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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Mateus, primeiro os teus

Mateus, primeiro os teus





Em verdade, essa frase supostamente bíblica jamais foi dita por Jesus, por se tratar de um preceito que colide frontalmente com ideário igualitário e participativo que o mestre pregava. No entanto, o imaginário popular é rico em possibilidades criativas, existindo até quem afirme que essa frase existe no Evangelho de Lucas. Divirto-me pensar como as pessoas invertem os fundamentos essenciais dos preceitos de Cristo, para justificarem suas motivações egoístas, mantendo suas atividades competitivas protegidas sob o manto do divino. 

Se o Apóstolo Lucas nunca declarou essa frase, possivelmente, certo professor que prefiro não dizer o nome, diria: "farinha pouca, meu pirão primeiro", pois, essa versão melhor se adequaria ao seu reduzido aparato cognitivo. Entretanto, justiça lhe seja feita. Se a sua inteligência conceptual é bastante reduzida, em contrapartida, seu faro é muito agudo, capaz de sentir o aroma de um pote de ouro escondido no começo de um arco-íris.

O professor Apóstolo é uma daquelas pessoas que chegam a nossa terrinha, munidas com um diploma de doutor, sorrisos nos lábios, muitas ambições e a convicção que em uma terra de tabaréus, doutor com palavras difíceis, vence fácil. O problema é o nosso personagem falar difícil, o que convenhamos, precisa de alguma intimidade com a gramática, coisa que nosso apóstolo do Direto nunca teve. No entanto, existem outros caminhos para chegar a Roma e o nosso professor é um especialista em caminhadas.

Como ele é professor de escola pública percebeu que o salário não conseguia financiar os grandes sonhos consumistas, alimentados anos a fio, na época que sobrevivia penosamente em seu Estado de origem. Mas, o que a ambição e a astúcia não resolvem? Então, um estalo! Por que não criar seminários pagos e obrigar seus alunos participarem, valendo nota para a disciplina que ensina? Uma ideia maravilhosa, levando em conta que os estudantes amedrontam-se com facilidade e seus órgãos representativos estão mais preocupados na expedição de carteira de estudante. 

Seria uma ideia maravilhosa... Seria... Mas o verbo está no futuro do pretérito, indicando que algo deu errado. E a pedra no caminho do professor era uma aluna que discordava que alunos de uma escola pública pagassem "por fora" para poder passar na disciplina. Por certo, a menina protestante imaginava que a pratica de alguns médicos do SUS poderia chegar à escola pública e era necessário fazer alguma coisa. Então, uma simples pedrinha se transformou em um rochedo, quando o Conselho Superior da Escola proibiu esse ensino privado dentro da escola pública. Sua vingança não tardou a vir: mesmo não podendo reprovar a aluna, daria um nota baixa que impediria a sua aprovação com louvor. 

Um grande obstáculo nas suas pretensões financeiras, porém, as montanhas existem para serem contornadas, pensou o nosso Apóstolo. E uma vereda logo surgiria, esculpida nos desejos ambiciosos de uma aluna mediana que sonhava ser distinguida com o prêmio de louvor. Essa aluna sempre teve em seu marido o maior incentivador das suas aventuras intelectuais, um homem que detém poderes em suas mãos, nunca observou com muita precisão os limites das suas dotações intelectuais, dessa maneira virou palestrante em órgãos públicos para um público compulsório e "escreveu" um livro que ninguém leu. Certa vez, assistindo uma das suas palestras na Câmara Municipal, percebi que o exercício da tortura pode ser algo reflexivo e participativo. Não estou fazendo galhofa! Bastava ver os sofridos rostos dos integrantes da plateia e a dor angustiante da pobre palestrante, engasgada pelas trôpegas palavras que teimavam sair da sua garganta!

Finalmente, chegou o grande dia para a jovem senhora intelectual e para o seu professor apóstolo, ladeados por um professor convidado das montanhas das Gerais. A sala foi devidamente produzida com flores, ornamentos diversos, câmaras filmando, um verdadeiro cenário cinematográfico, digno de uma noite de gala de premiação do Nobel. Quem custeou o espetáculo, na certa possuía poderes premonitórios, pois tinha a total certeza do sucesso do empreendimento. Mas, nem tudo transcorreu como era esperado! Uma apresentação hesitante, cheia de engasgos, as palavras colidiam em desarmonia, como se as palavras do texto não fossem reconhecidas pelas palavras da voz. Na fase dos comentários dos examinadores, o professor mineiro tentou ser simpático e ajudar, mas a jovem senhora replicou com uma verdadeira pérola do conhecimento: "Confesso que não estou muito íntima com esse tema". No entanto, o nosso apóstolo, iluminado pela transcendência, sabia que dentro de uma tosca ostra poderia enxergar uma brilhante pérola, não deixou por menos: tascou um dez com louvor!

Quando se é bom, parece que as forças ocultas do Universo conspiram em seu favor. E foi isso mesmo que aconteceu com o nosso professor apóstolo. Sem mais nem menos, um fato inesperado aconteceu, um verdadeiro milagre! Podem acreditar! De repente, mais que de repente, o professor apóstolo foi nomeado para um cargo em comissão na Prefeitura Municipal de Aracaju! É por isso que afirmo que ainda existe esperança para esse mundo cruel. A fé remove montanhas! Sempre existe um avatar oculto nas nuvens que pode enxergar as nossas boas intenções, ofertando-nos uma boa recompensa.

 Quanto a mim, vou pensar seriamente nos espíritos superiores. Chega de heresias!

Ivan Bezerra de Sant Anna
 


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/

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