Que fazer?
Essa é uma indagação clássica, desde da época dos nossos ancestrais macacos, até as nossas presentes macacadas. Como devem rir, os nossos aparentados chipanzés! Para eles - penso eu -, as coisas seriam mais simples, não fossem as destrutivas interferências dos seus renegados e
presunçosos parentes, os homos sapiens.
Me encantou essa frase, desde que tive o contato epidérmico com uma coleção de folhas de papel, intitulado “O que fazer?”, do genial Nikolai Tchernychiévski, obra de cabeceira de Vladimir Ilyich Ulianov, que, ao sofrer a flechada do cupido, em certos momentos cruciais da política russa, não teve dúvidas ao surrupiar essa frase apaixonante.
Em meio à crise coronária 19, o estômago entra em processo revolucionário e o meu coração se acelera! Não é um acelerado de ritmos alternados e fatais dos que tomam cloroquina e nem o frenesi agônico das minhas lombrigas, como aquelas que agonizam quando são atacadas por Ivermectina. Em verdade, esse mal-estar reflete uma pressão do psiquismo, um somatismo dos graves problemas existenciais e políticos.
Não é para menos. Essa crise virótica reduz tudo, não ao zero, mas ao “menos que nada”, como diria Hegel. É que para esse engenhoso dialético, “o menos que nada” é o tudo em conflito de significações, uma entupida inflação de significados que se digladiam destrutivamente, reduzindo o Ser ao “ser e não ser”. Essa absurda esquizofrenia ontológica não nos leva ao nada - ainda que fosse, pois quantas vezes dissemos: quero desaparecer! -, mas somos remetidos à noite do mundo, local dos zumbis, dos mortos-vivos.
E nesse mundo dos filmes de cortes oníricos, no mundo do salve-se quem puder, “farinha pouco, meu pirão primeiro”, vige o “cada um por si e Deus por todos”. Pobre Deus! Quanta responsabilidade! Por reza, o mundo estaria salvo, exclama o descrente. O piedoso empresário do transporte urbano reza por todos e pede que os fiéis se juntem, tais como sardinhas em latas, nos ônibus-templos de solidariedade entre a rentabilidade do lucro e a imunidade de rebanho. Um prefeito com olhos vermelhos, choramingando, em lágrimas de choro-cebola, licita a emoção, contrata hospital show de campanha, boas-vindas ao milhão.
As cebolas irritam os olhos. Águas de cebolas. Os crocodilos choram. Lágrimas de crocodilos que fluem quando abrem às suas imensas bocas. Os banqueiros recebem um trilhão e choram. Lágrimas do capital que cresce e se reproduz sem nada produzir. Um colega lhes prometeu um grande banco estatal. Um bom consolo. Nada mal.
O empresário carrapato chora por novas terceirizações. Os empresários rurais sonham por queimadas amazônicas e pelos novíssimos pastos com gados ecológicos. Por mais dinheiro do prouni, sonham as faculdades privadas, empresas de demandas garantidas pelo erário público. Uma nova modalidade do capitalismo, imunes contra as crise econômicas e isentas de responsabilidades competitivas. As clínicas médicas privadas, através de convênios estatais, querem as suas fatias. E o corona, o que fazer? Ora, dizem os proprietários, “o Estado que nos paguem pelos nossos serviços”.
Afinal, que fazer? Quem é quem, nesse país do “vale de lágrimas? Todos e ninguém ao mesmo tempo? Um Congresso sem partidos, repartido em bancadas “disso e daquilo”, todos chorosos, almas piedosas, representantes deles mesmos, democratas e liberais de carteirinha, que ao primeiro clamor das críticas ácidas, se refugiam no biombo de legislações censoras? Talvez nessa emocionalidade do chororô, eles confundam Democracia com a imunidade para as suas inconfessáveis imoralidades, a não ser que eles acreditem que o mensalão que financiava as suas campanhas seja uma nova modalidade democrática, a famosa e usual livre compra da vontade popular.
Se os chorosos rezadores congressuais estivessem tão preocupados com o Estado Democrático de Direito, eles, por certo, jamais teriam assistidos de camarote, o aparelhamento dos tribunais superiores, a exemplo do STF, por governantes que rimam democracia com hipocrisia e malandragem. Nunca teriam permitido que juízes passassem por cima das leis e da Constituição, “deitando e rolando” (palavras de um ex-ministro), através de extensões de competência e materialidade, com o uso de princípios abstratos, vagos e indeterminados, na ausência desses, os princípios “disso e daquilo”, inventados para a comodidade de amigos, partidos políticos e outros interesses inconfessáveis.
Estamos vivendo um Brasil caótico, onde tudo “é menos que nada”. Promotores de justiça são pesquisadores médicos e os juízados são agências normativas de saúde pública. Nos países desenvolvidos não se ouve falar em juízes que se intrometem nos exames de conveniência tecnica das agências estatais. Mas como em nossa terrinha, alguns se julgam “mais de que tudo”, os nossos juízes são cientistas, artistas, legisladores e administradores. O interesse e a vaidade são tão relevantes para esse nobres deuses, que juízes do trabalho estão se julgando competentes para dirimir conflitos entre empresas e o Estado, quando todos nós somos sabedores que esses juízos existem para resolver conflitos entre o capital e o trabalho!
Um desembargador desmascarado, com arrogância de um francês falsificado, recorre ao “você sabe com quem está falado?”, uma frase que é a pérola do autoritarismo anti-republicano, para humilhar um servidor público. Portanto,um conselho, queridos colegas: vamos rasgar os nossos livros de doutrina, pois no mundo Brasil “menos que nada”, tudo é verdade, tudo é mentira.
Assim convido-os ao bom relaxamento do humor, a analisar os dois pronunciamentos separados pela linha do tempo do Sr. Ministro Moraes - o já conhecido carinhosamente como “cabeça de ovo” -, sendo que o primeiro, ainda postulante por uma vaga no STF, ele dizia que se Corte se decidir pelo não reconhecimento da prisão após o julgamento de 2º grau, ela deveria ser fechada pelo povo. No segundo, ele já ministro, em resposta aos pedidos de fechamento do STF por parte de grupos protestantes, o nosso ministro “cara pálida e cabeça pelada” não só ameaça os manifestantes, como ordena as prisões de alguns deles. Tudo isso em defesa da democracia. Um tipo de democracia maleável, reciclável, de valor casual e temporário. Uma dama de costumes fáceis roda a bolsa na rua do desejo.
O pavor esbugalha os olhos, tira o discernimento científico e dá um chute no bom senso. O pensar que nos tornou um ser “em-si” e “para-si” é substituído pela paranóia delirante que alicerça uma reativa psicose generalizada, regida por alguns psicóticos patológicos. E O rato apavorado sempre cai na boca do rato. No desespero, tudo vale: benzina, cloroquina, turmalina, criolina, Ivetizina, gasolina, roubalina. Tudo é melhor que nada. Tudo é o menos que nada.
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terça-feira, 21 de julho de 2020
Que fazer?
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