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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Maçã

A Maçã




Elas são vermelhas, algumas verdes, mas nunca, pretas. Elas jamais vestem o preto da dor, o luto de cor ausente, a negritude da noite alta. Jamais deixariam de ser a cor da vida, mesmo morrendo ilustres protegidos como John Lenon, George Harrison e, presentemente, Steve Jobs. Eram maçãs diferentes; uma verde, com gosto e cheiro de música; outra de vermelha cor, mordida timidamente em um dos lados, evocando o prazer da primeira mordida. Virgens ou levemente tocadas; vermelhas ou verdes; nomes soados por línguas diferentes, pouco importam: elas representam o desafio permanente do ser humano em busca da beleza, dos diálogos das cores, das notas harmonizadas, das transgressões criativas, dos concertos das palavras.

De certa forma, a maçã levemente mordida e Steve Jobs se confundiam, não se sabendo precisamente onde começava um ou terminava a outra. Uma marca, um talento que , queiram ou não os seus detratores, pontuaram pela singularidade e inovação, e não foram poucos que tentaram imita-los. Podia-se dizer, com alguma razão, que Jobs e a maçã eram cultuadores do "sonho americano", do individualismo possessivo, da monopolização tecnológica. Mas havia limites! Àqueles que os críticos denominavam de "falhas", ausências, e tendência à monopolização, também poderiam ser interpretados como limitações autoimpostas em busca da originalidade criativa, assim como um poeta enfrentando as regras limitadoras, procura a palavra certa, o ritmo adequado e a musicalidade conformadora. Steve Jobs tocava um piano limitado por oitenta e oito notas, no entanto, sua música ressoava em notas infinitas, para o desgosto dos inovadores apressados e com talentos duvidosos. Apesar do seu intenso ritmo criativo, em certos momentos era pacientemente devagar quando burilava a imagem virtual dos vários macs, como um artesão iraniano pintando uma bela iluminária com um pincel de pelo de gato persa, em um pergaminho de couro de ovelha. Talvez por isso os neerds, os fabricadores de vírus, não lhe incomodassem tanto, apesar de seus sonhos grandiloqüentes e outros tantos pecados.

Em vida, poderia se defender das inúmeras acusações dos seus detratores, usando a bela frase poética de Hopkins: "O que eu faço sou eu; foi por isso que vim". No entanto, sua resposta era a imagem qualitativa oriunda das suas criações tecnológicas, como se instintivamente acreditasse que o conceito, mesmo socorrido pelas metáforas, precisa da imagem para se fazer entender. Se por isso ele veio, por razão nenhuma se foi, mansamente, em paz. A doença, as dores, foram as pedras no caminho; e pedras são apenas pedras...

Fico imaginando Steve Jobs ante o limite maior, encarando a enigmática finitude. Me compraz imaginar que ele nesse momento via o mar, as ondas nascendo, crescendo e formando arrebentação espumosa. Ondas que colidem derrubando esculturas na areia dos falsos iconoclastas, mas que constroem belas esculturas nas rochas, fendas por onde assobia o vento, produzindo um som de uma flauta magica que, entre um som e outro, quer apenas dizer: "Calma, homem. Elas vão e voltam. Afinal, tudo é oceano".

Não sou um homem religioso, portanto, não lhe vejo adentrando o Portal do Paraíso eterno, mesmo porque esse lugar de tranqüilidade e rezas não se adequaria ao seu gênio irrequieto e criativo. Prefiro imagina-lo caminhando como um devoto da criação, um peregrino da imagem, um cultuador da beleza. E quem sabe se um sorriso de uma criança que brinca com um iPad não seja mais divino, umas das metáforas de Deus, do que mil rezas hipócritas e temerosas?

Essa é a minha prece, a minha homenagem a você.

Ivan Bezerra de Sant Anna




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