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quarta-feira, 26 de março de 2014
João Goulart e Salvador Allende.
Dois Presidentes civis, em dois países subdesenvolvidos, sofridos, explorados e alicerçados pelas baionetas caladas ou não. Uma sina de séculos com a alternância entre a lâmina de aço desnudo ou por uma caneta judicial afiada e cortante. Ambos assumiram o imenso desafio de romper com esse ciclo nefasto, trazendo sonhos e desejos para suas populações subservientes e acostumadas com o trágico determinismo imemorial.
Goulart e Allende foram eleitos democraticamente em países de forte cultura política autoritária e, infelizmente, localizados em uma zona de influência da gigante águia americana que tinha (e tem) um conceito muito elástico de Democracia. Se isso já era um grande problema, imagine ser eleito por uma conjunção de forças políticas de diversas orientações ideológicas e demandas diferenciadas e divergentes. Evidentemente, governos premidos por essas trágicas circunstâncias, a única saída viável para a governabilidade, mantendo as elites reacionárias em calmaria é o populismo, ou seja: esvaziar ao máximo os conceitos políticos-normativos, equilibrando ou tentando equilibrar, as explosivas demandas díspares.
Entretanto, em uma época onde o sonho socialista era uma nítida promessa viável, o risco de perder zonas de influências e seus interesses econômicos, tirava o sono dos falcões norte-americanos. Eles não podiam ficar de braços cruzados e não ficaram. Boicotes econômicos, paralisações parciais dos agentes econômicos poderosos, fornecedores de bens e serviços, levaram uma gradual insatisfação para os extratos médios da sociedade, possibilitando, dessa maneira, o aparecimento das marchas pela família e dos processos conspiratórios nos quartéis. Acrescente-se a tudo isso, a dificuldade desses governos discutirem uma pauta mínima unificada com os partidos aliados, visando evitar colisões desnecessárias que municiassem o sentimento de explosão social. No Chlie, as guerras nas ruas, as acusações recíprocas entre aliados e no Brasil, os desfiles desafiadores de trabalhadores rurais, armados com foice, comandados por Julião, a quebra da hierarquia militar pelos sargentos e Fuzileiros Navais, apesar do constante alerta de Trancredo Neves, exigindo a punição dos revoltados.
No Brasil, o Presidente Goulart, apesar de alertado, nada fazia, mantendo-se preso a um discurso populista e vazio, tentando equilibrar de forma precária, o voluntarismo desafiador do Sr. Brizola com as demandas patrimonialistas das elites políticas conservadoras, embora algumas facções vestirem o falso manto do desenvolvimento, do tipo, "cinqüenta anos em cinco anos". Enquanto os grupos de esquerda dimensionavam mal suas reais forças, usando ações provocativas, as facções de direta sabiam o que estavam fazendo. Enquanto o golpe militar se formava, não tão silenciosamente, pois como a compra de votos atuais, quase toda a população sabia, menos quem deveria saber. Por exemplo: se Goulart tivesse ouvido o sério conservador e democrata, Trancredo Neves, teria punido com rigor a quebra de hierarquia nos quartéis, aproveitado para fazer mudanças no alto comando militar e com isso, desmobilizaria a principal demanda da caserna e ao mesmo tempo, mandaria para reserva alguns militares golpistas.
Quanto a Allende, o golpe militar brasileiro não lhe serviu de exemplo, pois cometeu erros piores e com um agravante: ele era um socialista, enquanto Goulart era um grande estancieiro esclarecido. Como tinha o exemplo do modelo golpista brasileiro, a primeira coisa a fazer era uma gradual substituição nos quadros das forças armadas e a criação de um serviço de contra-informação militar da sua confiança. Era necessário alinhar as forças armadas com os propósitos democráticos e isso não foi feito ou, na melhor hipótese, realizado de maneira precária. Não podia confundir um governo democrático com um governo hesitante e fraco. As liberdades e direitos civis devem estar em sintonia com o processo democrático real e quando tais diretos se transformam em casamatas para a corrupção e o aliciamento golpista, a Democracia logo será negada e, por consequência, as liberdades civis sucumbirão. Assim, deveria impor ordem nas ruas, permitindo somente manifestações sem violências, mesmo que isso desagradasse a alguns aliados. Ele esteve em uma encruzilhada e não soube avançar. Quando as classes produtoras começaram um boicote econômico, a resposta do governo deveria ser firme, intervindo nas empresas, encampando algumas, visando normalizar a entrega de bens e serviços. No entanto, nada foi feito.
O golpe militar foi dado no Brasil e Goulart fugiu para o Uruguai, para preservar sua dignidade política, mas apenas por uma fração de tempo, pois morreria em circunstâncias suspeitas. Allende preferiu morrer, resistindo heroicamente no Palácio Presidencial para elevar a dignidade como valor nacional. Ambos cometeram um grande erro: acreditarem nas frágeis regras democráticas em países de forte cultura autoritária, onde a liberdade é confundida com atos conspiratórios e a Democracia com a fraqueza permissiva dos governantes. Esse é o grande paradoxo do liberalismo nos países que convivem com o populismo: sua pauta normativa é esvaziada e em seu lugar, princípios vagos e indeterminados assumem o norteamento das decisões pragmáticas e contraditórias que acabam destruindo as conquistas liberais. Uma permissiva liberdade abstrata pode trazer em seu bojo a sua própria negação.
Por que a grande mídia financiada pelos cofres norte-americanos odeia tanto o Chavismo? Talvez porque, mesmo cometendo muitos erros, Chavez e seus seguidores aprenderam com os erros dos outros governantes que foram derrubados por golpes de Estado. O próprio Chavez chegou a ser deposto por um golpe fracassado que não logrou êxito, graças às ações firmes de chefes de governo do continente, dentre eles, Fernando Henrique Cardoso.
É importante que esses dignos governantes não sejam confundidos com certos líderes populistas que, usando discursos de esquerda, favorecem com grandes financiamentos públicos as grandes empresas de bens e serviços e parentes próximos, enquanto distribuem esmolas "disso e daquilo". Esses falsos profetas são imunes aos golpes de Estado, pois gerenciam com muita competência os interesses dos extratos dominantes. No entanto, convém não retesar muito a corda da corrupção, pois os gerentes podem ser removidos quando começarem a incomodar e para melhor acomodação das diversas demandas, cabeças oportunistas que se tornam inconfiaveis, podem rolar. Uma lição do mestre Maquiavel.
Ivan Bezerra de Sant Anna
Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/
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