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domingo, 30 de setembro de 2018

Gramsci e a hegemonia

Gramsci e a hegemonia



Mesmo tendo sido um político atuante e um escritor político de grande porte, autor das Questões Meridionais e outros escritos, foi na prisão que escreveu a sua grande obra, os Cadernos de Cárceres, um conjunto de cadernos confusos, sem referências bibliográficas - em parte porque não tinha acesso às referências teóricas, e também para burlar a censura -, e mesmo com todas limitações, essa obra causou um imenso impacto e fissuras profundas no então pensamento dogmático stalinista, ideologia reinante nesse período histórico. Por suas “heresias”, foi expulso do PCI, morrendo isolado em uma casa, repudiado pelos camaradas do Partido, a quem dedicou toda a sua vida. 

Mesmo sendo banida e colocada no índex das obras proibidas pelo Partido Comunista Italiano, os Cadernos de Cárceres, ao longo do tempo, tomou vulto, ao ponto de ser uma grande referência atual para a esquerda. O traidor de outrora, hoje um profeta desarmado da Democracia como valor universal. Crenças, reduções cognitivas, faca amolada, prostituição da dialética - o processo ontológico do Ser é transformado em uma dama de costumes fácies - são, dentre outros elementos explicativos, fatores que levaram à proscrição desse portentoso italiano. 

As velhas teorias autoritárias, dogmáticas, muitas vezes reproduzindo arquétipos religiosos, foram banidas para a lata de lixo? Engano, cara leitores, muito engano, tal qual aquela bela flor que apressado colhemos para oferta-la à amada, sem apercebermos que o seu talo era de uma urtiga, o popular Cansanção, e quando os nossos dedos engrossados pela imprudência motivada pela ganância ao belo, ao tentar acariciar os cabelos,  a quem a ditosa flor se destinava, possivelmente ouviremos: “que houve com seus dedos, amor? Estão horríveis!” E de maneira sútil, afasta-os com uma sentença implícita: “eles não!”

Essa perigosa flor - pelo menos aos meus dedos - pode ser as velhas teorias maquiadas por cosméticos da ilusão, fazendo que o conceito grasmiciano  de Democracia como essência e valor universal seja transformada em um conceito manipulável, utilitário e descartável. É como esse “novos” teóricos dissessem: “Democracia para conquistarmos o Poder, depois ela será apenas um acessório de ornamento, mesmo assim somente enquanto  se revelar utilitária”. E como eles conseguiram essa torção interpretativa da obra de Gramsci? Ao que me parece, isso aconteceu pela reinterpretação  de manhosa má fé, realizada no conceito de hegemonia gramisciana, na qual o disfarçado conceito de aparelhamento são os pelos da urtiga.

Para Gramsci, em seu conceito de Democracia essencial e universal, o processo democrático deve manter as conquistas de outras épocas históricas, desde da Grécia, passando pelas conquista da Revolução Burguesa, até os dias atuais. Assim, a burocracia estatal deve ser profissionalizada, isenta dos humores partidários e de interesses econômicos, evitando, ao máximo, a existência de cargos de confiança e afins. Manter as regras do jogo estáveis, somente será possível se os aparelhos estatais se mantiverem isonômicos, sendo essa missão, segundo Antônio Gramsci, a condição prioritária e necessária para desenvolvimento das lutas políticas no seio da sociedade civil, a “casamata ideológica”, local onde se desenvolve e se instaura o processo de hegemonia. Trazer as fações das ruas ruas para os órgãos estatais é aparelhamento. A conquista do governo através de um processo eleitoral isonômico pode refletir a densidade da hegemonia conquistada na sociedade civil, e os órgãos republicanos devem garantir essas conquistas, assim como aplicar as novas leis criadas pelos representantes populares. Portanto, a hegemonia é a legitimidade conquistada por uma práxis política que se torna majoritária na sociedade civil, enquanto o aparelhamento é o assalto às instituições republicanas por métodos escusos, como, por exemplo, a nomeação de companheiros partidários, a compra de votos dos parlamentares e eleitores, o uso da corrupção patrimonialista, e, algumas vezes, assassinatos de oponentes políticos. 

