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domingo, 3 de abril de 2016

A guerra dos grampos

A guerra dos grampos



Grampo, golpe, revolução, usurpação, atentado, são palavras, dentre muitas, que assumem garbosamente locais privilegiados nas trincheiras nessa guerra sem glória e dignidade. Não há respeito algum aos princípios lógicos de uma interpretação digna e razoável, mas um cipoal de frases feitas, lançadas como petardos panfletários, arremessadas pelos desvairos pragmáticos, alicerçados por silogismos capengas que fariam o sofista Protágoras se remoer de indignação na sua última morada. 

O alvo dessa guerra estúpida é o Juiz Sérgio Moro, um magistrado que com erros e acertos, conseguiu dar alguns passos na conquista na legitimidade judicial, uma instituição tão desacreditada aos olhos da população que se cansou de ver a lei ser desrespeitada, inclusive pelas trapalhadas de um órgão constitucional que deveria zelar pela ordem jurídica e não por interesses escusos. Não é de agora que as pessoas sabem que o Estado brasileiro nunca foi de Direito, mas uma farsa institucional baseada em normas manipuladas, interpretadas em favor dos ricos e poderosos, tal como um camaleão que muda de cor pelo medo e ambiente. 

Uma certa vez, como advogado da Pastoral da Terra, discutindo sobre a Democracia e Direito, em um determinado Sindicato rural, fui brindado por uma bela observação de um arguto trabalhador rural: "Sabe, companheiro advogado, Estado de Direito Democrático é quando o povo faz as leis e elas são aplicadas pelos tribunais da forma que fizemos. Quando eles não cumprem a lei ou mudam ela para agradar fulano ou beltrano, o que existe é um Estado da Safadeza".

Essa lembrança me faz pensar e repensar: em nosso País existe esse tal de Estado Democrático de Direito ou tudo isso é uma bela farsa comandada pelo STF que legisla atendendo os interesses dos grupos do Poder? Não deixa de ser cômico quando um Juiz ousa aplicar a lei contra os poderosos - em sintonia com o verdadeiro conceito de Estado de Direito - e os ministros do STF tacha-o de usurpador das garantias legais. O povo que não é bobo, ironiza: "coitadinhos, o Juiz usurpou o inalienável  Direito de roubar!"

No entanto, vamos analisar uma questão de real importância: onde termina um conflito interpretativo legal ou constitucional, e começa a usurpação desrespeitosa do sistema normativo? Apesar de ser uma questão da maior importância republicana, quase sempre os limites são difusos e imprecisos, necessitando um criterioso parâmetro metodológico para erigir as muralhas de contenção. Poderia se dizer que um Juiz Constitucional que não respeita à literalidade da norma, o seu núcleo duro, estaria atentando contra o Estado de Direito, como, por exemplo,  quando diz que o Senado pode efetuar admissibilidade do pedido de impeachment, mesmo estando claro na Constituição que esse exame é prerrogativa exclusiva da Câmara de Deputados? Ou quando outro Juiz constitucional dar prerrogativa de foro especial a um ex-presidente, não está atentando contra a Constituição? Estariam eles interpretando a norma ou inovando? 

E a questão dos grampos autorizados pelo Juiz Moro passeia pela estrada amena da interpretação ou pelo mar bravio da usurpação? Poderia o Juiz grampear uma ligação telefônica da Presidente da República, uma vez que ela tem foro privilegiado? A quebra desse sigilo é um crime previsto pela Lei nº 9.296/96? Foi abusiva a condução coercitiva do Sr. Lula da Silva ou o ex-presidente se acha uma pessoa acima da lei?

Todos as pessoas sabem que o Sr. Lula da Silva faz pouco caso da Justiça, porque ele acha que está acima da lei, bastando ouvir as suas declarações em palanques para constatar essa afirmação. Pela informação do oficial de justiça e do Delegado, o referido senhor não obedeceu a ordem judicial, dizendo impropérios aos policiais, e já estando previsto no mandado a condução coercitiva em caso de desobediência, o mesmo foi cumprido. Como se percebe, não houve violação à norma legal, no máximo, divergências de alegações entre a autoridade policial e o Sr. lula.

