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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Não era a sua hora

Não era sua hora...

Não acredito em predestinação, em hora marcada, na vontade de um Deus que possui desígnios misteriosos, mas creio no livre arbítrio dos homens, na ganância egocêntrica daqueles que fazem da vida um campo de batalha pela sobrevivência.

Era apenas um festa para familiares e amigos próximos, e nada mais! Um simples festejo para comemorar a sua promoção militar que esperava com tanta ansiedade, pois uma vez me disse que achava que ia morrer soldado, tal era a sua descrença nos critérios de promoções que era usados por seus superiores.

Você morreu sargento Borges. Você conseguiu, mesmo que por poucos dias, mas aspiro um alento que esses contados dias valeram por anos, tal como imagino a sua alegria. Bem que essa euforia aos poucos ia se  dissipar, como o vento ameno que se finda ao penetrar nos torrões do nosso sofrido agreste, pois a vida alimenta-se de promoções sucessivas. Dessa forma, de promoções superando promoções, um certo dia,  não fosse a insânia de pessoas impiedosas, possivelmente você se despediria da vida, abarrotado de cabelos brancos, deitado em uma rede na sua chácara, aliviado por sua reforma e, para honrar a honorável contradição existencial, saudoso dos tempos passados.

Evidentemente, aqueles furtivos visitantes dispararam contra você, mas quem realmente puxou o gatilho? Um sistema policial desestruturado, algumas vezes convivendo com a corrupção e a conivência com delinquentes aliciadores? Comportamentos  populista de membros do Ministério Público; de juízes que não se baseiam em justos critérios de avaliação, presumindo violência em qualquer ação policial, ao mesmo tempo que veem asinhas de anjos nas costas de perigosos delinquentes?

Você sempre soube que nunca tive apreço por bandidos, mesmo sabedor das origens sofridas da maioria deles. Essa quase guerra civil, essa inaudita violência, não pode ser explicada tão somente pelas necessidades sociais, pois se assim fosse, a maioria das pessoas de um bairro pobre seria constituída por ladões e assaltantes, o que não é verdade.

No Santa Maria, por exemplo, a maioria esmagadora dos moradores são trabalhadores formais ou informais - embora alguns policiais não percebam isso, o que é lamentável -, restando uma ínfima parcela formada por bandidos armados que controlam o bairro, delinquentes que não são motivados por ideologias, mas pelo perverso individualismo possessivo que copiam de maneira distorcida das elites dominantes.

A miopia dos atuais movimentos de esquerda, esse romantismo desvairado ao bandido social, queiram ou não, é um dos fatores desse pavor generalizado que a população é submetida, uma crescente paranoia que aumenta assustadoramente, invertendo os lados da equação libertária, uma vez que o cidadão é preso em sua residência, enquanto os “trabalhadores virtuais” trafegam com liberdade. E aí daquele desavisado cidadão que cria a ilusão que pode ir ou vir pelas ruas da cidade, pode deparar com uma dessas “vítimas sociais”, armado até os dentes, e se conseguir reagir com eficácia, ferindo ou matando o delinquente, vai ter que caminhar na Via Crucis da processualidade penal, enfrentando uma imensa legião de profetas dos direitos humanos, vociferando que o cidadão não pode reagir para não causar dano ao assaltante que, mesmo em desconformidade legal, está “trabalhando” para subsistir.

O que esses defensores de direitos humanos não percebem - alguns mal intencionados e financiados por traficantes -, é que os direitos humanos não pertencem a conceitos abstratos a ser aplicados indistintamente e a qualquer pessoa, mas um conjunto de preceitos reflexivos em interação com os destinatários, em justa proporcionalidade, moderada pelo comportamento daquele que o usufrui. Assim, se um cidadão trabalhador comete uma infração, ele deve ser tratado com toda dignidade necessária, condizente com o estatuto da cidadania liberal. Entretanto, dar o mesmo tratamento a uma pessoa empunhando uma arma, indivíduo  que desconhece quaisquer norma moral da convivência e respeito à dignidade humana é, no mínimo, uma atitude infantil e irresponsável para com a sociedade. A plena vigência dos direitos humanos também é de responsabilidade do destinatário, sendo o seu comportamento concreto, o margeador da amplitude e limites dos preceitos liberais. E assim não sendo, o que resta é um paternalismo canhestro, um populismo irresponsável, uma conivência tácita de votos, enriquecimentos ilícitos, e o desprezo pelos cidadãos e para aqueles investidos na árdua missão de protegê-los.

Felizmente ou infelizmente, sou um velho comunista ainda apegado às escritas do velho Marx, um filósofo que não fazia concessão ao banditismo, e em seu portentoso estudo histórico sobre o bonapartismo, o 18 Brumário de Luiz Bonaparte, Marx tece consideração sobre o lupem proletariado, um agrupamento difuso de pessoas que viviam à margem da sociedade, vivenciando uma ideologia distorcida do individualismo possessivo, que acabavam integrando grupos paramilitares ou quadrilhas de assaltantes. Longe de serem vítimas do sistema de exploração capitalista, como eram os trabalhadores, eles eram soldados algozes informais das elites dominantes.

Na atualidade, não são eles que integram os grupos de justiceiros, as facções do crime organizados e grupos paramilitares que se disfarçam em alguns movimentos sociais? Vê-los como cidadãos, usuários da plenitude dos direitos liberais, não é uma ficção perigosa, uma vez que eles negam esses direitos  às pessoas que convivem em sociedade? Flores não vencem armas de fogo, e quando a Polícia sofre severas limitações no seu modus operandi, se expõe a imensos riscos, deixando de cumprir a sua espinhosa missão.

No entanto, caro Borges, você viveu em um país onde ministros do STF mandam aplicar indistintamente a progressividade penal, criam prisões domiciliares, permitindo, dessa maneira, que um sentenciado continue a operar livremente, e mesmo presos, comandem com desenvoltura as suas quadrilhas. Uma consciência ingênua libertária dos senhores juízes? Pode ser, mas não se deve descartar a não remota possibilidade de altos ganhos financeiros que premiam os prolatores dessas decisões.

Sargento Borges, foi um imenso prazer trabalhar ao seu lado, uma pessoa digna, corajosa e determinada, nunca lhe faltando o humor inteligente, seguida por seu gargalhar portentoso. Se todos os policiais fossem como você, possivelmente a imagem do policial seria menos insultada por pessoas como Maria do Rosário, que no seu vigoroso empenho em defender deliquentes, não poupa esforços em destruir a Polícia.

Quiz a ironia da vida que saísse sempre ileso dos seus deveres policiais, mas que sucumbisse como uma pessoa comum, como tantas outras que são assassinadas no refúgio sacrossanto do seu lar. A morte, por excelência, é simplória, banal, sem algum sentido, mas nas mortes matadas, a vida interroga a morte pela escolha precipitada e pelos meios ilógicos, como, por exemplo, de uma vida ceifando a outra. Mas existe um lógica fria e cruel, fragmentada por inúmeras lógicas que sustentam o egoísmo, o descompromisso com empatia entre as pessoas, pois se existem pessoas que carregam a culpa da sua morte, por outro lado, em graus variáveis, todos nós ajudamos a puxar o gatilho..

Ivan Bezerra de Sant’ Anna  










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