Por que o povo não acredita?
Não é à toa ou sem propósitos que a maioria da população brasileira não acredita no Poder Judiciário. Teme, mas não confia. Acho que não é por falta de esforços dos senhores juízes que se desdobram para ser juízes, professores, legisladores, supercientistas e filósofos, tudo isso em busca do sentimento de justiça. Quem sabe se não são essas imensas atribuições que solapam a credibilidade e legitimidade? Existem pessoas que afirmam - e não são poucas - que essas inúmeras atribuições dos senhores juízes são usurpadas dos outros Poderes da República, numa clara manifestação do viés autoritário do Poder Judiciário que confunde juiz com um rei filósofo. Para alguns cientistas sociais o Poder Judiciário é paternalista, populista e devido à ampla possibilidade dos juízes emitirem sentenças múltiplas sobre os mesmos fundamentos dos pedidos e sem respeitarem a reserva política do legislador, as possibilidades de corrupções são imensas, assim como, as relações de compadrio e o corporativismo.
Apesar de ter pouca simpatia por essa tese, creio não ser totalmente desprovida de razão. É assustadora a hipótese de que o Poder Judiciário é o órgão que mantém e reproduz a corrupção no Brasil!!! Segundo os defensores dessa terrível tese, o crime, principalmente os de colarinho branco, encontra terra fértil para germinar devido ao grande índice da relação custo/benefício. Quem já viu empresários, políticos poderosos, juízes, administradores públicos no xadrez, com uma condenação definitiva? Para proteger essa imensa, amorfa e difusa rede de corrupção todos os órgãos judiciais fazem as suas partes. O delegado de polícia não deve investigar, mas se o fizer, deve fazê-lo de forma descuidada e superficial. O sr. Promotor público ao receber o inquérito policial, deve tratá-lo com descuido, e se possível, requerer o arquivamento, de acordo com interpretações sobre princípios gerais e abstratos, pois o referido promotor é parte e ao mesmo tempo não é parte: é fiscal da lei! (Um distúrbio de identidade encravado na Constituição Cidadã esquizofrênica) E por fim, se houver denúncia do sr. promotor, o juiz deve deixar o tempo correr, (pois o tempo cura todas as feridas) para finalmente haver o arquivamento, ou, na pior das hipóteses, emitir uma sentença de absolvição por insuficiência de provas.
Será que isso acontece realmente? Acho que essa tese peca pelo exagero, no entanto, vemos constantemente administradores públicos com patrimônios imensos, alguns juízes morando em apartamentos de coberturas, secretários do Estado ostentando sinais exteriores de riqueza, comerciantes falidos que viram Prefeitos e ficam milionários, um porteiro de zoológico que em oito anos virou um dos maiores exportadores de carne, e esses são apenas poucos exemplos da grande constelação de fatos estranhos. Se o cidadão comum observa tudo isso, porque os integrantes dos órgãos judiciais e auxiliares não enxergam? Seria um dos dois tipos de cegueira na quais "a segunda de cegos que vêem uma coisa por outra; a terceira de cegos que vendo o demais, só a sua cegueira não vêem", nas sábias palavras do Pe. Antônio Vieira? .Uma coisa é certa: se os delegados, promotores e juízes estão acometidos pela síndrome da cegueira, a população enxerga muito bem; mais do que devia.
Há quem afirme que a cegueira é uma doença nacional que se alastra em proporções alarmantes. Como não contraí esse vírus ou bactéria, a minha visão mesmo amplificada por um óculos, enxerga muitas coisas. Vou citar apenas alguns exemplos das minhas excursões visuais, pois se citasse todas dariam para encher dez livros de mil páginas. Li com meus envelhecidos olhos que esse mês o sr. Salvatore Alberto Cacciola foi posto em liberdade condicional, apesar de ser condenado por 13 anos de prisão por gestão fraudulenta de uma instituição financeira, e de já ter fugido para o exterior quando teve um Habeas Corpus concedido pela justiça brasileira. Tantas tentativas para extraditar o sr. Cacciola e depois desse enorme trabalho, o malandro consegue ficar livre! É que nossos juízes entendem que a liberdade condicional deve ser dada automaticamente ao cumprir um terço da pena, principalmente se essas pessoas beneficiadas forem ricas e poderosas.
Algum tempo atrás, um juiz que tinha fama de matador, sentou-se no banco dos réus para responder a acusação de ter sido um dos mandantes do assassinato de um promotor de justiça. O juiz foi condenado ao cumprimento de vinte anos de prisão pelo Tribunal do Júri e recorreu da sentença em liberdade. Depois de mais de cinco anos o seu recurso foi julgado e a sentença foi anulada porque foi esquecida uma transcrição para os autos de uma das quesitações. Um simples caso de esquecimento por parte de um funcionário teve o poder de anular uma sentença dada por unanimidade pelo Conselho de Sentença! Até os dias atuais, o que se sabe é que o juiz acusado de pistolagem, sempre que pode vai ao Fórum visitar os colegas, sabedor que o seu novo julgamento jamais será remarcado.
