Casamento ou divórcio?
Os nossos ministros do Supremo Tribunal Federal estão virando estrelas que se rivalizam com outros astros do mundo futebolístico. A mídia está aí para ajudar e já existe o programa televisivo que transmite o "show Judice" ao vivo e a cores para todo território nacional. Poderia ser novelas ou seriados, mas os rostos nada joviais dos nossos ministros não ajudam muito, apesar do bom desempenho dramático de alguns deles. Um jogo de futebol é o show que mais se assemelha com o que é diariamente apresentado por nossos ministros, precisando acrescentar alguns importantes detalhes, como por exemplo, um narrador do tipo Galvão Bueno para distribuir graciosos apelidos às estrelas, distinguindo-as por seus talentos individuais. Resta saber quem vai ser "o fenômeno", "o imperador", "o fabuloso", etc.
Como o Brasil só é Brasil calçando as chuteiras e como a seleção anda mal das pernas, os nossos ministros para preservar a República brasileira resolveram assumir a importante operação de salvamento nacional intitulada "A Pátria de chuteiras". Há quem afirme que estou errado, pois os nossos ministros mais se assemelham aos os políticos que aos jogadores de futebol. Mesmo possivelmente em minoria, continuo achando maior semelhança dos ministros com jogadores de futebol pela simples razão que os políticos são representantes eleitos dos cidadãos, usando a mídia para prestar contas aos eleitores. E os nossos ministros com que finalidade usam a mídia televisiva? Para prestar contas é impossível, pois os cidadãos não podem retirá-los dos cargos. Em busca de legitimidade? Bom, nesse caso torna-se necessário repensar a questão, pois o Judiciário ostentou o ultimo lugar na última pesquisa divulgada pelos órgãos de pesquisas de opinião pública.
Por falar em pesquisa de opinião, o Ibope acaba de publicar uma, muito interessante. Segundo essa empresa de pesquisa de opinião pública, a maioria dos brasileiros e brasileiras desaprovam a união de casais do mesmo sexo, aprovada pelo STF. Que fazer se os doutos ministros são vitalícios e não são eleitos? Parece que os mirabolantes dribles, as jogadas de efeitos interpretativos não foram bem recebidas pela população brasileira. Não será um bom momento para os nossos Gansos, Patos da arte Jurídica descalçarem suas chuteiras para assumirem uma postura humilde e sacerdotal, como fazem os juízes dos tribunais constitucionais do continente europeu, defendendo a Constituição em vez de patrocinarem um de festival deformação e mutilação constitucional?
Eles se defendem declarando que apenas utilizam os princípios constitucionais que albergam direitos das minorias esquecidas. Os senhores ministros confundem alho com bugalho! O espaço representativos das minorias ou qualquer segmento social é o Parlamento eleito e não um órgão técnico composto por membros vitalícios. O cidadão não precisa de um órgão composto de "sábios juízes platônicos" para conquistar e assegurar seus direitos. Essa conquista se dá com organização, tenacidade e muita luta, tanto no seio da sociedade civil, através de entidades civis, como na sociedade política, implementada pelos representantes eleitos. Em uma Democracia os direitos são conquistados e não ofertados por uma elite burocrática, que, exercitando o livre arbítrio, também pode negá-los. Em uma cesta de palavras genéricas ou de búzios, tudo pode ser visto. Os cartomantes possuem as cartas ou búzios; os senhores ministros, os princípios programáticos.
Devo deixar bem claro que não sou contra o casamento entre as pessoas do mesmo sexo. Acho que a sexualidade, a união entre as pessoas é uma questão de escolha e na medida do possível deve ser garantida a fruição desse direito pelo ordenamento jurídico, sem, é claro, lesar e violar a Constituição Federal.
Nesse triste episódio, uma insofismável constatação: os nossos sapientes ministros do STF foram longe demais! Eles derrogaram (ou ampliaram) o Art. 226 da Constituição Federal através de uma mirabolante interpretação de princípios constitucionais abstratos, vagos e imprecisos. Princípios derrogarem uma norma constitucional clara e determinada? Acho que nem o Otto Bachof, em seus escritos revolucionários, aconselha. No entanto, os nossos craques do Direito acham que podem. Pasmem! Veja o que eles fizeram! O Art. 226, § 3, originalmente diz:
"Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
Vejam a criação legislativa dos senhores ministros:
"Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher; homem com homem; mulher com mulher; como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
Agora, pergunto: isso é interpretar ou legislar? Se derrogar ou censurar uma lei tendo como base princípios vagos, é um atentado ao principio da legalidade, à separação dos poderes, o que dizer da subrogação dos senhores ministros em deputados constituintes? A palavra usurpação não traduz bem esse ato indigno contra o Estado Democrático de Direito. Talvez seja o caso de usar uma frase carnavalesca, risível e subversiva: os ministros calçaram as chuteiras!
Mesmo se não existisse o claro e cristalino artigo 226, a questão deveria ser resolvida pelos representantes eleitos, pois a eles foi dada a missão constituicional de criar direitos através de uma ampla prognose, embasados no principio democrático da maioria. Aliás, toda vez que esse grande princípio reitor da democracia foi subvertido, a invenção, a farsa transformaram-se em tragédia. Nunca é demais lembrar da "democracia" corporativista fascista.
É lamentável que colegas juristas tenham aplaudido essa usurpação dos poderes eleitos efetuado pelos ministros do STF. A questão não reside na justiça ou não da decisão colegiada, mas se eles tinham poderes constitucionais para fazê-lo. Sem essa reflexão crítica, possivelmente, de passo em passo, esses senhores de toga estarão administrando a Nação e, como advertiu Rui Barbosa, "a pior ditadura é a do judiciário". Se é que chegarão a tanto! É bem possível, como já se registrou na história, que no meio do caminho as elites dominantes, antevendo ou verificando uma crise de governabilidade, resolvam substituir esse colegiado delirante e vaidoso por algo mais determinado e eficiente. Assim, podemos repetir uma frase bem conhecida na Alemanha nazista: "Da ineficiência dos políticos corruptos e da confusa concepção de legalidade dos juízes, germinou a espada do Führer"
Por enquanto, no país do carnaval e do futebol, os nossos ministros "batem as suas bolinhas", ensaiando umas "embaixadas", umas jogadas de efeito, sob as luzes intensas dos holofotes e por câmaras de vídeo angulares. Lá fora o povo, sem entender "bulufas de nada", sente-se divorciado daqueles honorários "santos casamenteiros", que "volta e meia", pisam na bola.
Ivan Bezerra de Sant' Anna - Advogado minoritário.
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