do seu coração. Morreu como viveu: sonhando, brigando, cantando.


Aquela voz tristonha não precisava ter prometido que lhe colocaria no rol da fama da Orla do Por do Sol. Deveria ter ouvido outras vozes superiores, antes de sonorizar palavras desonestas e infiéis. Mesmo porque, ao por do sol a Coruja de Minerva sempre piou para ele e lá pelas tantas horas da madrugada, o Galo gaulês sempre lhe anunciava o amanhecer. Cleomar Brandi não precisa de estátuas, pois suas ações densamente humanas eternizaram-se na linha do tempo infinito.

No entanto, aquela voz dissonante sensibilizou uma mãe que chorava a morte de um filho, como qualquer mãe que vê o acaso cruel violar a lei natural da vida. Ela acreditou na sua voz, Edvaldo Nogueira. E quando a morte a carregou solenemente em seu manto, o seu coração crente continuou acreditando.

Quem é mesmo o dono de sua voz, Edvaldo? Não importa. Você e a sua voz não dignos de um homem que chamava-se Coração Valente.

Ivan Bezerra de Sant Anna



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