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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Aladim




Aladim




Agora que você se foi, acho que posso alinhar algumas palavras que antes saltitavam devido às emoções que galopavam como cavalos selvagens em uma pradaria. Sei que você não me ouve e quando estava vivo, me escutava ao seu modo, saboreando a melodia, o rítmo e as entonações das palavras, .demonstrando o seu contentamento se lambendo, da mesma maneira que fazia quando lhe mostrava um osso. Acho que foi por isso que duas horas antes de você ir embora, preferi lhe presentear com uma música tocada ao violão, instrumento musical que adorava ouvir e quase sempre, deitava e fechava os olhos. Mas desta vez, você não fechou os olhos, mantendo-os abertos e fixados em mim. o que me provocou uma tristeza infinita.

Sabe por que fiquei triste naquele momento, Aladim? Porque sabia onde ia lhe levar e você nem desconfiava para onde estava indo, nem mesmo quando lhe coloquei naquela mesa que iria se tornar o seu último leito, você pressentiu. Mas era necessário, amigo. Essa doença implacável não tem cura e, infelizmente, está se alastrando como uma praga nos últimos oitos anos governados por políticos demagogos e populistas. Você se lembra daquele dia que estávamos passeando quando apareceu um bando de pessoas com camisas de um vermelho desbotado e que você começou a latir? Foram eles os seus algozes, os que não lhes permitiram ter uma velhice tranquila e exalar o seu último suspiro com o sentimento do dever cumprido. Mas a dor de ter lhe levado para os braços da morte vai estar comigo para sempre.

Acho que apesar de tudo, você teve uma boa vida. Lembra-se como você gostava de correr atrás das lagartixas, ou saltar verticalmente para pegar os cajus que ficavam nos galhos mais baixos? Tenho que me desculpar com você por uma coisa: nunca o levei para navegar no mar, apesar de recentemente fazer planos de levá-lo em um passeio de barco quando você melhorasse, mas, como você piorava a cada dia que passava, percebi que o mar que iria navegar era outro. Enfim, amigo, tudo é oceano.

As pessoas dizem que os cachorros são os melhores amigos do homem, porque são fiéis, dedicados e obedientes. Nunca concordei com isso. pois acho que o melhor amigo do homem deveria ser o próprio homem. Você sempre foi um cachorro diferente, cheio de vontades, desobediente quase sempre, rosnava quando estava insatisfeito e não foram poucas as vezes que me mostrou os dentes agressivos. No entanto, adorava me seguir para onde fosse e quase sempre presenteava-me com aquele olhar demorado e comprido de incontáveis quilômetros de ternura. Acho que foi por essas características que gostava tanto de você. Pensando melhor, amigo, acho que nem o melhor espelho do mundo refletiria melhor a minha imagem!

Estou muito triste, amigão, principalmente, quando vejo sua casa improvisada embaixo do microondas cheia de ossos que roía e guardava. Vou lhe confessar uma coisa: coloquei o seu nome Aladim pensando no gênio da garrafa, no entanto, nunca tive oportunidade de lhe fazer os três pedidos. Para que, não é? Você não iria me escutar e mesmo que isso acontecesse por obra mágica, da maneira que era voluntarioso, nunca teria a certeza que iria ser atendido. No entanto, Aladim, você me deu um dos maiores presentes do mundo, apesar de nunca ter tido plena consciência desse feito. Você me ensinou na prática a importância do Amor Findo, aquele que falava nos seus Sermões, o Pe. Antônio Vieira. Eu sei que não gostava muito dos religiosos e quase sempre rosnava quando pressentia a presença de alguns deles por perto. Se não me falta à memória, lembro-me daquele dia que estávamos passeando na praça da Catedral quando você ficou assustado com as gritarias histéricas oriundas de um palanque improvisado, o que lhe fez latir incessantemente. No entanto, recordo-me de uma senhora idosa que me cumprimentou com a frase "Jesus esteja convosco" e você se lambeu e balançou o rabo de contentamento.. Tive impressão naquele momento que o nome Jesus lhe soava bem, apesar de não suportar as gritarias daqueles que usam o nome dele em vão..

Sabe, Patuka, (gostava de lhe chamar assim, lembra-se?) você me permitiu com sua fragilidade doentia ter uma experiência plena de um Amor que não necessita de reconhecimentos ou de retornos. Porque dando se conquista e não recebe o amor, pois se o contrário fosse, seria apenas um negócio, não é verdade? Vou confessar-lhe uma coisa: todo o trabalho que me deu, como dar seus remédios na hora certa, ter que voltar para casa para não deixa-lo sozinho, não poder viajar, limpar as suas imensas e copiosas mijadas por todo o apartamento, no começo eram fardos muito pesados e sonhava com o dia que pudesse me afastar deles. Ao longo do tempo, descobri que me doar dava-me imenso prazer e nesse momento sinto uma grande falta desses encargos. O que não daria para estar limpando as suas cagadas e mijadas gloriosas...

Acho que isso é o Amor Findo, Patuskão. Tenho que ter eterna gratidão por ter me proporcionado essa experiência que vai me permitir vivenciar um amor diferente e muito mais abrangente em relação às pessoas e ao meu grande amor, minha filha princesinha. Sabe, houve épocas que deveria ter dado a minha filha muito mais que lhe proporcionei, mas o medo das águas oceânicas fez com que uma pequena ilha se parecesse com um continente. Por fim, quero desejar-lhe uma coisa: apesar de não acreditar nessas coisas de retorno ou reencarnações, mas se por ínfima possibilidade acontecer, desejo-lhe que volte como um lobo, não precisa ser o alfa, mas um simples lobo cercado por laços de solidariedade dos seus irmãos lobos e lobas. E se por um desses infindáveis mistérios da existência se deparar comigo, apenas me olhe nos olhos como sempre fez, levante a cabeça para o firmamento azul, me saúde com um uivo dos que são livres e se vá.

Que os deuses dos lobos lhe proteja!

Ivan Bezerra de Sant Anna


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