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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Psicanálise, mangas e cajus

Psicanálise, mangas e cajus

Seu quiosque sempre é muito frequentado por turistas que futucam  "aqui e ali", curiosos por bugiganga exóticas, de um nordeste mais exótico por excelência. "Moço, quanto custa essa rede?" A paulista olhava com deslumbramento, o emaranhado de tecidos e cordas que possivelmente Lampião tinha deitado em uma similar. Que tesão! "Ei, moço, esse chapéu é autêntico?" O marido olhava o chapéu de couro, sentindo-se o próprio Corisco com punhal em riste. Zé do Mercado, ao contrário de outros dias, estava absorto, pensativo, sem o sorriso viçoso, levemente irônico, dos dias pretéritos. "Que houve", perguntei. "Estou pensando algo engracado", e o riso emplacou no seu rosto. "Conte", falei.

"Estava pensando em algo sério e engraçado ao mesmo tempo. Sabe, sempre desconfiei que esse ódio do Lula por FHC não era somente fruto de uma ação deliberada dos marqueteiros, um maniqueísmo construído para dissimular as semelhanças, mas algo de origem mais profunda". Lula profundo, imaginei isso, esboçando um sorriso quase cínico. Curioso? Não, mas curiossimo, deixei sair um "diga". Zé do Mercado ria gostosamente.

  - Meu Rei,quanto custa essa saída de praia? A moça de origem óbvia, vestindo uma camiseta com os dizeres "minha casa, minha vida", agitava a peça de tecidos com as mãos. "Duzentinhos", falou o Zé.

"Vai, fale das profundezas do Lula, Zé", estalei a língua curiosa."Por falar em profundidade, sabe que passou aqui a semana passada?", miou com preguiça felina, Zé. "O Zé Rollete e sua namorada gordinha do Cabula, ostentando um Mrs. Cabanas de última geração", estrondou em uma voz mais intensa que trio elétrico de axé. "E o que ele desejava por essas bandas?", curiosei. "Estava procurando um local que vendesse disco de vinil do José Augusto, o cantor que disputa sua preferência com o Wanderlei Cardoso". Engraçado, não conseguia me lembrar desse cantor, e tudo isso tinha cheiro de mofo e naftalina, não que ele fosse um cantor ruim, mas não era da minha época. "E as profundezas de Lula?", supliquei.

"Estava falando do seu ódio visceral ao FHC que não é normal. Quando ele começa xingar FHC, seus olhos ficam injetados de sangue e da sua boca escorre um baba grossa, igual a do Dragão de Komoto. Incrível!" Naquele momento, achei conveniente indagar se essa manifestação raivosa era decorrente da constante ingestão de "água que passarinho não bebe". Gargalhando, disse: "antes fosse... Acho, entretanto, que a causa é mais profunda, pois acho Lula edipiano!" Confesso, caros leitores, que essa declaração do Zé me deixou confuso; o que tinha a ver Édipo, Lula e FHC? Percebendo minha confusão mental, o que lhe dava certa satisfação, continuou com a fusilaria verbal: "O pai biológico de Lula era um pobre homem violento, cortado pela cachaça, podendo-se dizer que o seu vício pela 'caninha' foi a única herança deixada. De certa forma, Lula era um órfao, pois para aquele garoto serviciado pela fome e ambição, as pessoas eram meros objetos. Mãe, pai, mulher, eram para ele, elementos simbólicos, indistintos e confusos." Não estava acreditando! O Zé estava se superando com essa fantasiosa interpretação. Ante ao meu olhar de galhofa, ele continuou.

"Sabe, Lula na qualidade de nordestino sofrido nunca soube que a pátria Brasil era também sua genitora, pois eram tantos os Brasilis, e na sua cabeça de macho nordestino, ela era apenas uma mulher a ser apossada e usada. Imagine o seu ódio quando FHC casou-se com o Brasil, naquela grandiosa cerimônia do plano real. Espumou de raiva e jurou vingança eterna! Tinha que tomar dele, casar com ela e fudê-la muito, muito, muito. A partir desse momento, a sua principal missão era destruir FHC."

Mais confuso ainda, perguntei ao Zé em que lugar colocaria a personagem de Édipo. Com um sorriso de superioridade marota, sentenciou: "Não percebe que FHC é o seu pai simbólico e ao mesmo tempo, o Grande Outro? Embora ele ainda não saiba, a Pátria possuída e fundida é a sua amada mãe simbólica.  Lula  cometeu um incesto primordial, e de certa maneira, ele é um castrado, um homem que seu desejo encontrou uma lacuna abissal, o nada do nada".

  - Meias baratas, quer comprar meias, Zé? - "Está lembrado de Magnólia?, exclamou, saudando o senhor que passava na frente do seu quiosque. Como não era da minha época, não o conhecia, embora tenha ouvido falar muito dele, pois era uma pessoa muito marcante em Aracaju e o poeta João Carlos falava muito dele.

Devo reconhecer a capacidade imaginativa e a agilidade mental que Zé teceu sua teoria sobre o edipianismo de Lula. Por que um mente de boa qualidade era usada para vender bugigangas? Nem precisei lhe fazer essa pergunta, porque a dança linguística dos meus olhos foram reveladores. "Sabe, amigo, adoro vender minhas coisinhas, falar com as pessoas e sentir o pulsar das divergências cardíacas. Depois, quem sou eu nessa cidade de gênios? Se uma pessoa que nunca escreveu um mísero bilhete é imortal da Academia de Letras, imagine um intelectual sergipano, que maravilhosa cabeça não tem? Que chance teria com tantos gênios sergipanos?"

Ivan Bezerra de Sant Anna


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