Prezado Luís:
Não lamento o seu afastamento do mundo dos vivos, pois vivos todos estamos. No entanto, foi prematuro ter se afastado dessa vida entremeada de alegrias, dores, anseios e acasos, por uma mera presunção que tudo podemos, inclusive, cuidar da nossa saúde. Compreendo-o, prezado amigo, pois nunca tive grande admiração por esses senhores que se arrogam vestirem o manto de Deus. Entretanto, com a maturidade alcançada pelos passos dados ao longo do tempo infinito, vejo-os com olhos benevolentes, pois se na atualidade as pessoas alcançam maior longevidade, isso acontece não por obra das crenças, beberagens, chás, dietas vegetarianas, mas pela evolução da ciência médica, aplicada por profissionais sérios.
Fernando Pessoa, em um dos belos poemas, disse que "morrer é só não ser visto", frase poética que concordo plenamente. As pessoas não me enxergam, mas vejo-as com nitidez cristalina. Por esse motivo, fui gratificado pela sua devoção à minha obra intelectual composta de ensaios, poesias e contos que estava prometida ao esquecimento, não fosse a sua determinação e amor por ela. Como hoje a vaidade não é mais um dos meus atributos, percebo claramente que seus esforços e talento estavam além do real valor da minha produção intelectual. Confesso-lhe que escrevia com mais estilo e talento do que eu, dando às frases e parágrafos os tons sublimes da poesia na sua evocação rítmica e melódica e quase sempre tinha um gozo supremo ao percorrer meus olhos sobre elas.
Caro Luís, com a sua submissão devocional à minha obra, você esqueceu da sua produção intelectual que ficou relegada aos escritos jornalísticos e ensaios culturais que, a bem da verdade, ficou devedora do seu real talento. O que realmente produzi? Ensaios filosóficos que tiveram o mérito de introduzir e divulgar a filosofia alemã, mas que estavam ausentes de inovações criativas, tal como fizeram Kant, Hegel e outros. Se minhas poesias eram bem metrificadas e melódicas, faltaram-lhes, entretanto, a pujança emocional e a reflexão sobre as mudanças do mundo. Hoje vejo por que motivo perdi Eugênia Câmara para Castro Alves, poeta baiano que emocionava e impulsionava as pessoas com suas belas frases poéticas. Na minha qualidade de mulato, deveria ter sido o poeta da abolição e não Castro Alves, mas em vez disso, estava publicando um jornal escrito na língua germânica, buscando reconhecimento e aplausos da platéia ariana.
Aplausos você teve muitos, amigo, e talvez esse fato tenha colocado freios à sua produção intelectual. O verdadeiro artista busca em si os aplausos para cada momento artístico construído e não os aplausos externos das pessoas que, na maioria das vezes, são falsos, bajuladores e manipuladores. Esses aplausos lhe levaram ao convívio com pessoas medíocres e a aceitação de um patronato de uma certa família poderosa que se dizia herdeira do mecenato. O seu estratégico e relativo silencio que se manteve durante a ditadura militar que assolou a Nação foi devidamente pago com a moeda faceada com a traição, ofertada pelo Príncipe herdeiro de uma certa dinastia. Humilhado, decaído e desempregado, felizmente, teve uma mão estendida por um pobre e esforçado professor de matemática que se tornou Reitor.
Acho que o meu maior pecado foi não ter sido rebelde o suficiente para honrar a minha inteligência e o devir humano. Faltou-me audácia para encarar os desafios libertadores e humildade para sentir com mais suavidade as dores atrozes de uma queda. Infelizmente, meu prezado amigo, esse foi o nosso maior pecado. A nossa imensa vaidade tornava-nos reféns de pessoas medíocres, bajuladoras, morcegos sugadores de sangue e das elites manipuladoras. Do lugar onde estou, entre uma caminhada e outra, às vezes paro e olho para trás. Recentemente, alguns meses antes do seu passamento, observei que estava empenhado na criação da Sociedade Sergipana de Filosofia, fato esse que me causou grande espanto. "Apesar de escrever divinamente bem, os conhecimentos filosóficos de Luís são muito diminutos", pensei. Verdade, amigo, somente uma grande dose de vaidade pode explicar esse despropositado intento.
Prezado Luís, quem sabe em um dia qualquer, nos caminhos cruzados do tempo infinito, não possa encontra-lo? Será um grande prazer me deliciar com a sua imensa inteligência e alongarmos uma conversa prazeirosa sobre os atributos dos seres humanos. Talvez ajudado por sua mente luminar, entenda finalmente porque Cristo disse que os humildes herdarão a Terra. Vamos corrigir, não é, meu amigo: os inteligentemente humildes.
Tobias Barreto de Menezes
(Texto psicografado por Ivan Bezerra de Sant Anna)
Publicado no site http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/
- Posted using BlogPress from my iPad
Nenhum comentário:
Postar um comentário