O mundo de Maria
Maria! Maria! Todos elas são Marias, dizem os crentes parciais, filhos diletos de Édipo, comparando-as com a diáfana mãe do Nazareno. No entanto, nem todas geraram deuses, homens geniais, homens que cavalgaram com o espírito do mundo, e as que fizeram, com honrosas exceções, as suas histórias singelas foram apagadas da história, lembradas apenas por suas maternidades ilustres. Maria de Nazareno, esquecida pelas penas que rabiscavam pergaminhos, foi lembrada apenas por um imberbe apóstolo, no momento da Via Crucis, o trágico acontecimento que os filhos de outras tantas Marias se escondiam por medos demasiadamente humanos. Entretanto, solitárias, solidárias, lá estavam as três Marias, chorando a dor, não de um Deus, mas de um filho, a cria amada, como são todas, de todas as Marias do Mundo.
O que significa a palavra Maria? Um significante sem significado, onde povoam inúmeros predicados, relativizados por vontades arbitrárias, ou um conceito aberto, embalado por uma musica de totalização concreta, uma gênese musical do mundo, escrita e reescrita ao longo da linha do tempo? Com a timidez de um beija-flor, que toca as pétalas de uma rosa, deixo-me levar por três palavras tentadoras de sedução irresistível: Maria, Mulher, Mundo. Essas duas últimas palavras talvez sejam os reais significados que geraram inúmeros predicados, usados e abusados sem parcimônia, por vezes, enaltecendo, horas outras, vilipendiando. Convém, dessa maneira, tentar unir esse universo constelar de significados, tarefa um tanto ingrata, não só pelo imenso trabalho reflexivo, mas, principalmente, pelas surpresas não muito agradáveis que espreitam com olhos leopardianos, a pretensa superioridade masculina.
Convenhamos que não é nada fácil perceber que mijamos nos cantos, marcamos territórios, capturamos as fêmeas para a nossa posse, e tudo isso para disfarçar a nossa inferioridade, encoberta por um ego individualista e possessivo. Não importa quantos livros escrevemos, quantas guerras ganhamos, quantos territórios conquistamos, pois nunca seremos o útero do mundo, a solidariedade exuberante, a maternidade como uma revolução permanente. Uma valoroso filho de Aquiles, envergando sua coragem desmedida e vaidosa, não passa de um ratinho assustado, frente a uma singela filha de Maria, que encontra no dever solidário para com os outros, uma coragem inaudita e desprovida de ambição. Um vaidoso poeta com seus poemas rebuscados de melodias rítmicas, que anseia, busca e troveja, depara-se com um vazio a ser preenchido, uma lacuna intransponível à transcendência, pois seus olhos ambiciosos não percebem uma singela verdade, de sinuosa sensualidade e de liberdade incontida: os poemas são meros e maravilhosos simulacros que tentam plagiar a vida, mas são nos tambores cardíacos da solidariedade, nos vôos livres das bruxas, no olhar longínquo das águias, nos uivos lunares das lobas-mulheres, que a poesia se encontra.
Nesse dia, Maria Ivanda, que marca 86 anos do seu percurso na linha ditosa do tempo, não cantarei sua coragem, a força da loba que mostrava os caninos em defesa dos seus filhos queridos; não falarei da mulher que rompeu limites, que para muitos eram intransponíveis, mas que para você era um dever da sua alma guerreira; não direi nada sobre a mestra que devotou a sua vida aos seus alunos, dando-lhes esperança e ensinando-os a dúvida reflexiva, mãe carinhosa da filosofia. Cantarei, isto sim, uma prece de agradecimento a quem me mostrou por atitudes e gestos que as palavras solidariedade, fraternidade e igualdade são gentis, sensuais e sedutoras, e porque não dizer, fêmeas e femininas, as eternas promessas do devir humano. Quando me ocorria os medos, as inseguranças e os presságios, lá estava você, como uma onda gigantesca, um maravilhoso volume marítimo, avançando contra as formações rochosas dos preconceitos e dos medos. Esse é o mundo que me ensinou a ver. Esse é o mundo de Maria, de todas as Marias, de Maria Ivanda, a quem fez por merecê-lo, por seu amor, honra, coragem e dignidade.
Um grande beijo
Ivan Bezerra de Sant Anna.
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