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sábado, 13 de outubro de 2018

O que é o fascismo?

Afinal, o que é o fascismo?

Na época dos anos de chumbo, o período do trabalho na clandestinidade, usava-se a expressão “pequeno burguês” toda a vez que queríamos denigrir um camarada que ousava discordar do pensamento dominante no PCB. Era uma espécie de xingamento a ser aplicado sem maiores cuidados conceituais, pois tinha se transformado em um adjetivo, uma palavra arma que era disparada em circunstâncias convenientes. Agora é a vez da palavra fascismo, usada contra todo aquele que apresenta comportamentos homofóbicos, machistas, autoritários de todos os naipes, com a salvadora exceção aos amigos e companheiros, aqueles que perfilam ao nosso lado. Então, se um deputado adversário  expressa com veemência suas ideias conservadoras, ele é rigorosamente tachado de fascista, mas se outro deputado amigo cospe no rosto de um colega, nesse caso, ele age com rigor revolucionário a ser aplaudido. Se manifestantes adversários agridem nossos companheiros, esses agressores são “camisas pardas”, a fina flor do fascismo. No entanto se companheiros nossos agridem os adversários com socos ou facadas, eles estão agindo em legítima defesa dos oprimidos. Ou seja: fascistas são os outros, e essa é a primeira pérola do atual conceito do fascismo.

Esse pragmatismo conceitual me expõe ao seguinte problema: se um cara vem me assaltar, exclamando palavrões vexatórios, deferindo algumas pancadas cautelares, estou sendo agredido por um delinquente comum, por um fascista, ou por um revoltado que está agindo em “legítima defesa da opressão”? Segundo a atual doutrina, muito usada pelo lulismo, tudo vai depender da relação política que temos com o suposto agressor. Gostem ou não, os leitores, mas existem pessoas que afirmam categoricamente que o conceito não mais existe, uma coisa obsoleta do passado, e em seu lugar deve existir modelos virtuais sem conteúdos, atualizados de acordo com nossos desejos constitutivos. Uau, como sou um aprendiz de filosofia da “velha guarda” fiquei devidamente assustado! Algo está podre no reino da Dinamarca, e isso me cheira a um voluntarismo psicótico tão comum em certos “pais do povo”, líderes arrogantes, violentos e presunçosos.

Afinal, o que é o fascismo?

Não é uma impropriedade histórica afirmar que o fascismo nasce em Roma nas dinastias dos Césares, embora esse nome nunca tenha sido usado para denominar um sistema político. Deu-lhe, Benito Mossulini, quando copiou a estrutura política dos Césares, atualizando-a para a estrutura econômica vigente. O termo fascismo é oriundo da palavra fascio que denominava um conjunto de varas em volta de um machado, um símbolo que as mulheres romanas carregavam nos desfiles triunfalistas, simbolizando o povo (as varas) unido com o Estado (o machado). Logo se percebe que o fascio denunciava a forma política de governo que se constituía em um governo quase pebliscitário, e devido às reformas no sistema representativo do Senado, as representações eram corporativas laborais e territoriais.

É inegável a orientação à esquerda do cesarismo, uma vez que o seu fundador Júlio César era um militar de origem humilde, inimigo fidalgal dos privilégios das elites patrícias, que por seu turno, o acusavam de violador da democracia, um ditador. Portanto, o fascio era um sistema político ditatorial pebliscitário que visava substitui a velha democracia de privilégios do estamento Patrício, por um sistema político em que o Imperador arbitrava os interesses estamentais, com uma forte orientação popular, inclusive fazendo uma redistribuição das terras agrícolas.

Depois de longos séculos, um intelectual italiano e jornalista, Benito Mossulini, insatisfeito com sua agremiação partidária, o Partido Socialista Italiano, redescobre o Fascio e denomina-o de Fascismo, um sistema político corporativista, comandado por um Estado ditatorial e interventor, baseado no personalismo do seu condutor, e com forte presença na economia, arbitrando conflitos entre as classes sociais, prolatando legislações de caráter protecionista, como foi a Carta del Lavoro, copiado para o Brasil pelo ditador Vargas com o nome de CLT.

Uma das características do fascismo era a presença do Estado na economia - na Itália, 75% das empresas de base eram estatais - e o extremado nacionalismo, sem que isso conotasse traços xenófobos e racista, ao contrário que se deu no fascismo alemão, o Nacional Socialismo. Em resumo, ser fascista é acreditar em um sistema político corporativo, ditatorial, nacionalista, protetor e árbitro das relações classistas.

Os conceitos, ao longo do tempo, sofrem alterações, devido às colisões da processualidade dialética, tornam-se mais encorpados por particularidades que se agregam, no entanto, não podem ser esvaziados dos seus elementos formativos essenciais, pois se isso acontecer perdem a categorização estrutural que os fazem específicos. Assim, um negro que se diz nazista é algo caricatural que colide frontalmente com a categorização do nazifascismo, mas se ele se declarar fascista, nesse caso, existe coerência lógica, pois o fascismo não tem o racismo como um dos elementos formativos essenciais.

Pode uma pessoa que defende o neoliberalismo, o Estado mínimo, mesmo sendo autoritário, violento, homofóbico, ser fascista? É óbvio que não, no entanto, pode ser uma pessoa de extrema direita. A mesma coisa se pode dizer de um líder partidário que financia as escolas privadas, faz loteamento das estatais para o regalo das grandes empresas, usa a corrupção como instrumento de manutenção do Poder, faz uso de violência clandestina para eliminar os oponentes e se diz socialista. Tanto um como o outro usam os conceitos de fascista e comunista para acusações mútuas, no entanto, nenhum deles é coisa alguma. Para uma imensa legião de alucinados, fascismo e comunismo são apenas metáforas, licenças poéticas, adjetivos de gume afiado, paixão e fé, a cega mão que guia a faça amolada.

Sabem o que é mais interessante? Embora não seja, mas devido à sua personalidade psicótica - o Sr. Lula que diz estar em cada célula das pessoas -, o grande mediador das questões humanas, não fosse o seu neoliberalismo envergonhado e disfarçado, se aproximaria muito mais perto do fascio do que o Sr. Bolsonaro.

Estou escrevendo isso, mas de nada vai adiantar, pois as pouquíssimas pessoas que porventura vão ler, e muitas delas continuarão acusando-se mutuamente de fascistas e comunistas, em um carnaval alucinado de rebolados e fantasias insensatas.

Ivan Bezerra de Sant’ Anna