Meu Pai João
Não acho mais estranho que em alguns momentos me sinta como uma criança cheia de perplexidade, mergulhado em um mundo imaginário, onde a fantasia e os pedaços de mundo que chamamos de realidade bailam, dançam e celebram a vida dançada, sem palavras definidas, entendidas, explicadas.
Em um desses momentos criança ouvia os ecos sonoros muito conhecidos na minha infância. Eles falavam de um novo mundo igual para todos, da fraternidade, companheirismo e que os pães e peixes eram a celebração da comum humanidade em um mundo tonalizado pelo pelos raios avermelhados da manhã.
O vermelho está tão pálido, Pai. Não é aquele que falava com cor de sangue, a seiva da vida e quando derramado tinha sua forma de ser e gritar. Ele se parece com um suco adocicado de groselha que ilude, falseia e engana o nosso paladar. Você dizia que os trabalhadores iriam governar o mundo sob o manto vermelho da solidariedade, mas os vermelhos pálidos de hoje tratam os trabalhadores como meros eleitores agradecidos pelas bolsas cheias de restos de pães e espinha de peixes.
Esses homens que viraram suco de groselha, pai, não são os camaradas do passado que ofertavam suas vidas no altar da igualdade, fraternidade e liberdade. Eles agora se chamam companheiros, vestem ternos caros, viajam de jatinhos, compraram grandes propriedades e são trabalhadores que não são pagos por salários, mas por uma coisa chamada de lucro.
Eles compram tudo, pai. Adoram comprar votos, carros, aviões, casas grandes e imensos pedaços de florestas que são logo pintadas com cores de soja e de boi. Acho que eles apagam o verde das matas e colocam em suas notas esverdeadas. Esses mágicos, pai não eram do seu tempo e foi por isso que nunca me falou deles.
Você sempre me falou da importância dos homens inteligentes que gostam de livros e ensinam a pensar. Mas os homens dos livros de hoje, Pai, obedecem a um homem que gosta de olhar livro de cabeça para baixo com olhos ébrios.
Você me ensinou a pensar com as mãos cheias de terra viva, úmida e com os olhos voltados para para o céu dos sonhos. Que faço com eles em tempos de cores pálidas e desvalidas? Você me dizia que todas as pessoas possuem um lindo arco-Iris em um cantinho protegido dos seus corações e que nenhum feiticeiro cruel poderia apaga-lo.
Sei que a minha aquarela é diminuta para colorir essa imensa tela esmaecida por falsos pintores. No entanto, por mais poderoso que sejam não poderão manter a vida em preto e branco. Um dia vai avermelhar de verdade, Pai. Ou melhor: crescerá com força e intensidade uma aquarela com todas as cores solidarias e fraternas.
Em um dia junino, no dia de São João, você que se chamava João, se foi deixando-me os sonhos de amor fraterno, mas a terra é feita de sonhos, não é Pai? Construímos os sonhos impelidos por uma dor necessária e deles somos seus estofos. Era isso que chamava de dialética?
Naquele dia que fiquei triste, no dia de São João, você foi poupado de assistir uma longa e terrível noite mantida por seus colegas de farda, onde acendiam-se fogueiras para queimar livros e pessoas. Essa farda que amava, tanto e quanto os seus livros e poesias, perdeu o verde das matas, tingindo-se de um negro enlutado das noites tenebrosas que, na Democracia fingida de hoje, serve como manto assustador para os nossos magistrados.
Nesse São João vou olhar para as fogueiras, observando o fogo que ilumina e renova a vida, lugar para assar milhos e não livros e pessoas. Vou ver e ouvir as quadrilhas como apenas dança francesa, abrasileirada pelo choro da sanfona, onde a musica ponteia os passos alegres e ritmados das pessoas e não os dedos ágeis dos larápios, ávidos pelo dinheiro público.
Se entre um estalar das bombas juninas e um rojão que coloria o céu, em um certo dia junino resolveu continuar andando na linha do tempo infinito, ao calor da fogueira da vida ficou sua amada companheira, sustentáculo dos seus sonhos e conhecedora do verdadeiro sentido da palavra Amor. Verdade, Pai, pois se você fazia um enorme esforço para vivênciar o conceito de solidariedade, a sua amada por ser mãe e mulher era a própria encarnação dessa grandeza. Se ela abriu mão de alguns sonhos primaveras, o fez para preservar os seus e proteger os nossos. Se você era um Leão, Pai, a Mãe sempre foi uma Loba que não hesitava em mostrar os dentes em defesa dos integrantes da matilha e de vez em quando uivava para a Lua em busca dos seus sonhos que, não eram somente nossos, mas de comum humanidade.
Obrigado pelos sonhos, Pai.
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