Eu te perdôo, Senhor
Essa semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher. "O dia internacional da mulher é todo dia", dizem, algumas pessoas. "Isso é descriminação! Não existe o dia internacional do homem", afirmam, outras. Polêmicas à parte, queiram ou não queiram seus detratores, o dia existe. Uns dos processos mais eficientes das religiões, mais de perto a Judaica, são os rituais de intervalos repetidos para rememorar acontecimentos que devem ser fixados como, por exemplo, o Natal, a Paixão de Cristo, o Bar Mitzvah, Yon Kippur (o dia do perdão), dentre outros. É que os históricos formuladores dessas religiões sempre levaram em conta as fraquezas humanas e a fragilidade da memória em confronto com a linha do tempo. Então, porque não reavivar a memória em determinados momentos, introduzindo permanentemente os atos de reflexão e o pensar? Melhor seria se fossem reservados uns poucos minutos diários para essa reflexão. Não seria uma boa oração?
Se os religiosos podem criar orações, não vejo obstáculos para que não possa criar a minha. No entanto, devo deixar claro que as mulheres referidas na oração são abstrações, sem qualquer associação com pessoas concretas, inclusive comigo, pois me considero uma pessoa afastada dos ranços machistas, por ter tido a graça das presenças luminosas de mulheres maravilhosas, dentre as quais destaco, minha mãe e minha adorada filha. Vamos orar?
"Meu amantíssimo Deus, ouso dizer nesse dia que não desejo o perdão das mulheres por meus atos de violência e desamor. Quero perdoá-lo! Sei que seria mais honesto da minha parte pedir-lhe perdão por meus atos deploráveis, no entanto, meu Pai, sempre fiz isso, mas nunca mudei. Entra ano e sai ano e continuo solitário, pecador e estou muito cansado.
Se não tens sexo ou possui todos os sexos do firmamento, quero perdoá-lo por aquela história do barro, da costela de Adão e da Cobra. Se o meu Pensar foi dádiva sua, então é divino perceber que tanto os homens e as mulheres se originam do mesmo barro, possuem costelas, e a cobra, longe de ser maldosa, na verdade era um prazer a mais no multicolorido visual do Paraíso. Quero ainda perdoá-lo, Senhor, por não ter dado o mesmo tratamento carinhoso à sua filha Maria, que dispensou ao seu predileto filho, Jesus, pois na hora do calvário foi Maria, e as outras duas Marias que velaram corajosamente o seu pupilo, enquanto os homens apóstolos estavam escondidos.
Meu Deus amado, vou lhe perdoar por minha amada mãe não ter conquistado um espaço social como cidadã e seus direitos fundamentais como pessoa, e mesmo que os obstáculos fossem, naquele momento histórico, intransponíveis, pelo menos me contasse historias de ninar onde as mulheres tivessem relevo. Como poderia ser um homem diferente se não tinha um modelo de mulher diferente em casa? Senhor, hoje percebo que a causa da minha fragilidade e necessidades atuais foi, na época da minha meninice, não ter existido como guia, as fortes mãos maternas. No entanto, as mãos carinhosas de mamãe não sabiam a força que tinham e me davam as algemas para serem usadas em outras mulheres.
Meu amado Senhor, vou lhe perdoar por minha mulher ter sido minha posse e ter abdicado de sua inata liberdade, do seu viço sensual atávico, da sua sexualidade exuberante e desejosa, de ter tentado substituir minha mãe. Ela bem poderia ter me ensinado, mesmo com toda a minha resistência de macho territorial, que as "outras" são mais gostosas porque são livres e que o sexo-prazer não é exclusividade masculina. Poderia ter mostrado-me que a idade não lhe tirou a graça e a sua sexualidade, mas lhe deu outros contornos maduros, em decorrência do seu constante cuidado com o templo da sua alma. Enfim, Senhor, como sempre fui pequeno, imaturo e limitado quanto à grandeza da vida, ela poderia ter me ensinado com todo cuidado pedagógico que o amor não é posse e nem ciúmes, mas carinho, companheirismo e cumplicidade.
Meu Senhor do Universo, lhe perdôo por minha filha por não ter aprendido que seu homem não é seu filho mimado e protegido, mas uma pessoa que por destinação precisa crescer e só conseguirá esse intento, com o seu prestimoso auxilio, pois será ela que lhe mostrará a sua comum humanidade. Perdôo-o, ainda, Senhor, por ela acreditar no amor romântico, fechado em conchas, dois-em-um, obcecado, onde um é a tábua de salvação do outro, que, em um momento, um Romeu apaixonado; em outro, Otelo assassino.
Meu Deus que maravilha o mundo, perdôo-lhe por todas mulheres do mundo que se deixam matar por imbecis machistas que confundem o amor com um ciúme possessivo e doentio, pois quando estão encantadas só vêem o belo sorriso do macho e não os seus dentes. Perdôo-lhe, ainda, pelas suas submissões às chantagens sexuais, aos salários inferiores, às repressões de suas fantasias e às diversas discriminações.
Entendo, porém, que devo pedir desculpas, Senhor, e o faço, nesse momento, com imensa alegria. Peço perdão a uma mulher excepcional, Senhor. A mulher que mora no seu reino, em companhia de tantas outras entidades. A mulher que até esse momento forcei o seu silencio, impedindo-a de se manifestar na tribuna democrática do meu Ser. Ela poderia ter me revelado que o lugar central do meu ego é um local que deve ser ocupado por todas as personas e mesmo que algumas delas não tenham o poder de influenciar as minhas atitudes, entretanto, devem ter o direto de serem ouvidas. Poderia me dizer, ainda, que todo macho caçador na sua ânsia de colecionar troféus, o que verdadeiramente almeja é matar simbolicamente a sua mulher interior, e por sua atitude tirânica em relação a ela, tem medo que ela assuma permanentemente o lugar central do seu ego. E com a ausência da mulher interior é impossível amar verdadeiramente as mulheres A repressão gera forças antagônicas irresistíveis, tirânicas, que podem usurpar o espaço dialogal do Ego e subverterem a sexualidade.
Em verdade, Deus meu, ao lhe perdoar, tento gritar para elas que lutem, desbravem a escura floresta da repressão, assumam o comando da libertação existencial, pois os homens jamais irão ajudá-las nessa tarefa porque são "mijadores de cantos". No entanto, ao pedir perdão à sua filha, peço a todas as mulheres do mundo, suplicando que lutem contra a nossa repressão, dando-nos humanidade e liberdade para amar verdadeiramente.
Por fim, meu amado Confessor, se as minhas palavras não lhe agradaram, paciência! Ouso-lhe dizer que não irei lhe pedir perdão, pois sou ou não, feito à sua imagem e semelhança? Enfim, a bem da verdade, você também existe, porque elas existem."
Ivan Bezerra de Sant Anna
Publicado no site http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/
- Posted using BlogPress from my iPad
Nenhum comentário:
Postar um comentário