Eles nunca escutaram o pio da coruja que voa sob as cores contrastantes do crepúsculo criativo. Eles gostam da noite, dos chios dos morcegos, do manto negro que protege a impunidade, e mesmo a luz tênue da lua, uma réstia lunar, pode causar sérios estragos aos seus olhos vivazes e gulosos. Assim como os magistrados, eles também são deuses de um reino subterrâneo, das cavernas escuras platônicas, local onde descansam com os pés agarrados no teto, uma postura decadencial, sem prazo estipulado.
Nesse cenário húngaro do Príncipe Drácula, os nossos produtores das mercadorias jurídicas preparam-se para lançar algo novo no mercado, uma nova pérola das mentes pragmáticas, o Crédito Penal. Falam que essa novidade tem o estímulo criativo do Ministro Barroso e do Ives Granda, sendo que o primeiro por puras razões mercadológicas, e o segundo por ser um visceral defensor do neoliberalismo. Aliás, deve-se dar mais créditos criativos ao Ives, pois, ao que parece, essa nova teoria penal tem muita analogia com o crédito tributário.
Depois de tanta conversa, o leitor já deve estar coçando de curiosidade, como se fosse um comichão preventivo ao se deparar com um eminente ataque de um pulgão incômodo. Portanto, o que é afinal essa nova teoria penal?
Calma, pessoal, não esperem nenhuma teoria com o grau de sofisticação, tão a gosto dos doutrinadores do passado. Os atuais juristas neoliberais são mais cultuadores da simplicidade, da uniformidade (assim como no Axé, eles falam sempre a mesma coisa com acordes diferentes, em uma música sempre diferentemente igual) e não ficam incomodados quando escrevem pouquíssimas frases originais, em meio a um oceano tumultuado de citações, pois como surfistas diferentes que nunca enfrentaram uma pequena marola, uma prancha virtual serve para todos. À deriva com os derivativos neoliberais, diria.
E o que vem a ser essa ditosa e secreta teoria? É muito simples! Segundo esse teóricos, toda vez que uma pessoa for condenada, chegando a cumprir a pena integral ou parcialmente, e essa condenação for considerado ilegal e contra o sistema jurídico, terá essa pessoa injustiçada um crédito penal a ser usado para subtrair de uma futura condenação, os dias de prisão que se encontram no título de crédito penal. É uma espécie de compensação em que um título abstrato de crédito penal pode compensar uma condenação concreta. Nunca ouviram falar dessa teoria? Espero que nunca ouçam, pois ela está sendo urdida com a finalidade de compensar os anos de prisão que alguns mensaleiros tiveram no período da ditadura militar. Aliás, não fiquem surpresos com essa inovadora teoria, pois ela como fundamento de defesa política dos mensaleiros ou petroleiros, já é muito usada. Quem já não ouviu de um petista que os adversários também são corruptos e enaltecem o passado sofrido dos corruptos petistas? Não é como se dissesse que eles erraram, mas que o passado compensava?
E os Juízes, o que vão pensar dessa teoria? Bem, como existe um cipoal de princípios gerais, indeterminados e abstratos (e com eles podemos dizer que o branco é preto e leão é girafa), possivelmente uma boa e extensiva "interpretação" criativa resolva esse problema. Afinal, os juízes possuem o atributo da irresponsabilidade política, diferentemente dos agentes políticos que devem prestar contas ao povo em época eleitoral. Os juízes podem criar disfarçadamente legislações sem a necessidade da prestação de contas políticas. Por essas e outras, e em defesa da mínima participação democrática, é que nos países europeus, nenhum juiz pode interpretar a Constituição, tarefa exclusiva das Cortes Constituicionais, integradas por agentes políticos com notável saber jurídico e com mandatos temporários.
No entanto, Brasil é Brasil, local em que os advogados tornam-se juízes através do quinto constitucional ou por concurso, e que juízes quando se aposentam viram advogados. Uma cumplicidade tácita, autorizada por uma ilegítima constituição, que, quase sempre, transforma-se em cumplicidade negocial.
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