Quanto aos grampos, esse instrumento de investigação é previsto na Constituição e na Lei nº 9.296/96, devendo o magistrado efetuar o exame de admissibilidade, nos casos previstos em lei. Pelos indícios subtraídos nos depoimentos das delações premiadas e de outros documentos, o senhor Juiz entendeu ser necessário  o uso da interceptação telefônica. Jamais o magistrado ordenou o grampeamento do telefone da Sra. Presidente, no entanto, entre as gravações estavam algumas do Sr. Lula com a Presidente.

Ora, um dos maiores princípios de uma república é a publicidade dos atos processuais, pois em uma Democracia, a população não pode ser subtraída dessas informações, com exceção dos casos meramente particulares que envolvam a moral dos disputantes, ou em casos em que o sigilo deva proteger o bom andamento das investigações. Para essa finalidade, o art. 8º e o art. 10º da lei 9.296/96, estabelece o sigilo e suas penalidades por seu descumprimento, evitando que os advogados da parte investigada tenham acesso às informações e tentem obstruir as investigações. O sigilo não protege a parte investigada, mas o Estado.

Acrescento, ainda, que não existe nenhum dispositivo constitucional que proteja o sigilo dos atos administrativos da Presidência, principalmente os atos privados de conversação telefônica. Os únicos atos que podem ser encobertados pelo sigilo, como existem em outros países de democracia avançada, são os atos considerados de valor estratégico da segurança nacional, sendo interpretados restritivamente. 

O que o Sr. Juiz iria fazer? O que não deixaram ele fazer por precipitação do STF: se entendesse que havia indícios da prática de um crime por parte da Sra. Presidente, iria remeter essas gravações específicas para o Sr. Procurador-Geral da República para análise de admissibilidade e posterior ação penal, se julgasse possível. Caberia ao Supremo Tribunal analisar a denúncia e a legalidade das provas apresentadas, recebendo ou não a denúncia, no entanto, jamais fazer exame prévio de admissibilidade das provas e remeter ao Sr. Procurador-Geral, pois isso é colocar o carro na frente dos bois, e o STF não é Juizado de Instrução, instituto inexistente em nosso sistema jurídico.

É evidente que se a Presidente fosse o alvo da interceptação telefônica, o pedido deveria ser para STF, o Juízo competente para a ação  penal. Entretanto, o investigado foi o Sr. Lula, portanto a competência  é do Juiz Moro. Havendo um encontro fortuito de provas - a conversa que apareceu da Presidente com o Sr. Lula -, e existindo conexão ou continência entre ambas (Art. 76 do CPC), a prova secundaria é válida ou não?  Segundo a maioria dos doutrinadores penais, em seus livros doutrinários, a resposta é afirmativa, bem como nos julgados  do STJ e do STF. Qual a violação legal que levaria a hipótese da invalidade da prova colhida pelo Juiz Moro? A do foro privilegiado? Ora,  segunda à literalidade do artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, o STF é competente para "processar e julgar" a Presidente em crimes comuns, não mencionando a fase investigatória. Se existe um Procurador que atua no STF - o Procurador-Geral da República - não conheço uma polícia de investigação especializada nos feitos criminais do Supremo. Assim, a mesma polícia que investigou e produziu a prova secundária, seria a mesma polícia que investigaria a pedido do Procurador-Geral, não havendo, dessa maneira, nenhum vício material que maculasse a prova. 

Em resumo, mesmo não sendo competente para deferir pedidos de interceptação telefônica de pessoas com foro privilegiado, o Juiz Moro deferiu o pedido na investigação do Sr. Lula, aparecendo posteriormente uma prova fortuita em conexão ao crime investigado, prova essa que não foi produzida por violação normativa, mas por aparecimento fortuito, portanto, totalmente válida, apta a ser usada pelo Sr. Procurador-Geral da República. Qualquer outra interpretação que negue a validade dessa prova é transpor perigosamente o limite entre a interpretação e a usurpação, constituindo, dessa forma, em uma grave violação do Estado Democrático de Direito.

Agora, dar foro privilegiado a um ex-presidente, não é somente uma lesão ao Estado Democrático de Direito, mas uma cretinice rasteira e subserviente que soterra cada vez mais a credibilidade e legitimidade do Supremo Tribunal Federal.

É as intrusões ilegais efetuadas pela ABIN, não são  atos que ferem profundamente o Estado Democrático de Direito? E que o STF e os juristas, advogados do lulismo têm a dizer?  

Ivan Bezerra de Sant Anna



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