O Urubu
Hoje é um desses dias que reputo de extraordinário. Estava no apartamento, quando de repente, mais do que de repente, pousou uma grande ave negra. Bem que podia ser uma pomba, um gavião, mas logo um urubu? E o bicho, com as asas murchas, lançava-me um olhar pedinte e suplicante. O que é que essa gávea ave quer, pensei. Lembrei-me que estava preparando um bacalhau à Gomes de Sá e isso poderia ser o motivo para essa visita inesperada. Divertidamente, pensei: essa pretinha gosta tanto de um bacalhau português, que é bem capaz de ir à segunda divisão em busca do seu grande amor. Nesse momento, senti uma grande ternura pela agourenta ave.
Nesse instante, essa imagem urubalina fez-se poesia! Acreditam? Minha memória evocava lembranças da antiga avenida Simão Dias, local onde morávamos, como também o poeta Sampaio, amigo dileto de meu pai. Ah, o poeta Sampaio... Que figura humana maravilhosa! Era o poeta dos despossuídos, dos humildes, das putas, dos molequeiros e de todos os infelizes. Talvez por isso, o urubu fosse uma fonte inspiradora, uma imagem triste e livre do devir humano. E talvez em um desse dias pesarosos, disse:
URUBU
Baste que se levante a mão
na sua direção
prá que o urubu
arranque vôo violento
tal o pensamento
que ele tem da humanidade.
E isto ele pensa
como para se vingar
do horror que a sua figura inspira.
No eterno luto das suas penas,
prá mostrar que tem alma branca,
ele descreve no espaço
os seus poemas incríveis
que o homem plagiou com os aviões.
E de lá do coração da distancia,
o homem em baixo,
um ponto miserável,
tal como se lhe afigura,
menor do que ele,
o urubu risca gargalhada de vôo
no rosto do infinito,
e sente que suas asas
são maiores que o pensamento humano.
E desce,
pousa no telhado,
Corre os olhos em torno,
inquieto, desconfiado,
como um grande que temesse
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