Se fosse verdade
Ó, Pátria amada! Por ti e por seus diletos filhos tantos morreram em valas frias e escuras por ousarem pronunciar a palavra liberdade. Que palavra difícil, patriazinha! Os trabucos fumegantes anunciavam a sua posse pelos que mereciam, as bocas famintas a queriam, enquanto os guerreiros do novo morriam todos os dias, com a iluminada esperança que ela viria.
Ela não veio, Pátria minha! Em nossa Nação Lavoisier, nada se extingue, mas tudo se transforma. Um grande acordo, um novo nome, um Congresso Constituinte eleito pelas regras da Ditadura, e o que era velha vira nova. É a velha magia das mudanças nominais, inaugurada pela cavalgada de Deodoro e a parti daí: República Velha, República Nova, Estado Novo, República e finalmente, Nova República! A palavra de ordem era esquecer! Era necessário esquecer os horrores de uma noite tenebrosa para o raiar exuberante das mudanças, garantidas pela Constituição Cidadã que trazia escondida em seu seio, o velho ranço das diferenças e hierarquia.
Quer saber de algo, Pátria Amada? Percebo com muita dor que não devemos nos esquecer dos traumas do passado. Aliás, não é isso que afirma Freud e seus seguidores? Não foi isso que fez Ulisses, o Odisseu, ao retornar à sua Pátria, combatendo os monstros e resistindo aos belos cantos das sereias? Não deveríamos olhar nos olhos das tragédias pretéritas, retornar imaginativamente às situações pré-constituídas, examinar os erros e acertos, fabricar um novo passado, trazendo-o para o presente para reinventar o futuro? Não era apagar o passado, Patriazinha, mas ter ele sempre vivo nas nossas lembranças para que nunca mais volte. Os fantasmas adoram o manto do esquecimento para retornarem com novas roupagens e odeiam quando nós os vemos e exclamamos: "não me importa que exista. O seu lugar não o tempo verbal do pretérito imperfeito, mas no pretérito-mais-que-perfeito, limbo dos zumbis inofensivos".
As nossas elites, Pátria Amada, confundiram perdão com anistia. Deveríamos perdoar, inclusive a nós mesmos, mas nunca esquecer! Os fantasmas estavam escondidos nessa cocha de retalhos que os pseudos democratas chamaram de Carta Cidadã e eles como sempre solícitos e paternalistas, não poderiam faltar aos relativamente incapazes, ávidos por um pai tutelar. E eles voltaram! Esconderam suas espadas e sacaram suas canetas. A existência de valores elitistas e autoritários na cultura que agem de forma inconsciente, mantém-se irrefletidamente no superego e no Id, angustiando algumas pessoas que, em decorrência das injustiças das decisões legislativas, leva-as ao pensamento ingênuo que o Judiciário pode sub-rogar-se em legislador, corrigindo essas injustiças. Nessa mesma linha de raciocínio, outras pessoas preferem os tanques militares nas ruas. Ambas, entretanto, padecem da síndrome do autoritarismo disfarçado, pois uma baioneta ou uma caneta judicial, quando não autorizadas pela população através de um procedimento legitimado, seja por um movimento fatual-revolucionário ou por um procedimento democrático, são os lados da mesma moeda. Assim, parafraseando Carl Von Clausewitz, a caneta é a baioneta por outros meios.
Ó, minha patriazinha, desolada menina, acolho-a no meu colo, conto-lhe uma história. Uma narrativa de sonhos e magia sobre um povo adormecido, tanto à noite, como ao dia. Existia uma sábia coruja que alçava voos ao anoitecer para alertar às pessoas do tempo da reflexão, do novo dia que viria. A coruja sabia que seu canto agourento era o prenúncio de um novo dia que o galo do amanhecer anunciaria. Alternava as noites e os dias, a negritude dos morcegos e a claridade do axé-folia, porém, ninguém ouvia! Um dia, cansados de tanta cantoria, morreram a coruja da noite e o galo do dia. O povo sentindo a falta do pio e do cacarejo, com o tempo percebeu que essas melodias, não eram dor, angústia e fantasias, eram acordes da alforria, dissonâncias que somente a Razão e Coração sabiam. E um verdadeiro novo dia somente viria, na ausência/presença da noite e do dia; na palavra que anuncia e silencia; nas ondas e espumas do dia-a-dia; e na luta que sempre principia.
Ó, Pátria minha, desolada patriazinha, adormeço contigo no colo. Vamos sonhar juntos e dessa maneira, quem sabe... Ah, desvalida menina, nada custa sonhar. Vamos imaginar uma Nação onde a terra é mais garrida, que teus risonhos, lindos campos têm mais flores e em nossa vida, nos seus seios mais amores. E como filhos desse solo, seremos gigantes pela própria natureza, belos, fortes e impávidos colossos. O futuro espelhará nossa grandeza e penhor da igualdade de um povo heróico retumbante, sob o sol da liberdade em raios fúlgidos, brilhará no céu da Pátria a todo instante. Nunca verás um filho teu fugir à luta, nem temer a própria morte, pois entre outras mil, serás tu, Brasil, Ó Pátria amada, Brasil!
Ivan Bezerra de Sant Anna
Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/
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