Uma certa vez, um Procurador do Estado resolveu impetrar uma ação judicial contra uma decisão administrava que decidiu acatar um requerimento de um professor sobre acesso vertical, com base em uma lei estadual, reconhecidamente inconstitucional. Ora, o Supremo Tribunal Federal por reiteradas vezes declarou que a ascensão vertical é sumamente proibida, tanto pela Constituição anterior, como na atual. Como a norma questionada encontrava-se repetida na Constituição estadual, a competência deslocou-se para o Tribunal de Justiça. Pipocaram os protestos dos professores, muitos deles que tinham sido beneficiados pela lei inconstitucional, com passeatas, atos de repúdio ao Governador, aos Desembargadores, tudo com um só objetivo: manter em vigência a lei estadual. Na época houve uma fofoca que foi realizada uma reunião ampliada com a presença do Governador, de desembargadores, dos representantes sindicais e de deputados estaduais, todos empenhados na busca de uma solução conciliatória. Mas como conciliar, uma lei inconstitucional pode se tornar constitucional? Pasmem vocês, mas foi isso que decidiu o Tribunal de Justiça! Em uma sessão plena, com apenas um voto contra, o nosso Tribunal de Justiça declarou a constitucionalidade da lei estadual, mesmo contrária à ordem normativa da Constituição Federal. O Procurador responsável pela ação fez o que deveria fazer: impetrou recurso extraordinário para o STF, mas o Procurador Geral avocou o processo e desistiu do recurso constitucional. Será que houve acordão? Não se sabe ao certo, mas com essa artimanha uma lei conseguiu a proeza de ser inconstitucional e constitucional ao mesmo tempo. Um professor de Filosofia, beneficiado pela curiosa decisão, no entanto, sem perder a ironia, disse: "Em nosso Estado se conseguiu, através dos Desembargadores filósofos, uma verdadeira revolução no campo filosófico, resolvendo o intricado problema do Ser e Não-Ser. Sem exclusões ou sucessões, casou os dois."
A história mais recente se deu em um Foro Federal. Aliás, esses juízes federais sediados em Sergipe estão se especializando em emitirem sentenças em um novo tipo de Direito: o Direito que eles gostariam que fossem! Tempos atrás, um juiz federal atendendo a solicitação peticionária de um religioso, declarou com efeito mandamental que a administração realizasse a prova do peticionário em um dia que não fosse no sábado, pois a religião do referido peticionário proibia qualquer atividade nesse dia. Ora, o nosso juiz com uma canetada destruiu a instituição da cidadania (a igualdade entre todos) e criou um Estado religioso com os seus privilégios santificados.
. O problema é que os juízes observam demais o que não devia e de menos o que deveria. Os nossos juízes federais não observam, acometidos por cegueiras do segundo tipo de Vieira, que existem critérios de conveniência e oportunidade administrativa que devem ser respeitados, pois são atos de escolhas valorativas discricionárias, próprias de um Poder eleito. Apesar do cargo de magistrado ser de maior importância para a sociedade, um juiz é um funcionário público com funções relevantes e jamais um agente político, pois, para tanto, precisaria do voto popular. A população espera que o Judiciário cumpra o seu poder arbitral para equalizar os conflitos individuais e sociais, garantir que a Constituição e as leis sejam respeitadas, porém nunca que seja substituto do legislador ou administrador eleito.
Dessa mesma cegueira foi acometido o juiz federal que julgou o caso de uma juíza estadual que foi reprovada na segunda fase de provas para o mestrado oferecido pela UFS. Mesmo achando estranho que uma juíza que entrou recentemente no Judiciário fique se preocupando em fazer curso de mestrado que é importante para quem vai se dedicar ao ensino, no entanto, direito é direito, mesmo tendo a consciência que um juiz deveria se dedicar integralmente a magistratura. O fato, entretanto, é que apesar da sua notória vaidade, a senhora juíza foi reprovada segundo critérios estabelecidos pela administração acadêmica do curso e não caberia ao sr. juiz federal mudar os critérios por não achar o mais justo. São critérios de conveniência administrativa/educacional que jamais poderiam ser avaliados pelo Judiciário, a não ser que os mesmos colidam com a lei ou a Constituição, mas nunca com um princípio de justiça vago, impreciso e abstrato. Mas o sr. juiz no caso preferiu vestir a beca acadêmica e como um superprofessor, um cientista em educação, ele mudou os critérios. Uma troca de favores entre juízes ou estamos assistindo mais um capítulo da instauração de República Judicial? Uma coisa é certa: sua excelência federal viu demais!
Isso me lembra de uma frase que ouvi do Sr. Antônio do Mercado, quando perguntei se confiava no Judiciário. Ele com um ar gozador que lhe é peculiar, me disse: " Como posso confiar em pessoas que não seguem o que está escrito? Gosto do preto no branco. Se escrevemos um coisa, o juiz vê outra; se planejamos nossas vidas, nossos negócios segundo o que está escrito na lei, o juiz diz o princípio é mais importante. Sou um homem simples e sem grandes estudos, mas essa história de princípios se reduz a um só: o princípio da picaretagem". Depois dessas ou de outras tantas, como fica a legitimidade do Judiciário, a gloriosa Ciência e a tão aclamada Lógica do Direito? Quem sabe se encontrem em um campo de futebol, exemplificado por um caso acontecido em nosso Capital, relatado por um Desembargador aposentado, ex-professor de Direito e pessoa proeminente das letras jurídicas. Com sua maneira peculiar e talentosa de contar um caso, ele relata que uma certa vez se encontrava no principal campo de futebol da cidade para assistir um clássico entre os principais times do Estado, acompanhado por um amigo que tinha fama de ser uma pessoa irreverente e criativa, sem falar na sua paixão imensurável pelo seu time. Lá para as tantas, em meio a uma acirrada troca de porradas e chutes, o árbitro marcou uma penalidade máxima contra o time do irreverente torcedor. que protestou aos brados: "Juiz ladrão, filho da puta. Fuleiro!" O nosso relator, para aclamar o ânimo do amigo disse que mesmo não estando clara a penalidade, o árbitro deve ter interpretado segundo os princípios reitores do jogo. Inconformado, o torcedor, disse: "Que princípios? Princípio é como mulher-dama que deita com qualquer um. Esse sacana não é mais um juiz; é um desembargador!".
Ivan Bezerra de Sant Anna
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