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sábado, 3 de novembro de 2012

O que é liberdade

O que é liberdade





Atualmente assistimos uma revoada de reivindicações de caráter libertário, baseadas na liberdade de opções de fazer e não fazer, ampliando consideravelmente a liberdade de contratar. O voto deve ser facultativo? Pode uma pessoa dispor livremente do seu corpo, inclusive negociar parte dele? O serviço militar deve ser optativo? Essas e outras questões estão sendo discutidas pela sociedade, inclusive com propostas concretas de parlamentares pleiteando modificações legislativas, como é o caso da PEC do voto facultativo, proposta pelo Deputado Federal Mendonça Prado.

Evidentemente, como substrato ideológico dessas propostas de ampla disposição volitiva de emitir ou não um comportamento de caráter social, encontra-se a ideologia do mercado capitalista que necessita que as pessoas possuam ampla liberdade contratual. O Capital é o elemento central que processa as variadas demandas, organizando-as de acordo com o critério econômico, tentando maximizar os interesses em disputa, sob o critério do custo/beneficio. Entretanto, as pessoas que professam uma ideologia mais socializante e comunitária, discordam dessa seleção por critério econômico, tachando-a de injusta e corruptora dos valores sociais de cidadania e integração comunitária.

Recentemente, um livro escrito por Michael J. Sandel, intitulado de "O que o dinheiro não compra", dedica-se com muita profundidade na discussão desse tema, tentando revelar muitos aspectos e motivações que estão implícitas nessas demandas libertárias. Depois de analisar muitas dessas propostas, o autor vaticina que existem valores que não podem ser dispostos pela vontade individual via mercado, sob pena de corromper os valores cívicos comunitários.

Entretanto, o que é liberdade? Evidentemente, como é um conceito eminentemente dialético, ele foi, desde o começo da humanidade, alvo de transformações substanciais e processuais, de acordo com cada formação econômica-social que indivíduos concretos estavam inseridos. Portanto, um conceito histórico por excelência, como, aliás é a essência humana, vaticinada na frase insuspeita de José Ortega y Gasset, "O homem não tem essência; tem história". Mas o que vem a ser o conceito de liberdade nos dias atuais?

Apesar de algumas concordâncias, como o direito à livre expressão e outras liberdades de valores universais, em outros aspectos as divergências ideológicas marcam posições quase rígidas, como é o caso da ampla liberdade de mercado e contratual das volições individuais. É verdadeiramente liberdade "uma raposa livre dentro de um galinheiro livre"? Ser livre é ter opções de não aceitar os valores comunitários cívicos? Pode ser considerado liberdade, um ato de uma pessoa que negocia seu voto ou a concepção de um filho, nos países onde há controle de natalidade? Uma pessoa não poder dispor da vida de outrem pode ser considerado diminuição da sua liberdade?

Quando vemos um bando de gaivotas voando não sentimos um sentimento indicador de liberdade? Mas as gaivotas são livres para voar porque voam ordenadas por regras compartilhadas que afastam os vôos anárquicos e desordenados. As gaivotas voam livres porque a liberdade de uma é coordenada com a liberdade de todas. Não existe limitação de liberdade, mas da individualidade egoísta e possessiva. "Voamos livres porque todas são livres do individualismo egoísta", diriam as gaivotas.

Quando uma pessoa não coordena a sua liberdade com as liberdades das suas personas, ela é realmente livre, indagava Jung em seus escritos? E essas personas não representam as alteridades do mundo externo que devem ser regradas por normas comunitárias? Bach pensou alcançar a musica perfeita, o sopro melódico e uníssono de Deus, encontrando, porém, a beleza divina da liberdade criativa das vozes coordenadas nas Fugas e Cânones. É na coordenação dos desejos, na limitação de ser Deus, que a liberdade emerge plenamente com ilimitada criatividade. Se um pianista se deparasse com um piano de notas infinitas, ele não saberia toca-lo ou criaria cacafonia insuportável, pois nele só poderia toca-lo, Deus. Os homens construíram com engenho um piano de 88 notas e nesse limite criam a verdadeira musica divina de ilimitada criatividade.

O sonho burguês da liberdade ilimitada e de tudo poder é o desejo vaidoso de ser Deus, sem a humildade solidaria dos homens em comunhão em busca do divino. "Quando três ou mais pessoas estiverem reunidas, lá estará Deus", não foi isso que disse o Nazareno? Para quem acredita em Deus, Ele em sua infinita liberdade encontra-se nas normas humanas de solidariedade, e para os agnósticos, céticos e ateus que professam o comunitarismo, a liberdade existe na comunhão cívica dos valores sociais partilhados.

Entendo que em uma República, o cidadão tem direitos, deveres e sob a ótica comunitária, um desses deveres é participar dos negócios públicos da Polis. O voto facultativo subverte e corrompe os valores políticos de participação, ampliando as possibilidades da ingerência do Capital no mercado político, através de premiações financeiras disfarçadas, visando indiretamente à compras de votos. Defender o País e participar dos seus negócios políticos são condições indispensáveis para o exercício da cidadania e não devem ser colocadas no rol dos comportamentos disponíveis à negociação individual. Postular por liberdades de opções que quebrem os laços de civilidade compartilhada é advogar por uma ideologia individualista, eximida de qualquer laços de solidariedade política e social.

Isso aplica-se, ao meu ver, aos deveres que possui um advogado perante a sua instância corporativa, tendo a obrigação de participar da escolha dos seus dirigentes. Não deve ser facultado à negociação um comportamento considerado essencial para a formação genética do Poder de um órgão de relevância Juridica e política na estrutura republicana.

Os neoliberais que usem o mercado das vontades na compras de pneus, roupas e outras mercadorias, pois os deveres de participação política e de civilidade estão fora do mercado, são inegociáveis.



Ivan Bezerra de Sant Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/






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