O Judiciário deve pautar pela isenção, centrado em regras estáveis, sendo inadmissível que um magistrado que tem a função magnânima de arbitrar os conflitos democráticos, seja ele mesmo um ator político ou mesmo ideológico. Dessa forma, não fica difícil perceber que esses juristas que preconizam o uso de teorias interpretativas centradas em materialidade estendida para uso da magistratura, revelam mais um instrumento de aparelhamento ideológico, pois criam pontos de fuga à obediência dos atos normativos democráticos. Juiz que assim o faz, não é reacionário e nem progressista, é simplesmente um instrumento de aparelhamento ideológico, um perigoso usurpador do processo real democrático. Ser um magistrado é garantir e respeitar a vontade popular. Essa é a sua vocação e seu sacerdócio. Esse é o caminho que percorre solenemente a sua legitimidade e a sua grandeza.

Em resumo, para Gramsci, a Democracia como valor universal garante que novos processos hegemônicos se desenvolvam, mudando e ampliando novos horizontes de conquistas sociais e normativas, entretanto, sem por em risco as estruturas de ações comunicativas e participativas. Assim, para o grande italiano, as forças reais progressistas devem conquistar o Poder pela persuasão de uma práxis inovadora e jamais pelo uso de práticas autoritárias e desonestas que cerceiam o processo democrático e as liberdades civis.

Esse é o real perigo do lulismo! Disfarçadamente, usam o conceito de hegemonia de Gramsci para encobrir o mais puro e descarado aparelhamento dos órgãos estatais, ao mesmo tempo que promovem ações de aliciamentos, chantagens, corrupções, sempre à margem da legalidade. Todos os meios são válidos para os seguidores do lulismo conseguirem o Poder, pois Democracia para eles é um conceito a ser preenchido pelo contraponto da adjetivação dos seus adversários, em um silogismo simplório e cruel: se os outros são fascistas e golpistas, então ao estarmos de lados opostos, somos consequentemente democráticos.

No entanto, pergunto-lhes: existe algo mais próximo do fascismo do que o  culto à personalidade extremada, o uso do MST como agrupamento paramilitar, o aparelhamento conspiratório das instituições republicanas, e a destruição da soberania do Congresso Nacional pela compra de votos? Se existe, quero ser informado, mas só não me venham com essa história manjada de que um capitão falastrão, destemperado, saudoso por uma época em que não viveu, machista, é a encarnação do fascismo, porque isso me dá um acesso de riso.

Portanto, caro leitor, uma severa advertência: se o lulismo voltar ao governo federal, dele não mais sairá, e o voto que se constitue em momento maior do processo de soberania popular  será o algoz da própria Democracia, uma vez que, para o lulismo, a Democracia tem apenas o caráter estratégico e nada mais!

Como votar no segundo turno, já que para a maioria dos brasileiros não percebem o potencial de mudanças do pluralismo do primeiro turno? Será que um voto impulsionado pela lógica dialética deve ser direcionado à Frentes “disso e daquilo”, uniões políticas carnavalhizadas, onde slogans “abaixo o fascismo” ou pelo axé da Daniela “Elenão”, escondem os verdadeiros propósitos do autoritarismo totalitário, ou deve ser vetorizado para a libertação da classe trabalhadora e a renovação da Esquerda? Talvez essa seja a inteligente peripécia da dialética, ou seja: efetuar a negação do falso esquerdismo, corrupto, populista e autoritário, tornar visível a verdadeira face governativa do conservadorismo reacionário do Sr. Bolso, e contra ele, nas ruas, nos sindicatos, nas associações civis, construir um verdadeiro caminho democrático para a Esquerda. Por que acham que o Putin ajudou ao republicano reacionário Tramp? Porque ele sabia que o maior perigo para os outros países era a falseada versão democrática do Sr. Obama e da Sra. Clinton, conhecida como a Senhora Guerra, preferindo ajudar ao assumido reacionário Trump chegar ao governo e expor suas reais contradições. Ser marxista, algumas vezes, é ver os olhos da tragédia, enterrar os nossos mortos ainda insepultos, sentir o odor fétido do bolor do passado, conviver com os riscos, assumindo posições não muito simpáticas aos populistas carnavalescos. E como disse um sábio camponês, "Bolsonaro pode não ser o melhor fertilizante pro Brasil neste momento, mas é o melhor pesticida de que precisamos agora."


 Ivan Bezerra de Sant’ Anna


Publicado no site http://www.facebook.com/ibezerra52; http://ibezerra.xpg.com.br e no Blog http://terradonunca-ibezerra.blogspot.com/

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