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sábado, 11 de julho de 2015

Rosalvo, o Bocão

Rosalvo, o Bocão


Em meio a um inverno peculiar, um julho onde se conflita uma brisa resfriada com a teimosia do sol, morreu Rosalvo Alexandre, o Bocão. Não existe um bom dia para se morrer, e embora seja imperativo, a nossa marca da finitude que deixamos em mãos do acaso ceifador, fiquei feliz que tenha sido em um dia que ainda se escutava o ressoar das sanfonas juninas.

Em meio a tantos lamentos, poesias revolucionárias ofertadas, lágrimas verdadeiras e louvações hipócritas, reflito com carinho sobre os bons  momentos vividos ao lado do ex-companheiro do PCB, o Partidão, como se referia o nosso Rosalvo, com uma voz "suave" que se ouvia a quilômetros de distância. Se existiam marcas registradas, essas eram seu vozeirão de alto-falante de quermesse, seu constante entusiasmo e sua competência imensa para o trabalho de organização do Partido. Defeitos? Inúmeros e incontáveis que, mesmo com muita boa vontade, não poderia contá-los com os dedos das mãos. Mas que não os têm? Alguém atiraria a primeira pedra?

No dia que choveram ovos no Maluf - esse mesmo que hoje é companheiro dos esquerdinhas - a grande mídia alardeou que a população aracajuana espontaneamente demostrava seu repúdio a um legítimo herdeiro da Ditadura Militar. Poucos sabem que essa espontaneidade deve-se aos companheiros Rosalvo Alexandre e Marcelo Bomfim, que passaram as horas precedentes ao evento, lotando ônibus com pessoas e carregando muitas caixas de ovos espontâneos. Essa era a sua principal marca, e confesso que na hora que começou a chover ovos revoltados, pensei ter ouvido uma voz de comando que faria um doce gatinho virar um felino predador.

Rosalvo era a própria contradição que sempre renunciou ao abrigo de uma síntese, mesmo que precária. Era um retrato representativo de um povo que por momentos é dócil e amoroso, por outros, barraqueiro e indomável, mas sem nunca renunciar à ternura. Sua voz de pássaro Ferreiro que se ouvia à distância, incomodava a muitos, porém acalentava e protegia o sono de outras pessoas, tal qual os estridentes apitos dos guardas noturnos da minha infância. Não era grande nem pequeno, bom ou mal, virtuoso ou devasso: era simplesmente Rosalvo Alexandre, o Bocão.

Pensei em visitá-lo, mesmo sabendo quanto estávamos distanciados por nossas escolhas, mas fui egoísta e covarde. Peço perdão por essa falta lastimável, no entanto, ficava triste só em pensar que seu corpo não mais lhe obedecia como antes e sua voz minguava a cada dia passante, um simples arremedo, um sussurro de lamento, tênue assobio dos ventos crepusculares.

Poderia lhe dizer, "vá em paz, companheiro", mas faltaria com a verdade sentida. Você sempre foi o filho dileto do Deus Dionísio, a própria natureza encarnada, a força dos punhos, a suavidade do afago; a tempestade que varre, as brisas que acariciam; o voluntarismo cego, o sonho de uma crença.

Continue cantando, Ferreiro.

Ivan Bezerra de Sant Anna.


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