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sábado, 21 de maio de 2011

Sanfonia


Sanfonia



Aconteceu na semana passada a apresentação da Orquestra Juvenil de Acordeões da Baviera no Teatro Tobias Barreto. Estava presente um bom público, tanto no número, quanto na participação educada e civilizada das pessoas que ali se encontravam. A orquestra de garotos germânicos deu a impressão que agradou, apesar do repertório um tanto erudito para os padrões culturais do nosso Estado, com peças de Wurthner, K. Maas, recheadas de dissonâncias e tonalidades alteradas. É a velha dialética da dissonância/consonância que encontra na vida humana sua morada essencial, existindo quem afirme que as resoluções das dissonâncias são sempre precárias. Talvez por isso grande parte das pessoas procure ansiosamente reduzir essas dissonâncias pela consonância fácil da musica cantada de cunho popular, rejeitando as formas musicais mais complexas. No entanto, o Rap e outras formas musicais populares quebram continuamente os padrões de consonâncias usuais. Uma novidade que subverte e amplia o conceito do "belo musical", tornando os acordes alterados seqüenciais, não somente uma preparação para a harmonia consoante, mas a melodia em si, uma harmonia maior, a fala musical humana com todas as alteridades.

O publico recebeu bem os garotos da Baviera, aplaudindo sempre e em alguns momentos, com entusiasmo. Já se disse que a musica encontra morada no coração das pessoas simples de boa vontade e se afasta com pavor das mentes presunçosas dos falsos "entendidos musicais". Foi de um desses farsantes que ouvi uma pérola de comentário: "Esses alemães não tocam nada. Uma musica arranhada e chata. Se não fosse a Orquestra Sanfônica de Aracaju essa apresentação seria uma merda!". Esse comentarista que se autodenomina de musico, possivelmente um dos incentivadores da Orquestra de sanfoneiros e ativista petista, achou a peça Carmina Burana uma merda.

Esse comentário bem que podia ser alvo do riso irônico, desconstrutivo, tão a gosto de um Rebelais ou de um Cervantes, por exemplo. Mas, como dizia meu avô Cícero, "hei de rir de um imbecil?". Claro que não, vovô. Isso seria pecado e dos piores. Por falar em pecados me lembrei de um que aconteceu nessa apresentação sanfônica. Este sim, um verdadeiro pecado! Os nossos sanfoneiros com instrumentos de baixa sonoridade - uma miscelânea de sanfonas de varias procedências - tentavam a todo o custo se fazer ouvir, enquanto os meninos da Baviera explodiam com uma sonoridade magnifica. Não é um pecado deixar as sanfonas do primeiro mundo massacrarem as sanfonas do terceiro mundo? Cadê as verbas, meu amigo Edvaldo Nogueira. Sei que você como zabumbeiro tem sensibilidade musical.

Mas não foi só o baixo volume das sanfonas terceiristas que se constituiu em pecado. Existiu outro e muito mais grave que pode levar os socialistas cor-de-rosa ao fogo do inferno, sem estagio no purgatório. Musicas belíssimas do nosso cancioneiro popular foram interpretadas de forma bisonha e sem brilho de maneira linear e em uníssono. Melhor seria um criativo sanfoneiro tocando solitário. A Orquestra Sanfônica lembrava as orquestras da fase inicial do cristianismo, antes da descoberta da polifonia que tocavam musicas singelas de adoração, em baixo continuo e em uníssono. Nessa época para os fundamentalistas radicais, vozes diferenciadas eram consideradas heréticas e a simplicidade ascética devia prevalecer, sob pena de virar churrasco.

Vivemos em uma época pontuada pelas alteridades e um desafio permanente à criatividade. Uma orquestra, senhores coloridos, é possibilidade de dialogo entre diferentes naipes visando ampliar as possibilidades harmônicas. Ouvindo os garotos da Baviera percebíamos variados naipes instrumentais, tais como, violinos, baixo, violoncelos, fagotes, oboés e variados tipos de metais, todos em dialogo permanente. E a nossa Sanfônica? Sua musica parecia emanar de uma sanfona de oito baixos, tocada para o deleite do Rei do Cangaço, quando em uma rede, descansando das suas atividades de grileiro, a serviço dos Coronéis poderosos. Não é à toa que o referido bandido tenha estátua e museus em nosso Estado.

Não vou falar de grileiros e leiloeiros que Zelam pela moralidade imoral da terra das araras. A Policia Federal existe para prende-los e o Judiciário existe para fazer justiça, ou melhor, solta-los. Para isso os membros dos Tribunais possuem um manancial de jurisprudência "criativa", mesmo contrária ao principio da legalidade, mas eficaz na proteção "bem criadas" elites. Ora, se essa criatividade é no mínimo controversa no sistema judicial, nas artes ela é essencial, sob pena de ouvirmos, por exemplo, a mesma musica que os nossos ancestrais, os primatas das cavernas, ouviam. A idéia da Orquestra Sanfônica é maravilhosa! No entanto, torna-se imperioso a contratação de um maestro arranjador para dar nova roupagem orquestral às musicas do nosso cancioneiro, como, por exemplo, as musicas de Luiz Gonzaga.

Não é a simplicidade simplória que caracteriza a musica popular, mas a sua origem e a sua qualidade. Nos dias atuais fica difícil diferenciar a musica erudita da boa musica popular. Mas para alguns relativistas culturais a arte simplória tem tanto valor quanto a arte bem construída. Para eles, Moranguinho do Nordeste e Djavan são as mesmas coisas. Entram em êxtase quando um pessoa simples declama "batatinha quando nasce se esparrama pelo chão...", ou ouvem uma "sanfona do fole furado que faz fum, que faz fum...". São como gatos no cio na noite, onde todas as gatas são pardas. Quase sempre em suas imensas sabedorias confundem um Picaso com um falo grande e um Calvacanti com um "couro" de Bosco Rolemberg.

Existem diferenças entre as sanfonas primeiristas e terceiristas, para fazer uso da terminologia de Odorico Paraguaçu, o bem amado político nordestino. Por trás das sanfonas, nos bastidores, estão os "senhores da cultura" manejando os fios resistentes, mas invisíveis. Os nossos músicos tocam conforme a musica ordenada, com suas sanfonas precárias e grande dose de amor pelo que fazem. Por melhor que queiram fazer, existe a musica padrão, a não ouvida, a original, a que somente aqueles que saem da caverna podem ouvir, aquela que é e não é, que sugere mudanças melódicas para que nada mude. Enfim, a musica dos deuses e todos aqueles que não conhecem musica, mas conhecem a arte corrupta e populista de fazê-la.

No palco, os sanfoneiros com suas sanfonas e suas paixões. Mudam-se as luzes, os holofotes, os ângulos. O que era para ser sublime, torna-se ridículo.







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