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terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Amigo
Amigo
Amigo, quanto tempo! Um tempo congelado de verticalidade infinita que condensa todos os tempos verbais. Parece, amigo, que o tempo dos amigos é o pretérito imperfeito, pois nunca se perfaz completo e o esquecimento é um mais-que-perfeito temporário. Muito tempo, não é? Mas, olhando-lhe agora, parece que foi um ontem bem próximo, quando brincávamos, lutávamos, solidários e companheiros.
Ao lhe ver, descobri que, em verdade, nunca esquecemos as nossas grandes amizades, pois todas as coisas que um dia verdadeiramente amamos foram incrustradas indelevelmente em nosso Ser. Dessa maneira, amigo, como disse o grande poeta português, "nunca ninguém se perdeu. Tudo é verdade e caminho". Às vezes sofremos quando uma pessoa querida continua caminhando na misteriosa linha do tempo infinita por não percebermos que ela nunca se foi, mas já é um pedaço grandioso nosso. E tudo se move, revolve e permanece outro, não é? Não será esse o grande mistério que só tocamos através da imaginação sonhadora?
Ah, amigo, não me fite com olhos inferiores! Ao passar por mim, empurrando uma bicicleta humilde, percebi a timidez envergonhada das classes sociais ínfimas que sempre foram abandonadas pelas elites populistas e cruéis do nosso País.
Não, camarada. Não me lance esse olhar subalterno! Somos feitos do mesmo barro, da mesma dor e dos mesmos sonhos. Lembra-se da nossa infância? Você era filho de um pobre pedreiro, no entanto, era um igual. Se alguém destacava-se porque era o mais habilidoso jogador, o mais forte lutador ou o mais astucioso e inteligente. O dinheiro dos nossos pais, o status social, não criava barreiras entre nós. Para que o dinheiro, se fabricávamos nossos brinquedos como artesães orgulhosos da nossa imaginação sonhadora? E os sonhos em qualquer tempo, mesmo que eles tentem colonizar com o Capital, continuam soberanamente livres e de todos.
Não me olhe desse jeito! Somos iguais em destinação e de uma forma ou de outra, construímos a maravilhosa história humana. Você com seu trabalho, sua família e sua bicicleta escreve a verdadeira poesia existencial que eu com minhas palavras rebuscadas tento plagiar. Vou lhe confessar uma coisa. Naquele momento que me deparei com você, estava triste. Tinha assinado um pedido de desistência para a OAB, deixando para trás uma profissão que um dia sonhei ajudar pessoas que necessitavam. Mas com ficar pagando uma anuidade se hoje não possuo recursos suficientes? Sabe, amigo, os amigos atuais não são mais amigos como eram em nossa mocidade. São apenas conhecidos, cada um trancado em suas individualidades, sorridentes e amáveis quando estamos presentes, traiçoeiros e desonestos em nossa ausência. São os companheiros dos bares e dos cafés; são os amigos festivos. Na minha ausência dizem que meus problemas existem, porque vivo criando problemas. Não seria melhor dizer que a minha honestidade e consciência me atrapalham? Nada disso importa! No meu canto, longe da inveja dos infelizes, não estou sozinho. Tenho a humanidade e todos os momentos eternos de amizades presente em meu coração.
Amigo, estou bem. Posso dormir em paz com minha consciência e sonhos. E quando um dia o sono que sonha não quiser parar, seguirei na linha do tempo infinita sem olhar para trás, com o sentimento que participei com dignidade dessa aventura maravilhosa que é o milagre da vida. Se levo alguma coisa, possivelmente serão os momentos de solidariedade e amor das pessoas que sempre acreditaram em mim, com destaque especial para minha mãe Ivanda e minha princesa Lara, filha da grande mulher e amiga, Eugênia Freire.
Amigo, quando lhe abracei, afaguei o mundo. Assisti imóvel você lentamente se dissolver na multidão, empurrando com dignidade a sua bicicleta do pneu furado. Sabe, não sou um crente, porém, naquele instante, lembrei-me do humilde menino da manjedoura que um dia iria distribuir Paēs e peixes como exemplo vivo de solidariedade igualitária e cúmplice.
Até qualquer dia, amigo. Você sempre esteve lá, bem guardado, no lado esquerdo do peito.
Ivan Bezerra de Sant Anna.
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